Desistir de um negócio depois de ter investido tempo, dinheiro e dedicação não é uma decisão fácil. Pior ainda é ter que fazer isso quando o negócio está indo bem. Pois foi isso que aconteceu com as fundadoras da Padoca Vegan: Kamili Picoli, 22, Renata Athelman, 33, e Denise Consolmagno, 32.
Pouco mais de um mês depois de comemorarem a expansão do horário de atendimento da Padoca para seis dias por semana visando atender à crescente demanda do público, elas anunciaram o fim das atividades. O motivo foi um desentendimento entre as sócias que, logo no início, descobriram que pensavam de maneira diferente, mas — diante do sucesso do negócio — optaram por relevar as diferenças e seguir a diante. Não deu certo.
A Padoca Vegan funcionava no coração da Vila Madalena, em São Paulo, dentro do Hostel Alice, aberto em 2011 na casa que era da avó da Denise. A ideia de uma padaria só com produtos veganos surgiu, a princípio, com um evento especial que durou uma semana, em abril de 2017. “No último dia, que era o sábado, a gente ia atender até as 15h, mas apareceram umas duzentas pessoas e, ao meio dia, já tinha acabado tudo”, conta Denise.
O EXPERIMENTO VIROU UM NEGÓCIO, MAS SEGUIR ADIANTE FICOU COMPLICADO
Diante do sucesso do primeiro evento, elas decidiram abrir a Padoca, que durante um ano funcionou apenas aos finais de semana. Mesmo com horário restrito, a padaria representava 80% do faturamento do negócio. Enquanto o hostel recebia, em média, 800 hóspedes, a Padoca atendia de 1 000 a 1 200 clientes por mês com um ticket médio de 31 reais.
Em um ano, a padaria vegana cresceu 158% e gerou um faturamento de 280 mil reais, em 2017. Embora estivessem felizes em ver o negócio crescendo, as sócias ainda enfrentavam, além das divergências, uma série de desafios comuns à maioria dos empreendedores, entre eles, cuidar da operação e da produção ao mesmo tempo. Em abril de 2018, mesmo cientes das limitações, elas decidiram atender aos pedidos dos clientes e passaram a abrir seis dias na semana.
Ainda assim, as filas eram frequentes — bem como a reclamação de consumidores que não entendiam bem a proposta de padaria artesanal e não estavam dispostos a esperar muito tempo para serem atendidos. Foi quando o estresse causado pelo pouco descanso e muito trabalho agravou ainda mais as desavenças entre as três.
Sem conseguirem entrar em um acordo sobre o que era prioridade no negócio, elas viram as falhas de comunicação se refletirem no restante da equipe, que ficava perdida sem saber qual direção seguir. “Ficou insustentável. A gente aprendeu que se a liderança não está alinhada é impossível alinhar o resto da equipe”, diz Renata. Ela continua:
“Um dos principais erros foi não termos feito um contrato pensando na possibilidade do término. É muito mais fácil acertar os pontos quando está tudo bem do que quando as coisas vão mal”
Para piorar, antes de decidir expandir o horário de atendimento da Padoca, elas fizeram uma reforma, que foi custeada com um empréstimo feito com um familiar de uma delas. Ou seja, mais confusão na hora de ir cada uma para o seu lado.
O BRUNCH RESSURGIU EM OUTRO LUGAR (MAS COM AS MESMAS DELÍCIAS)
Apenas duas semanas após o encerramento das atividades, Kamili, que tocava em paralelo com um outro sócio seu próprio restaurante, o Vaca Ateliê Culinário, passou a oferecer no estabelecimento, aos finais de semana, o antigo brunch da padaria. “Quando rompemos, a equipe da Padoca tinha acabado de ter a carteira assinada. Fiz o que pude para trazer todo mundo para o Vaca”, conta.
Além da equipe, que tem hoje dez pessoas, Kamili levou consigo também praticamente todas as receitas que oferecia na Padoca, como pães artesanais (5 reais, o integral ou o branco), sonhos recheados (6 reais a unidade), carolinas (8 reais a porção com quatro), pães de “queijo” (de mandioquinha, 5 reais a proção com cinco), os famosos calabresitos (um pão recheado de calabresa vegetal, 7 reais a unidade) e o Freak Shake (versão vegana de milk shake nas versões doce de “leite” ou chocolate com calda, chantilly e delícias chocantes NHAM!, 16 reais).
