por Tania Menai
Antes que você se pergunte: o Peixe Urbano ainda existe e navega financeiramente mais saudável do que na época em que chacoalhava o setor de cupons e compras coletivas no Brasil. Mas, como? Eles mudaram radicalmente o modelo de negócios, tornando-se um canal de vendas.
Mas a verdade é que a trajetória deles beira o fantástico, tenho que dizer. E está contada no livro que levei mais de dois anos para pesquisar e escrever: Contra a Maré – A História do Empreendedorismo do Peixe Urbano e que tem lançamento oficial agora em agosto, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Hoje sediado em Florianópolis, um relevante polo brasileiro de tecnologia e inovação, o Peixe foi criado no Rio, em 2010, com mentalidade e um investimento — monstruoso — do Vale do Silício. Passou por altos (lembram que até o Luciano Huck foi sócio?), baixos e alguns trituradores de carne até amadurecer e virar gente grande.
O Peixe Urbano (que, veja você, foi quase batizado de Orangotango Azul) chegou a contabilizar mais de mil funcionários, alastrou-se pelo Brasil, expandiu-se pela América Latina, abocanhou startups menores, criou tecnologia dentro de casa. Contratou e mandou embora centenas de pessoas embora, ganhou prêmios tanto do TechCrunch quanto do Reclame Aqui.
E mais: foi vítima de fraudes espetaculares, despencou em queda livre, passou por uma bela reestruturação, foi comprado por chineses, depois por chilenos, fundiu-se com seu principal concorrente e virou case de estudo da Universidade Stanford. Como dizem os americanos, a empresa é um caso de fail up — falhar para cima. Foi muito maremoto para um cardume só.
O livro dá uma pincelada no cenário que empreendedores brasileiros enfrentam em um país anti-empreendedor, onde as leis são engessadas, os impostos altíssimos e a mão-de-obra de qualidade escassa
Ou seja, empreender dentro dos conformes em terra brasilis é coisa de herói. Com o Peixe Urbano, os desafios não foram diferentes, mesmo sendo pilotado por uma cúpula super preparada, muitos diplomados nos Estados Unidos. Mas as ideias e quebradas-de-cara levadas pelos fundadores Julio Vasconcellos, Alex Tabor e Emerson Andrade abriram espaço para muita gente boa que veio depois.
A história é, sem dúvida, uma escola e inspiração para quem quer trilhar a rota das startups. Para mim, contar esta jornada, a convite do próprio Julio, e a partir de quase quarenta entrevistas, foi um verdadeiro MBA. Ainda assim, vale ressaltar que esta não é uma obra “chapa-branca”. Adorei entrevistar essa turma, e acredito que tanto as vitórias como os sufocos devem ser compartilhados em uma biografia de negócio. Selecionei e publico, com exclusividade e de antemão para o leitores do Draft, um trecho inédito e bastante divertido. Bom mergulho a todos!
“Um centavo”
Página temporariamente fora do mar.
Querido cardume, nosso site está enfrentando pequenas ondas de instabilidade. Mas já estamos agitando as barbatanas e mexendo as nadadeiras para que você continue aproveitando sempre as melhores ofertas da sua cidade.
Chope, sushis, hambúrgueres. Tudo por um centavo. Foi dessa forma que no dia 31 de março de 2011 a destemida equipe do Peixe Urbano assoprou a velinha do primeiro aniversário de vida. Não à toa, o sistema foi pelos ares. Ou pelos mares. O dia marcava 12 meses de estrondoso sucesso de uma startup totalmente brasileira, com um modelo de negócio inédito no país e um cadastro com mais de 5 milhões de usuários espalhados por 30 cidades, uma média de 600 mil cupons vendidos por mês.
O Brasil somava 80 milhões de internautas, aquele era o auge das “compras coletivas” e o nome Peixe Urbano já era sinônimo da categoria
Aboletados no escritório, em um sobrado do bairro carioca de Botafogo, dormir era uma remota opção para os três engenheiros de software da equipe. Liderados pelo incansável Alex Tabor, um dos fundadores do Peixe, eles viraram do avesso toda a infraestrutura do site e do servidor para aguentar o tráfego monumental.
Quatro meses antes, o rei da mídia nacional, Luciano Huck, havia entrado no negócio como sócio minoritário − foi ele quem deu a ideia da promoção de um centavo. Inicialmente, ela entraria no ar no dia seguinte, Dia da Mentira, em 1º de abril: “Ofertas tão boas que parecem mentira”.
