Não basta estar no lugar certo na hora certa. Roni Cunha Bueno, 39, Renato Mendes, 39, e Priscilla Erthal, 35, sócios da aceleradora Organica, acreditam que, na era do digital, mais do que acompanhar tendências, é preciso se reinventar constantemente.
Não dá para falar do negócio atual deles sem mencionar o que aprenderam quando lideraram a ascensão da Netshoes, pioneira do e-commerce brasileiro. Hoje, eles usam essa experiência ajudando seus clientes a alavancar exponencialmente seus negócios e assumindo novos desafios para eles mesmos.
Criada no final de 2014, a Organica trabalha buscando soluções para as companhias se adaptarem à realidade de um mercado cada vez mais influenciado por inovações de ferramentas digitais. A ideia é aproveitar as muitas janelas de oportunidade e não se acomodar a modelos ultrapassados de negócio.
Segundo os sócios, o propósito é “acelerar o material humano” — em primeiro lugar — e só depois a empresa o que, segundo eles, contraria o conceito padrão de uma aceleradora, que em geral é mais voltada à tecnologia. É o que afirma Roni:
“A gente acredita que a transformação se dá pelas pessoas e que a tecnologia é uma consequência”
Formado em Propaganda e Marketing pela ESPM, ele é CEO e fundador da aceleradora. Durante os dois primeiros anos, tocou a iniciativa sozinho, “como um lobo solitário”, diz. Até meados de 2016, quando abriu a empresa para o também paulistano Renato, jornalista formado pela PUC. Também diplomada em Publicidade pela PUC, mas do Rio de Janeiro, a carioca Priscilla chegou ao negócio no final do mesmo ano, assumindo a operação na capital fluminense.
Inicialmente, o foco era trabalhar com startups — como os atuais clientes MaxMilhas, NetFarma e Dr. Consulta. Porém, para surpresa dos próprios sócios, empresas já estabelecidas começaram a procurá-los atrás de ajustes em seus modelos digitais. Entre elas, Oi, Santander, Banco Votorantim e Serasa Experian.
Ao perceberem essa demanda, eles decidiram que era hora de crescer e dar um primeiro impulso na Organica, seguindo o modelo que eles mesmo defendiam e que haviam desenvolvido anos antes, quando trabalharam juntos na Netshoes.
COMO FAZER DE UMA EXPERIÊNCIA DE TRABALHO A BASE PARA UM NOVO NEGÓCIO
Cerca de uma década atrás, os futuros sócios estavam, mesmo sem ter noção disso, fazendo um “intensivão” sobre mudanças no mercado na Netshoes. A então rede de lojas de artigos esportivos, criada em 2000, tinha iniciado a venda pela internet em 2002 e a operação não parava de crescer. Mesmo assim, era preciso redefinir seu modelo.
“O setor do varejo foi o primeiro em que, num intervalo de quatro anos, o negócio virtual abocanhou até 15% do negócio real”, conta Roni, que entrou na empresa em 2007 com a missão de apontar essa nova rota e firmar parcerias. Uma delas era com a B2W (fusão entre Americanas.com, Submarino e Shoptime), onde Priscilla, que sempre atuou com internet, cuidava das áreas de marketing e comercial.
A decisão estratégica — e que acabaria selando o destino da loja — foi fechar as sete unidades físicas e fazer da Netshoes uma pure play, ou seja, apostar todos os esforços no online.
O ano era 2007 e a Nova Economia, baseada em serviços e alavancada pelo fenômeno da internet, começava a ganhar cada vez mais espaço.
Se antes, com a venda em escala realizada em lojas físicas, as empresas ditavam qual produto chegaria ao consumidor e de que forma, o jogo virou quando os consumidores passaram a ter acesso a computadores em casa.
“O que a gente percebeu nessa experiência quase intuitiva é que o digital estava dando um novo tipo de poder de escolha para as as pessoas, e que a gente podia vender nossos produtos onde e quando elas quisessem”, diz Roni.
