Na música Levanta e anda, do rapper Emicida, há um trecho que diz assim: “Só água na geladeira e eu querendo mudar o mundo”. Virou trilha sonora de muitos momentos vividos por Juarez de Oliveira Júnior, 28, que nasceu na periferia de Vitória, mas nunca deixou de ter ambições grandes. A maior delas virou um pensamento renitente, que o perseguiu por anos: “Por que o meu trabalho não pode mudar o mundo todo dia, cada vez um pouquinho?”. Foi a partir deste questionamento que ele idealizou a Atitude Inicial, negócio que desenvolve projetos de engajamento e tecnologia social, por meio de ferramentas culturais e multimídias, para conectar pessoas e despertar transformações.
Juarez, mais conhecido como Jota, acreditava que ações solidárias e projetos em prol do bem da coletividade não precisavam ser feitos apenas como caridade, nas horas livres. Transformar a sociedade poderia ser um trabalho. Pois bem, esta é, hoje, sua profissão: ele muda o mundo – ou, pelo menos, tenta, e ainda leva uma porção de gente junto. Não tem crachá, carteira assinada, nem cumpre horário certinho. É uma das pessoas que, como diz no site de sua empresa, “sai da cama para resolver o que incomoda entre o acordar e o dormir”.
Em palavras mais simples, ele faz o que for preciso, usando de teatro à comunicação, de aplicativo a curso, além de outras estratégias, para mudar o que precisa ser mudado (da cultura dos funcionários de uma empresa a respeito de meio ambiente à saúde de uma comunidade).
Com seis anos de existência, completados no último dia 5, a Atitude Inicial desenvolveu mais de 150 projetos, tem oito funcionários fixos e mais de 500 pessoas engajadas, de profissões e talentos diversos, prontas a participar de ações específicas.
Faturou, em 2017, em torno de 600 mil reais e a meta é chegar a 1 milhão de reais este ano. Toda essa trajetória se sucedeu na cidade de Vitória. Ou seja, fora do eixo Rio-São Paulo, onde tudo (ou quase tudo) acontece. Não foi fácil, como conta Jota:
“Ninguém sabia o que era negócio social. Foi muito difícil — e ainda é — explicar para as pessoas que a Atitude Inicial não é uma ONG, um coletivo ou uma instituição do terceiro setor”
Ele prossegue: “Não queria que as pessoas pensassem ‘Nossa, que galera boazinha…’. Na verdade, tem um monte de gente boa, profissional, que pode mudar a realidade com seu trabalho”.
A Atitude Inicial é uma empresa do setor 2.5, que agrega lucro com impacto social. Ela emprega diferentes tecnologias sociais – jornalismo, teatro, arte, intervenções urbanas, eventos, aplicativos e outras – para atingir um objetivo. Neste caso, a intenção é promover “micro-revoluções” cotidianas, que podem transformar a vida da sociedade.
UMA VONTADE QUE VEM LÁ DA INFÂNCIA
Toda essa história começa com uma revolução pessoal do próprio Jota. Ele sempre estudou em escola pública e diz que gostava de ser líder de classe. Começou a fazer teatro e, aos 17 anos, conheceu a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, de Porto Alegre, criada em 1996, pelo casal Régis e Diza Gonzaga, após o filho, que dá nome à organização, morrer em um acidente de trânsito aos 18 anos. Depois da perda, os pais decidiram promover ações preventivas e programas educativos para humanizar o trânsito e evitar tragédias. Em determinado momento, a Fundação desenvolveu o trabalho também no Espírito Santo, em parceria com o governo do estado.
Jota tornou-se coordenador de projetos, assim como Valéria Nogueira, 33, sua sócia na Atitude. Trabalhavam bastante com mobilização social. “Por meio da Fundação, percebi que era possível fazer tudo que tinha vontade pelo social, sem ser necessariamente em horários vagos.” Em 2011, no entanto, a organização deixou o Espírito Santo, devido ao fim da parceria com o governo.
Para ele, a ideia de fazer um currículo e entregar nas empresas simplesmente não fazia sentido: “Ou eu ia trabalhar em um escritório ou seguia o caminho de fazer o que acreditava. Morava com meus pais, não tinha recurso nenhum. Mas tinha uma rede de contatos, um banco de três mil voluntários. Decidi arriscar”
À essa altura, Jota tinha feito, além de teatro profissionalizante, cursos técnicos em comunicação visual (design) e em gestão empresarial. Começou a estudar o setor e chamou um amigo para a sociedade, pois Valéria tinha se mudado para Guarapari (ES).
Em junho, fez um projeto focado em meio ambiente e apresentou a uma conhecida, coordenadora de comunicação de uma empresa, que aceitou patrocinar a ideia com o valor de 30 mil reais. Nascia ali a Atitude Inicial. O projeto consistia em ações pontuais, como convencer as pessoas a trocarem embalagens de supermercado por ecobags.
Também foram para os bares de Vitória e Vila Velha e espalharam mais de 300 recipientes para os clientes depositarem bitucas de cigarros. Rodaram escolas e universidades, conseguiram um enorme engajamento voluntário (mais de 300 pessoas) e ganharam espaço nos meios de comunicação. A iniciativa acabou premiada pelo governo do estado.