Como era de se esperar, a clientela fiel foi atrás e, segundo ela, o fluxo de pessoas aumenta a cada fim de semana. “Antes, o Vaca tinha um faturamento mensal em torno de 17 mil reais, mas desde que começamos a oferecer o brunch aos finais de semana, esse valor cresceu para cerca de 42 mil reais.”
Como até então o Vaca servia apenas o jantar, Kamili teve que fazer algumas adaptações no espaço e também na produção, que passou a ser praticamente 24 horas no fim de semana (o restaurante serve jantares sextas e sábados, das 19h às 23h30, e o brunch acontece das 9h às 15h, nos sábados e domingos). Kamili conta que o ticket médio do restaurante é de 130 reais e o da padoca, 55 reais. E já há, inclusive, previsões de expansão no atendimento: “Estamos nos preparando para oferecer o brunch todos os dias a partir do próximo mês”.
Outra novidade são os cursos em que Kamili ensina o preparo de alguns dos “queridinhos” do brunch: calebresito, pães branco e integral, sonho, cinnamon roll e carolinas. O curso é dividido em três encontros e custa 480 reais. A primeira turma começou em julho e já tem outra marcada para agosto. Ela fala mais a respeito dessas novas vertentes do negócio:
“A parte boa do rompimento é que agora posso me dedicar a outros projetos, como levar a padaria para mais lugares, capacitando equipes a abrirem espaços similares em diferentes cidades”
Segundo ela, até o final do ano, já estão previstos cursos em Florianópolis, Curitiba e Salvador. Kamili conta também que agora está conseguindo colocar em prática um projeto que não pode executar na antiga sociedade: a campanha “Leve o potinho”. Além de não trabalhar com nenhum produto de origem animal, no Vaca não se usam canudos de plástico nem embalagens de isopor. “A ideia, agora, é incentivar que os clientes levem suas próprias embalagens quando forem comprar algo para levar para casa. De quebra, ganham 5% de desconto. Quem quiser ainda vai poder comprar um potinho especial com uma arte personalizada de um artista para usar nas próximas vezes que voltar.”
No radar, ela tem ainda outro projeto, a Padoca to Go, na qual ela pretende utilizar a garagem da casa onde hoje funciona o restaurante para abrir uma pequena rotisseria, com massas frescas, caldo de legumes, azeite e outros produtos que já produz para o consumo no restaurante. “Estamos em busca de investimento para isso. Mas se não rolar, a previsão é tentar abrir até o final do ano com recursos próprios”, afirma.
EM BREVE, MAIS UM PONTO PARA PROVAR UM CAFÉ DA MANHÃ VEGANO
Do outro lado, Denise e Renata também têm planos de reabrir algo no lugar da antiga Padoca. “A gente viu que o hostel e uma padaria são coisas que se complementam muito bem. Pretendemos reabrir e manter a proposta vegana, pois vimos que tem público”, conta Denise. Como o hostel também é vegano, elas recebem muitos visitantes adeptos dessa filosofia e querem continuar oferecendo um café da manhã que atenda essa necessidade.
Por enquanto, elas estão aceitando apenas pequenas encomendas. A prioridade é resolver assuntos burocráticos envolvendo o encerramento da antiga sociedade. “Nossa cozinha está parada porque os equipamentos são da Padoca antiga e queremos resolver tudo antes de voltar a produzir”, diz Renata.
Elas contam também que estão trabalhando em uma marca nova, que provavelmente se chamará Alice Vegan Bakery (para desvincular o novo empreendimento do nome Padoca Vegan).
Renata afirma que, além de voltarem a ter um segundo negócio dentro do hostel, elas pretendem construir uma espécie de empório, onde os clientes possam também comprar os produtos veganos para levar para casa.
Novos planos de um lado e de outro… No fim, quem sai ganhando são os clientes que, na falta de uma, terão duas opções de lugares onde encontrar delícias veganas no café da manhã.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
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