No Brasil, a Netshoes foi a primeira a atender 24/7 (24h por dia, sete dias por semana) e a usar as redes sociais para isso. O pioneirismo levou Priscilla a aceitar o convite de trabalhar na empresa em 2011, mesmo ano em que Renato chegou. Ex-colega de colégio de Roni, ele vinha de tentativas de seguir carreira como jornalista de economia em revistas como IstoÉ Dinheiro, Exame e Você S.A. e tinha realizado uma pós-graduação em Economia Internacional em Madri. Entrou para tocar a área de comunicação.
“Nós três criamos uma conexão muito forte porque éramos os que realmente viviam aquela montanha russa”, conta Renato.
Em 2012, a loja virtual de artigos esportivos atingiu o faturamento de 1 bilhão de reais e entrou para o ranking da Fast Company das dez mais inovadoras da América Latina. Só que essa ascensão não foi linear, e sim uma sucessão de loopings, como contam os empreendedores. Na metodologia que eles desenvolveram ali “na marra” – e que depois adotaram na Organica –, o crescimento obedece ciclos curtos que constantemente precisam ser alavancados, pois o mercado sempre vai exigir novas adaptações.
“A gente reinventou umas cinco vezes o modelo da empresa, umas sete vezes as nossas próprias funções lá dentro, e um montão de vezes os canais de venda”, diz Roni.
COM O RECONHECIMENTO, CADA UM FOI PARA UM CANTO (POR UM TEMPO)
Com o sucesso da marca, veio também o reconhecimento pessoal, o que despertou em cada um deles também a vontade de reinventar suas carreiras. Roni figurou, em 2012, na lista do Grupo M&M dos dez profissionais mais inovadores do digital brasileiro. Em 2014, Priscilla foi escolhida a melhor profissional de vendas do país pelo E-Commerce Brasil. Ela fala sobre esse período:
“A Netshoes foi uma escola. Uma escola em que a gente aprendeu na prática, passou de ano e depois virou um pouco professor”
Na mesma onda, Renato levou o Prêmio Comunique-se como o “Executivo de Comunicação do Ano”. No ano seguinte, os três já estavam fora da empresa. Curiosamente, não pegaram o caminho que talvez parecesse natural: juntar forças e começar a aplicar em um negócio próprio o modelo que já tinha se mostrado eficaz.
Roni saiu primeiro, em 2012, logo depois de ser indicado e vencido o Prêmio Caboré na categoria Profissional de Marketing. Entre as muitas propostas que recebeu, aceitou ser vice-presidente do Terra, onde passou mais dois anos até maturar a ideia de ter seu próprio negócio.
Em outubro de 2014, com o investimento apenas em um computador novo e na mensalidade de um espaço em um coworking, abriu a Organica (e o próprio Terra foi um dos primeiros clientes).
Com a entrada de outros nomes na Organica, como Time For Fun, NetFarma e Empiricus, Roni percebeu que não daria conta do trabalho sozinho e foi atrás dos antigos aliados, que também experimentavam novos ambientes. Renato estava em um fundo de investimento ajudando startups a crescer quando o amigo o chamou para fazer o mesmo ao lado dele. Priscilla era CMO da agência de viagens Hotel Urbano.
“Voltei de uma licença maternidade e achei que o bichinho do tempo da Netshoes, que andava meio adormecido em mim, precisava voltar e aceitei o convite para continuar aquela história na Organica”, diz.
Em agosto de 2016, o trio estava junto de novo. “Até então, a Organica era o meu projeto. Eu tirava um bom dinheiro por mês, ia juntar por alguns anos e depois, talvez, perder meu valor de mercado”, conta Roni. “Como empresa mesmo, ela só começou com a entrada do Renato e da Priscilla”.
Foi quando decidiram “ir para as cabeças”.
COMO FUNCIONA A TRIAGEM E O EMPURRÃO DADO PELA ACELERADORA
Cerca de 50 clientes já passaram pelas mãos da aceleradora, que conta com 23 ativos atualmente. Em dezembro do ano passado, completaram o primeiro ciclo de aceleração, tendo triplicado o faturamento do ano anterior. A meta para 2018 é dobrá-lo. Para isso, colocaram mais pessoas para tocar o barco em diferentes frentes.