FALTOU O BOM E VELHO PLANO DE NEGÓCIOS
Tudo parecia estar no caminho certo. Havia vontade, ideias a perder de vista e sonhos. No entanto, faltava uma estratégia para fazer a empresa crescer. “Não estruturei um plano de negócios. No ano seguinte, apareceram outros pequenos projetos, mas não era suficiente para manter a estrutura. As coisas ficaram complicadas. Eu era um aprendiz com o dever de pensar, prover e correr atrás de parcerias”, diz Jota.
Ele desfez a sociedade com o amigo, mas seguiu com a empresa. “Pensei em fechar muitas vezes. Não tinha de onde tirar dinheiro. Cortava o telefone, a luz, a internet.” Mas a partir do terceiro ano de operação, as coisas começaram a mudar. A Atitude fechou um contrato para fazer gestão de mídias sociais, que rendia 1.200 reais e pagava despesas básicas e encontrou uma consultora de meio ambiente, que conectou a empresa com pessoas do setor. Ocorreu, então, um estalo:
“Ficou claro que a gente sabia fazer as coisas, mas que faltava saber vender, comunicar, ter acesso às pessoas certas”
Em 2013, entraram em um programa de fomento, da Shell, para negócios sustentáveis. Veio o primeiro plano de negócios e, aos poucos, foi ficando mais fácil explicar para as pessoas o que é um negócio social, diferenciá-la do terceiro setor, mostrar que paga impostos e que objetiva também o lucro. “Era difícil fazer as pessoas entenderem que não existe futuro sem que o social esteja incluído”, diz Jota.
DE TEATRO À INTERVENÇÃO DE RUA: FOCO EM IMPACTO SOCIAL
Ao longo do tempo, Jota retomou a sociedade com Valéria, entrou e saiu do curso superior de Administração (por acreditar que “eles ensinavam o passado e eu estava preocupado com o futuro”) e fez uma imersão completa na própria empresa para entender seus desafios. Rendeu resultados, a ponto de hoje ter um fundo para investir em seus projetos.
O negócio é resumido pelo fundador de forma simples: “Se existe um problema que gera impacto social e a pessoa não sabe resolver, chama a gente”.
A partir daí, eles desenvolvem um projeto usando as mais variadas tecnologias e instrumentos. Pode ser uma peça de teatro, uma intervenção de rua, uma campanha educativa pelas redes sociais, uma campanha de comunicação etc.
Quer um exemplo? Moradores de uma pequena comunidade do Espírito Santo, atingida pelo rompimento da barragem de Mariana, passaram a receber dinheiro como forma de indenização, ocasionando um movimento migratório e uma série de problemas decorrentes. A Atitude Inicial foi chamada para desenvolver, em conjunto com a prefeitura, um projeto com diversas atividades educativas, como aproveitamento de alimentos, prevenção de saúde e outros serviços.
A empresa atua em várias frentes: meio ambiente, saúde, design, comunicação (com intervenções pontuais ou educação contínua). Para cada ação, recruta os profissionais necessários, de atores a arquitetos, como conta Jota:
“Envolvemos pessoas que trabalham com propósito. Colocamos as nossas habilidades à disposição da sociedade”
Ele continua: “Este é um braço da empresa: possibilitar conexões, inovação, criatividade, dar oportunidades para profissionais incríveis mudarem o mundo sendo remunerados por isso”. Parceira de trabalho e de entusiasmo, a sócia Valéria encontrou na Atitude Inicial um ambiente fértil para desenvolver suas habilidades. Com formação em teatro e em publicidade e propaganda, ela diz: “É um espaço onde consigo colocar em prática todas as minhas vontades, todos os meus talentos e quero que isso se perpetue e que seja também transformador para outras pessoas.”
METODOLOGIA PARA MUDAR O MUNDO
Atualmente, são mais de 500 pessoas engajadas em projetos da Atitude Inicial e clientes como Fundação Itaú Social, Instituto Arcor Brasil e Instituto Marca. E os projetos próprios começam também a sair do papel. Eles planejam fazer dois dias de imersão em negócios sociais abertos à comunidade. Jota acredita ainda que a empresa pode preencher uma lacuna deixada por espaços acadêmicos. Em parceria com alguma universidade, ele planeja lançar uma “residência” em negócios sociais, criando assim uma metodologia para “ensinar a mudar o mundo”.
Também lançam, ainda neste mês, uma loja para confecção de uma série de produtos que mandem mensagens positivas e favoreçam as “micro-revoluções cotidianas”, como camisetas e outros itens com estampas inspiradoras. Além disso, embaixadores serão convidados para abraçar uma causa e parte da venda será destinada a ela.
Outro plano é produzir eventos para fortalecer o negócio social, não como filantropia, mas como o único caminho possível. “O modelo que existe não faz mais sentido para esta geração, que já não acredita em trabalhar 40 horas em algo sem propósito”, diz Jota, mostrando que é possível ter mais que água na geladeira quando se sonha em terreno concreto.
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