Plantar, colher, secar, beneficiar, classificar, selecionar, torrar, fazer a composição, empacotar, capacitar equipes e assessorar empreendedores. São muitos os produtores de café no Brasil, maior exportador global do grão, o difícil é encontrar nomes que assinem todo seu ciclo, desde a produção da muda até o blend que vai para a xícara servida nas cafeterias. Esse é o diferencial do Kassai Café, que tem um plano ambicioso: mudar a concepção do que eu e você entendemos sobre este produto.
O fato da marca ter 250 compradores cadastrados, 200 deles frequentes, no Brasil, Suíça, Alemanha, França e Japão nos leva a deduzir que, sim, a empresa — que começou a operar há 15 anos, com um investimento inicial de 700 mil reais — tem sido bem-sucedida.
Hoje, vende cerca de quatro toneladas de café e fatura 170 mil por mês. Trabalha apenas com café gourmet, um blend feito com grãos oriundos de fazendas localizadas em regiões distintas do país, como o município de Ribeirão do Pinhal, no chamado norte pioneiro do Paraná, e de Patrocínio, no cerrado mineiro.
MESMO SEM CONHECIMENTO, ELE DECIDIU PLANTAR CAFÉ
Por trás desses resultados há um homem obstinado, na verdade, “obcecado”, nas palavras dele próprio, por café – e por qualidade. Filho de japoneses e natural de Adamantina (SP), Jorge Liniti Kasai (o nome dele tem só um “s” mesmo), 66, casado e pai de três filhos, fez carreira corporativa no Banco do Brasil. Em 31 anos, ocupou cargos de supervisão, gerência e superintendência e atuou como auditor e consultor. Em 2003, pediu demissão e comprou uma propriedade de cinco alqueires para produzir café, no Paraná. Na época, sem o conhecimento necessário, recorreu a amigos cafeicultores para ter dicas de como gerir o empreendimento. No entanto, diz que não teve boa acolhida:
“Fomos literalmente desestimulados, pois todos estavam em dificuldades. Insistimos, sem experiência, norteados por bom senso, lógica e coerência, mas não tínhamos noção das dificuldades!”
O problema, segundo ele, nunca foi o café. Logo na primeira colheita, Kasai e a família, parceira no negócio, dizem que sentiram uma diferença entre o grão que produziam e os demais. Mas veio o primeiro susto. “Não conseguimos colocar à venda, pois o mercado operava com valor de 250 reais a saca. E o nosso custo estava em mais de 350”, conta o empreendedor.
Depois de se aprofundar em pesquisas, ele optou por passar a fazer também a torrefação do café, trabalho que durou aproximadamente sete meses. Com o resultado, também satisfatório — lembre-se que temos um obcecado aqui — iniciou novamente o processo de comercialização. “Aí, levamos nosso segundo susto. O mercado trabalhava com café na ordem de 25 a 30 reais o quilo e o nosso custo girava em torno de 35”, conta.
Para ele, ficou claro que para seguir e ter algum sucesso ele precisaria, antes, mostrar o diferencial do seu café em relação aos outros. Kasai decidiu, então, “abrir os olhos” do mercado. Não apenas os olhos. Pode-se dizer que ousou aguçar os sentidos dos donos de cafeterias. Seu intuito era que reconhecessem o aroma, o sabor, a acidez, o amargor, a doçura, o corpo e a cremosidade de seu produto. Para isso, passou a oferecer cursos de classificação da bebida, degustação e treinamento de baristas em cafeterias.
“Nos primeiros cursos, fomos buscar os empresários a laço, sem custo nenhum para eles. A maioria entendia do negócio comercial, mas nada do café em si. O que sabiam era comprar o mais barato possível e vender mais caro”
A estratégia deu certo. Jorge diz que entregou conhecimento e colheu reconhecimento. A essa altura, o Kassai Café completava oito anos de estrada. A partir daí, vieram as consultorias em relação ao próprio café e aos equipamentos necessários para montar uma cafeteria.
Ter domínio de toda a cadeia produtiva e mercadológica foi – e ainda é – o diferencial do modelo de negócio. Por meio do “Projeto Investidor do Kassai Café”, quem deseja montar uma cafeteria recebe todo o treinamento necessário, desde a preparação dos baristas à consultoria sobre o maquinário e equipamentos, além de padrões de qualidade em higienização, atendimento, produtos, entre outros.
SEM VENDEDORES, O NEGÓCIO GANHA CLIENTES NA BASE DA CONFIANÇA
Ao longo dos anos, Kasai diz ter entendido que o mercado de café sempre procurou produtividade, enquanto qualidade ainda é um quesito pouco explorado. “É assim em tudo que se planta: arroz, feijão, milho, soja, trigo, café. Há a falsa impressão que os produtos exportados são os melhores. São exportados o melão mais bonito, a manga mais bonita, o mamão mais bonito e também o café mais bonito. Daí a dizer que são melhores é um grande equívoco”, afirma.
Conversador e muito focado no próprio negócio, Jorge pode passar horas falando sobre café. Não costuma entrar em concursos e rechaça rótulos. Ele afirma que não dá para confundir os famosos selos de pureza com selos de qualidade. E não mantém vendedores ou representantes comerciais para fazer os clientes comprarem.
“De nada adianta tentar convencer alguém sobre o seu produto. É muito melhor que o consumidor e comprador entendam e optem pelo melhor! Tenho o café para ser mostrado e degustado e atendo a demanda que aparece”, diz. Também não há contrato de fornecimento do café porque ele acredita que os donos de cafeteria não tenham que ficar atrelados a seu produto. A empresa fatura, em média 170 mil reais por mês.
Ele sabe que todas as regiões produzem cafés de qualidade, e fala mais a respeito: “O café não nasce ruim. Ele fica ruim. Se alguém disser que o melhor café é da Colômbia, da Etiópia, da Guatemala, de Minas ou de São Paulo, é tudo cascata. Todas as regiões podem produzir cafés de qualidade. O que diferencia uma região da outra são características como corpo, aroma, cremosidade etc”.
Jorge trabalha com espécies exclusivamente Arábica. Segundo ele, seu café é balanceado através da composição (o blend) de grãos de três regiões do Brasil (da sua própria propriedade e de fazendas parceiras). Sua assinatura, afirma, possui pontuação acima de oito nas avaliações efetuadas pelo Qgrader (Quality Grader), avaliador oficial registrado na SCAA (Speciality Coffee Association of America).
Ano a ano, aperfeiçoou sua técnica e o seu modelo de negócios. Mas não perdeu de vista o amor pelo café. “Quantidade e qualidade não se misturam. É uma ou outra. Optamos pela segunda.” Cuidar da planta, com o objetivo de extrair o melhor do produto, é a tarefa maior da equipe de 14 pessoas (de sete famílias, todas sócias do negócio). De acordo com Jorge, em sua propriedade nunca se pergunta quanto a planta pode produzir, mas sim o que ela pode produzir.
“O que devemos fazer para que a planta produza com melhor qualidade em vez de produzir apenas quantidade, visando obcecadamente o resultado financeiro?” Esta é a pergunta que os guia. Para o empreendedor, o respeito ao solo, à natureza, as vitaminas essenciais à lavoura e o fornecimento de água, além de responsabilidade diante do consumidor e do comprador são as respostas para esta questão. O resto se resume à degustação. Das conquistas e do café, claro.
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O negócio é resultado da reinvenção pessoal de Gisele Coutinho, que iniciou a carreira como jornalista e se tornou expert em café com a mesma missão de difundir ideias e saberes pelo mundo.