Hoje, além do trio, há agora outros quatro sócios. Maurício Alexandre (performance), Luciane Aquino (na operação em Porto Alegre), Pedro Paulo Moraes (finanças) e Andrea Dietrich (cultura e produto).
“A gente se tornou uma one-stop-shop, com tudo que você precisa para crescer, porque percebemos que o cliente não precisa apenas de um plano de marketing”, afirma Roni.
Ele afirma que a Organica tem, hoje, 16 pessoas de aptidões multidisciplinares para “resolver todas as dores do cliente”, seja o recrutamento, a conexão com fundos de financiamento ou até mesmo a reorganização da empresa.
Quando um novo cliente bate na porta da Organica, primeiro passa por uma entrevista com o trio de fundadores, na qual se avaliam as dificuldades, oportunidades, aspirações e também quem está mais indicado para cuidar da conta.
Em seguida, há a fase de imersão, que dura cerca de um mês, para entender como a empresa funciona e em que pontos ela pode ser acelerada. Definido isso, cria-se uma estratégia de aplicação em ciclos curtos. “Todo processo é sempre a quatro mãos. A gente nunca chega lá e diz faz isso e aquilo e vai embora”, afirma Renato. Ele prossegue:
“Nossa ideia é empoderar os clientes, em vez de fazer por eles. Acompanhamos de perto sabendo que eles precisam seguir sozinhos. É como ensinar a andar de bicicleta”
Para ele, outro diferencial da aceleradora é o background prático de quem já aplicou essa metodologia muitas vezes, mas mesmo assim a coloca em xeque. Priscilla fala da sinceridade na hora de tratar os problemas com o cliente: “A Organica entrega o que ele precisa, e não necessariamente o que ele pediu. Por isso, somos muito francos em nossas análises”.
Já aconteceu de precisarem explicar a um CEO que o maior obstáculo para o crescimento da empresa era a interferência dele mesmo. “Há clientes mais ansiosos, outros mais desconfiados. É necessário entender como cada um funciona e sacar isso rápido para o negócio pegar tração desde o início”, completa a executiva.
UM CRESCIMENTO ORGÂNICO PARA A ORGANICA
A estratégia tem dado certo. Eles contam que nunca precisaram prospectar clientes. “A máquina está funcionando sozinha. É muito raro participar de uma concorrência”, diz Renato. Eles não abrem o faturamento ou mesmo o valor dos contratos, mas pode-se estimar algumas centenas de milhares de reais por ano, no mínimo.
“Cobramos caro porque isso nos dá independência. Não recebemos comissão alguma pelas indicações que fazemos e somos bastante críticos a este modelo”
Renato afirma que, ao agir assim, o cliente sabe que estão indicando algo porque acreditam que é a melhor ferramenta para o negócio naquele momento. Para dar todo tipo de suporte, a aceleradora tem outros braços, como uma área focada em projetos que consideram pequenos, em um primeiro ciclo exponencial, com faturamento por volta de 100 mil reais.
Esses negócios passam por um processo experimental de quatro meses, no qual os sócios avaliam se vale a pena seguir adiante. Outro setor se dedica ao trabalho de headhunter. E um quarto segmento é o de conhecimento, que já gerou o livro Mude ou Morra, escrito por Roni e Renato. Este segmento educacional pretende se estender para uma plataforma de ensino à distância.
Apesar da operação estar crescendo, a Organica segue instalada na sala de um coworking, na Vila Madalena, como nos primórdios, quando faziam as reuniões internas na mesa de uma padaria próxima. E, se depender deles, isso não vai mudar, pois sabem que representaria apenas uma despesa desnecessária para uma empresa de gestão descentralizada e horizontal e que costuma fazer os clientes se sentirem em casa a ponto de também abrirem suas portas a eles.
“Quem quiser uma empresa bonitinha tem um monte na Berrini. A gente não é assim”, brinca Roni.
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