A maternidade costuma ser um dos principais motivos para empreender. Segundo a Pesquisa “Quem São Elas”, realizada em 2016 pela Rede Mulher Empreendedora, 55% das empreendedoras brasileiras têm filhos e, dentre as que são mães, 75% decidiram empreender após a maternidade. Sem dúvida, ter autonomia para organizar seu dia a dia e conseguir conciliar os cuidados com as crianças e o próprio negócio é um dos principais fatores.
Mas a trajetória de Cristiane Carvalho é diferente. Seu filho ocupa um papel essencial para que ela se tornasse empreendedora, pois ele foi a grande inspiração para que ela criasse seu próprio negócio.
Uma história de determinação em homenagem a todas as mães empreendedoras que, com sensibilidade e força, transformam o mundo.
O que você fazia antes de se tornar uma empreendedora?
Eu fiz Magistério e depois me formei em Direito pela USP. Era um sonho me tornar advogada tal como o meu pai. Mas, depois de formada, percebi que esse sonho era mais dele do que meu e que nunca me identifiquei tanto assim com a área jurídica.
De qualquer forma, trabalhei na área e estudei para concurso. Mas tive que abandonar tudo quando meu marido foi transferido para fora do país. Moramos na Suíça e nos Estados Unidos e eu me tornei mãe em tempo integral, como eles dizem por lá. Mas a inquietação de voltar a trabalhar e produzir algo sempre esteve presente.
Como surgiu a ideia de empreender e montar a Teraplay?
Em 2015 o Érico, meu filho mais velho, na época com 8 anos, foi diagnosticado como estando dentro do espectro autista. A partir daí me aprofundei em estudos relacionados à neurociências, psicologia e pedagogia e, para facilitar e melhorar a vida dele e, consequentemente, de toda a família, fiz diversos cursos e devorei livros e artigos científicos sobre o autismo. Me aprofundei tanto no tema que venho formando uma biblioteca, ao longo de vários anos, repleta de livros relacionados ao Transtorno do Espectro Autista. Jogos e livros infantis também estão sempre no meu radar.
Neste processo, entendi que um dos maiores obstáculos dos autistas é reconhecer as emoções, tanto as próprias e as das outras pessoas, e é comum que falhem na elaboração de uma resposta socialmente adequada. Por exemplo, se um amigo fala de algo que o deixou triste, uma criança no espectro autista pode rir. Mas essa reação não é motivada por falta de sensibilidade, mas porque ela não sabe exatamente como agir naquele momento. Aliás, essa é dificuldade comum a muitas crianças, sejam elas do espectro ou não. E foi aí que nasceu o a ideia de fazer uma pulseira de silicone que pudesse ajudar as crianças a reconhecerem as emoções com mais clareza. Assim criei o Bracelete Emoções, o primeiro produto da Teraplay. Logo várias crianças, autistas ou não, estavam usando os braceletes provando que, mesmo que algumas precisem de mais ajuda que outras para se desenvolverem emocionalmente, todas se beneficiam.
Depois veio a ideia de escrever livros infantis – o primeiro foi lançado em2016, o “Faísca explica: As emoções”.
“Quando apresentei meu projeto para professores, psicólogos e outros pais e mães de crianças autistas, percebi um grande interesse e resolvi transformar a “alfabetização emocional” em um negócio”
E acredito que todos possam ser beneficiar, e não apenas os autistas. Tradicionalmente nunca se deu muita atenção para as emoções e como elas influenciam os comportamentos. Entretanto, todos conhecemos pessoas que perderam seus empregos por não ter inteligência emocional. Há pessoas que repetem padrões de comportamento destrutivos ou que têm o casamento estremecido (ou mesmo arruinado) por conta de sua instabilidade emocional. A alfabetização emocional confere ferramentas para que o indivíduo se torne mais apto a enfrentar e superar as situações de estresse que se apresentam em sua vida, criando um amortecedor para os momentos difíceis.
Como você identificou o nicho e investiu neste setor?
Identifiquei o nicho a partir das necessidades que eu sentia na minha família. Sempre que precisava de novos recursos para atender aos meus filhos, procurava por algo pronto. Mas não encontrei no mercado nada como eu imaginava.