O time de vendedores do Peixe conseguiu convencer restaurantes, lanchonetes, clínicas de estética e outros serviços a, praticamente, doarem um ou mais itens de suas listas. A promessa era atrair milhares de pessoas aos estabelecimentos. Uma vez ali, a equipe do Peixe alegava que o usuário não iria consumir apenas o item anunciado por um centavo, mas também mais uma sobremesa, mais um temaki, mais um hambúrguer, beber mais um chope, ou optar por mais um corte de cabelo.
No entanto, alguém cogitou que o maior concorrente do Peixe, o Groupon, já estava sabendo da iniciativa, então eles resolveram antecipar a novidade em um dia. Em troca daquelas ofertas, o Peixe queria adquirir o máximo de informação sobre cada cliente, perguntando sobre localização, sexo e outros dados sobre cada um.
E como a tal promoção foi uma ideia de última hora, eles tiveram três dias para programar tecnicamente todos os detalhes. Nem tudo estava pronto quando as promoções foram ao ar. Ao mesmo tempo, já se instalava um bolão de apostas de quanto tempo o site iria sustentar a enchente de acessos. Julio Vasconcellos, cofundador e CEO do Peixe, então com 28 anos, apostou que seriam duas horas. Mas até ele errou.
À meia-noite, Letícia Leite, responsável pela comunicação da empresa, enviou um torpedo para Luciano, avisando: “As promoções já estão no ar, dê uma olhada”. Imediatamente, Luciano colocou uma frase no Twitter para os seus milhões de seguidores: “Tudo no Peixe Urbano por um centavo”.
Os 29 caracteres foram suficientes para o site despencar. Em minutos, o Peixe Urbano virou o “trending topic” número um no Twitter, e assim permaneceu pelas 48 horas seguintes. Algumas pessoas vibravam com brownies por um centavo em sua cidade, outras reclamavam porque onde moravam ainda não estavam vendo promoção alguma. Não faltaram insultos nem palavrões.
Ninguém no escritório esperava por tal pesadelo. Alguém perguntou: “O que houve?”. Logo veio a resposta: “O Luciano Huck tuitou”
Os engenheiros fizeram malabarismo para trazer o site de volta. Mas a notícia viralizou de forma meteórica; não havia tecnologia naquele momento que segurasse a multidão. Letícia e Pedro Kranz Costa, o PK, redator de mídia social, mantinham os usuários informados permanentemente, via Twitter e Facebook, sobre a situação. Ao acessar o endereço, os internautas deparavam com a mensagem criada por PK.
A equipe virou a noite. Às três da manhã, o tráfego abrandou. Logo cedo, Bruna, uma estagiária que ajudava no controle da participação de mercado, apareceu no escritório. Ela era estudante da PUC e normalmente só chegava à tarde, ao sair da faculdade. Perguntaram o que ela fazia por ali. Bruna respondeu: “A aula foi cancelada. Quando alguém espalhou a notícia da promoção do Peixe, todos levantaram e deixaram a sala de aula, até o professor resolveu checar o site”.
A equipe se entreolhou e engoliu em seco. Era preciso se preparar para o que estava por vir. As reações, positivas e negativas, continuavam a borbulhar na mídia social. Com cara de sono e olheiras profundas, Julio levou um vídeo ao ar, via Facebook, anunciando que a promoção se estenderia por mais um dia, para compensar a pane no sistema. Naquelas 48 horas, o Peixe Urbano vendeu mais de 1 milhão de cupons. O saldo para os heróis da tecnologia foi de três noites viradas e quatro dias consecutivos sem sair do escritório.”
Tania Menai é jornalista e vive em Nova York há mas de duas décadas. “Contra a Maré – A História do Empreendedorismo do Peixe Urbano” já está à venda no site da Editora Matrix e, em breve, nas livrarias e em formato e-book. A autora prepara mais uma publicação, esta sobre a história do primeiro unicórnio brasileiro, o app 99, em parceria com Paulo Veras, um de seus fundadores.
Thiago Oliveira começou a ralar como office boy e depois fazendo entregas com o Monza do pai. Ele fundou uma empresa de logística e faliu antes de dar a volta por cima e se tornar sócio de negócios como ACE e Bossa Nova Investimentos.
Em "Empreender: a arte de se f*der todos os dias e não desistir", Israel Salmen e Lucas Marques contam os bastidores da primeira startup do país a abrir capital na Bolsa. Leia com exclusividade um trecho do livro que acaba de ser lançado.