A história da metamorfose profissional da jornalista paranaense Guta Brandt, 30 anos, e da designer paulista Melany Sue, 36, começou com uma sinopse digna de filme de terror.
Em meados de 2015, uma grande amiga delas estava reformando o apartamento recém-adquirido em Curitiba, quando começou a ser ameaçada pelo empreiteiro responsável pela obra. Tudo porque havia reclamado que a reforma estava sendo malfeita e queria o dinheiro de volta, afinal ele sequer aparecia nos dias combinados.
A resposta do empreiteiro foi a pior possível, conta Guta. “Ele disse que sabia onde ela morava e que tinha a chave da casa dela, se fazendo valer de que ela vivia sozinha e não tinha uma presença masculina ao redor, como a de um pai, marido ou namorado.”
Preocupada com a segurança pessoal, a amiga de Guta e Mel fez um boletim de ocorrência e trocou as fechaduras. Ainda assim, ficou tão assustada com o episódio que desistiu da obra, trancou o apartamento com tudo dentro – até os materiais de construção – e foi morar fora, seu antigo sonho.
“Naquela época, nós almoçávamos juntas todos os dias e ela sempre chorava por conta dos problemas da obra”, diz Guta. “Foi quando falamos, durante um almoço, deveríamos ser empreiteiras, assim os nossos clientes não iriam passar por isso.”
Embora o comentário tenha sido apenas uma brincadeira por parte da Guta e da Mel, aquela possibilidade não saiu da cabeça das duas. Um ano depois, em abril de 2016, a ideia começou a tomar forma.
Cansada da profissão de jornalista, Guta queria mudar e construir um futuro diferente em que tivesse maior autonomia. Melany, por sua vez, sentia que havia chegado a um ponto da carreira em que não cresceria mais, exceto se abrisse um escritório próprio na área de design ou tentasse algo novo e completamente fora de seus padrões… Como abrir uma empresa de reparos e reformas, por exemplo.
Mas elas sabiam que não conseguiriam entrar no mercado de construção civil sem o devido preparo. Era preciso estudar muito e aprender técnicas de azulejaria, hidráulica, elétrica, pintura, instalações em geral e construção drywall, entre outras.
Até a abertura da Mari Donas – Reformas e Reparos com Borogodó, em fevereiro de 2017, elas fizeram diversos cursos na área de construção civil. Como não tinham dinheiro guardado para fazer aquele investimento, tiveram que conciliar os estudos com os antigos trabalhos para continuarem a ter um fluxo de dinheiro nas suas contas correntes.
“O que nos permitiu empreender foi o nosso planejamento inicial”, diz Guta. “Antes mesmo de largarmos os nossos empregos, começamos a investir na nossa formação. Trabalhávamos o dia inteiro e íamos para a aula, que começava às 18h15 e acabava às 23h. Isso todos os dias, durante meses.”
Além de muitas horas dedicadas ao estudo e à formatação da empresa, as amigas investiram cerca de R$ 10 mil em cursos e R$ 5 mil em ferramentas. Foram pagando tudo aos poucos, com ajuda dos salários, até a inauguração oficial da Mari Donas, quando finalmente pediram demissão e começaram a se dedicar exclusivamente ao projeto.
Já no primeiro mês, receberam o suficiente para pagar as contas essenciais. O sucesso, afirmam, tem a ver com o principal diferencial: a segurança. Além de terem uma carteira de clientes bastante feminina, atendem também o público gay e famílias com crianças pequenas.
“Percebemos que nossas clientes se sentem realmente seguras e à vontade com a nossa presença”, diz Guta. “Em um mundo ideal, a empresa não existiria, o fato de sermos mulheres não seria um diferencial. Mas a verdade é que o machismo e o assédio como sua consequência direta são uma realidade para a maioria das mulheres brasileiras.”
Essa segurança proporcionada pela Mari Donas não se trata apenas de integridade física, mas também de contratação de serviço, garantem.
“Nós tentamos mudar os principais conceitos existentes em relação aos prestadores de serviço da nossa área: somos pontuais, entregamos serviço no prazo e bem feito, sem lambanças ou gambiarras”, afirma Guta.
Por estarem inseridas em um mercado predominantemente masculino, elas encararam alguns obstáculos. “Enfrentamos algumas situações já no primeiro curso na área, pois éramos as únicas mulheres e os homens paravam no meio da aula só para nos ver passar.”
Outra situação comum (e que demonstra o sexismo da sociedade) ocorre quando Guta e Mel vão às lojas de materiais de construção. “Os vendedores sempre partem do pressuposto de que, por sermos mulheres, não sabemos do assunto”, diz Guta.
Até mesmo suas clientes reproduzem o machismo estrutural da sociedade, perguntando, por exemplo, se elas precisam da ajuda de algum amigo ou vizinho – do gênero masculino, claro.
“Eu sinto que somos avaliadas o tempo inteiro, o que, para mim, acaba sendo mais um motivo para aperfeiçoarmos cada vez mais nosso trabalho e entregá-lo com qualidade. Às vezes, a pessoa nos recebe com um pé atrás, mas, no decorrer da obra, já está nos chamando para tomar café sentadas na mesa. Isso é gratificante”, diz Melany.
Com a Mari Donas prestes a completar dois anos, as amigas continuam a cuidar pessoalmente de toda a parte administrativa e financeira (além da execução dos serviços).
“Ainda não sobra muito dinheiro, então fazemos malabarismo para manter a empresa ativa e regular e pagar as nossas contas. Não é fácil e é um trabalho diário”, diz Guta.
Atualmente, elas também ministram cursos de pequenos reparos, incentivando, assim, a autonomia feminina. Estudam ainda a possibilidade de contratar outras mulheres para compor uma equipe maior.
“Todos os dias pensamos em formas de fazer a empresa crescer, mas ainda estamos formulando qual o melhor jeito de fazer isso de maneira responsável e que não comprometa nossas contas”, afirma Melany.
Por se tratar de um serviço sazonal, há uma preocupação em segurar os gastos, principalmente nos meses em que a demanda é menor. Jantares fora de casa e viagens, por exemplo, são raros por enquanto.
“Dentro das nossas expectativas, eu acredito que temos sucesso”, diz Guta. “Porque alcançamos nossos objetivos iniciais. E isso não significa dizer que o dinheiro está sobrando e que estamos rica. Muito pelo contrário. Tem gente com emprego fixo muito melhor em termos financeiros do que nós. Mas estamos mais felizes hoje em dia.”
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