É claro que existem outros livros que se propõe a ensinar sobre as emoções para as crianças, mas eu procurava por algo que a criança ou o adolescente pudesse carregar consigo e acessar sempre que precisasse, de forma imediata. Por exemplo, se uma criança está com raiva e começa a ter uma crise, de nada adianta tentar pedir que ela se lembre do livrinho que foi lido no dia ou na semana anterior. Nessas situações, ter o bracelete no braço ajuda muito pois oferece um apoio visual necessário e importante, possibilita que a comunicação se estabeleça de forma segura e livre de ruídos, serve de lembrança constante ao auto monitoramento e ainda oferece recursos para enfrentar as situações difíceis. Hoje contamos com seis braceletes, três livros e vários outros recursos que podem ser utilizados nos mais diversos momentos, em casa, na escola ou em terapia.
Como funciona a Teraplay?
A TeraPlay hoje é uma loja virtual e vendemos para todo o Brasil e para o exterior. Como muitos de nossos produtos não encontram similares no mundo, já recebemos pedidos da Europa, Estados Unidos e Canadá.
Um dos nossos carros chefes é o Bracelete das Emoções. Ele é de silicone e possui seis emojis em relevo indicando quatro emoções básicas (aquelas comuns e que são reconhecidas facilmente em qualquer lugar do mundo: alegria, tristeza, raiva e medo) e também dois estados físicos (tranquilidade e cansaço – ambos associados com a facilidade ou a dificuldade em lidar com as emoções). As crianças adoram porque elas já estão super familiarizadas com os emojis, sem contar que acham divertido e confortável usar o bracelete. Durante muito tempo minha filha mais nova, a Beatriz, não conseguia dizer quando se sentia brava. Gritava e chorava sem conseguir se expressar. Com o uso do Bracelete, ela começou a apontar a carinha brava sempre que se sentia irritada. Com o tempo, ela foi aprendendo a verbalizar o que sentia mas a ajuda do bracelete foi fundamental para dar ferramentas para se expressar mesmo quando não conseguia traduzir seus sentimentos em palavras.
Além do Bracelete das Emoções, temos muitos outros produtos. Hoje a TeraPlay conta com seis tipos diferentes de braceletes de silicone, três livros e outros recursos, totalizando mais de 50 produtos diferentes, todos diferenciados e muito úteis.
Como é a sua atuação?
Eu sou a faz tudo da TeraPlay. Como muitas empreendedoras, sou designer, secretária, administradora, contadora, auxiliar de serviços gerais e departamento de marketing. Hoje conto com alguns ajudantes terceirizados, como minha contadora e uma profissional responsável elas mídias sociais, mas ainda concentro muitas funções. Não me frustro com isso pois entendo que é algo normal em uma empresa em seu início.
Como foi no início? Quais seus maiores medos e preocupações?
Minha maior preocupação sempre foi produzir algo com qualidade, efetivo e atóxico. Algo que as crianças gostassem de usar e que as ajudasse a melhorar como pessoas.
Meus maiores desafios são a contabilidade e as importações – já que a TeraPlay importa alguns recursos sensoriais (como mordedores “para gente grande” e fidgets) que são praticamente inexistentes no país. Para superar as dificuldades, precisei contar com a ajuda de empresas específicas nessas áreas. Outra dificuldade minha é cuidar das redes sociais. Como meu tempo é super escasso, é difícil acompanhar, então essa foi outra área que precisei terceirizar. Não adianta querer fazer tudo e fazer mal feito. O ideal é contar com quem entende do assunto.
E quais estratégias têm dado melhor resultado nesta trajetória?
Acho que o maior bem da TeraPlay é a satisfação dos clientes. As indicações das famílias, professores, psicólogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e demais terapeutas são a mola propulsora da empresa. Buscar atender ao cliente da melhor forma, oferecendo o melhor produto a um preço justo, é a melhor estratégia para crescer e expandir de forma consistente.
Por outro lado, quais caminhos foram deixados de lado no decorrer do processo?
Minha cabeça nunca para de trabalhar e constantemente imagino recursos novos para atender às mais diferentes necessidades e demandas. Quero produzir tudo, mas sei que isso pode ser terrível para a empresa. Tudo deve ser feito de forma muito profissional, com estratégia e preparo em todos os níveis.
Então, nesse processo, alguns produtos acabam sendo colocados de lado, mas apenas temporariamente. Quando me capitalizo, dou vida a eles.
Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?
O empreendedorismo feminino vem surpreendendo e ganhando destaque nos últimos anos. As mulheres que decidem empreender muitas vezes decidem dar esse passo para terem a chance de estarem mais tempo com os filhos, algo impossível quando inseridas numa empresa tradicional. Eu mesma me encaixo nesse perfil.
Quando voltei a morar no Brasil, algumas empresas me chamaram para trabalhar, mas todas davam um jeito de sondar se eu pretendia ter mais filhos e como seria o cuidado com eles enquanto eu estivesse fora de casa. Por tudo isso, acho importante valorizar e fortalecer outras empreendedoras como eu. Sempre busco meus fornecedores dentro do ecossistema de mulheres empreendedoras e nunca me decepcionei com as parcerias que fiz com elas. Sempre encontrei profissionais capacitadas, focadas e que se preocupam a prestar o melhor serviço e fornecer o melhor produto.
O mito de que é impossível cuidar bem da família, dos filhos e de uma empresa já caiu por terra faz tempo.
Qual seu maior objetivo?
Meu maior objetivo é ver a TeraPlay como uma empresa consolidada e reconhecida. Cada vez que recebo relatos emocionados e satisfeitos dos clientes, tenho a certeza de que estou no caminho certo e isso me move a produzir mais e melhor.
Qual é o seu sonho? O que ainda falta realizar?
Tenho muitos sonhos, em várias áreas, e são eles que me movem. Sonho ver cada vez mais crianças educadas emocionalmente, se tornando pessoas melhores e mais felizes. Sonho também ver todas as pessoas no espectro autista incluídas, respeitadas e tendo suas necessidades atendidas. Sonho ver meus filhos se tornarem adultos seguros, capazes e emocionalmente preparados para os desafios. Sonho que a TeraPlay alcance todas as pessoas que possam ser ajudadas pelos nossos produtos.
Como é ser mãe e empreendedora?
Ser mãe-empreendedora é ser equilibrista e malabarista em tempo integral. É ser especialista em gerenciamento de tempo e atenção, e isso exige que não se descuide de si própria. É muito comum tentar equilibrar os dois pratos da balança, a família e a empresa, e se esquecer que o fiel da balança é a própria mulher-empreendedora. Se ela não se cuida, o fiel da balança se quebra, os pratos se desequilibram e caem.
Um dos meus maiores desafios é conciliar os horários em que eu sou mãe e os que eu sou empreendedora. Trabalhar de casa no esquema de “home-office” tem muitas vantagens, mas também tem suas desvantagens, como tudo na vida. Quando você está em casa os familiares e filhos se esquecem que em determinados horários, se você está no computador ou no escritório, está trabalhando e não está disponível o tempo todo. Esse é um exercício diário para achar o equilíbrio e superar as dificuldades.
Meu marido fica feliz com a criação da TeraPlay e seu sucesso, e, por outro lado, se ressente porque às vezes fico mais ausente e menos disponível. Muitas vezes, por exemplo, tenho que trabalhar de noite, quando as crianças estão dormindo, ou no final de semana, e isso com certeza o incomoda. Mesmo assim, ele sempre respeitou muito as minhas escolhas, me incentivando e apoiando em tudo relativo à empresa.
Algumas vezes tem medo que eu não consiga equilibrar direitinho o lado empresária e o lado mãe ou fica preocupado com a grande dedicação que o negócio exige.
Separar um tempinho mim é algo fundamental para a saúde mental e física de todos. Então, medito e faço yoga, coisas fundamentais e que me mantém forte e equilibrada para atender da melhor forma às minhas necessidades, as de minha família e as da minha empresa.
Se pudesse voltar no tempo e refazer uma decisão, corrigir algum momento de sua trajetória, o que seria?
Ah, se isso fosse possível com certeza não tentaria fazer coisas que não entendo sozinha. A parte de importação, com todos os seus gastos e especificidades, foi a que mais me tirou o sono. É bom contar com quem entende do assunto para não meter os pés pelas mãos.
Se pudesse dar apenas uma dica para quem está querendo empreender, qual seria?
Para quem quer empreender, minha dica seria: planeje. Coloque tudo no papel, pesquise e se prepare. Imagine todos os cenários e veja se está preparada para continuar quando as coisas não estiverem caminhando como você imaginou. Um planejamento bem feito garante não só a saúde física, mental e emocional da empreendedora, como também possibilita que a empresa cresça e se sustente a longo prazo.
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
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