Adamá vem da junção de duas palavras que, em hebraico, significam pessoa e terra. Foi a expressão escolhida para definir o coletivo que se uniu para disseminar a construção com terra, principalmente o adobe (tijolos feitos com terra crua, água e palha). O grupo, composto pela gaúcha Carolina Dal Soglio, 28, o israelense Cobi Shalev, 36, o paulista Renato Botelho, 31, a portuguesa Joana Pack, 32, o tocantinense Dennis Margera, 32, e o brasiliense Jerônimo Pereira, 34, curiosamente nunca se encontrou pessoalmente, com todos ao mesmo tempo. Mas, juntos, eles trabalham para desmistificar a ideia de que a bioarquitetura é algo restrito a um universo hippie ou alternativo.
A causa que defendem é nobre: por cerca de 10% a mais do valor normalmente praticado na construção civil, e com um pouco mais de tempo de trabalho, é possível construir casas com baixíssimo impacto ambiental. “São casas que respiram”, conta Carolina. É que, ao contrário dos tijolos comuns, que são queimados — e só com isso já prejudicam o meio ambiente — o adobe tem alta densidade. Isso dá à construção maior capacidade térmica, reduzindo a necessidade tanto do ar-condicionado, no calor, como do aquecimento no frio. A porosidade da terra também faz o vapor d’água ser absorvido e liberado pelas paredes, o que impede o acúmulo de umidade.
Há nove anos no Brasil, o israelense Cobi Shalev sempre trabalhou com construção com terra e é uma espécie de mentor dos demais integrantes do grupo.
Tudo começou em 2016. Embora façam questão de não estabelecer lideranças e se definam como um “coletivo sem estrutura verticalizada”, a Adamá surgiu — e tem se desenvolvido — graças a alguns integrantes e fatores chave, entre eles o escritório de bioarquitetura Baixo Impacto, de Florianópolis, o Instituto de Tecnologia Intuitiva e Bioarquitetura (Tibá) do Rio de Janeiro, e o israelense Cobi, que migrou para o Brasil há dez anos.
Renato Botelho ergue, “à mão”, um muro com técnicas de bioconstrução da Adamá.
Após viajar pela América Latina, Cobi se estabeleceu em Olhos D’Água, em Goiás, a cerca de 130 quilômetros de Brasília. Ele, que em seu país natal trabalhava com construções com adobe, fez uma casa com o método e percebeu que havia uma demanda para o serviço na cidade. Resolveu então tentar monetizar em cima da sua capacidade técnica de bioconstrução.
Em 2016, foi convidado para dar um curso no Tibá e ensinar as técnicas. Lá, conheceu Carolina, uma arquiteta formada pela Universidade Federal de Santa Catarina que tinha interesse em sustentabilidade e havia feito um estágio no escritório Baixo Impacto.
Depois do encontro, Carolina foi a Goiás para conhecer o trabalho de Cobi de perto. Três meses depois, decidiram unir forças e criar um coletivo que concentrasse arquitetos, construtores e entusiastas da causa.
Os outros integrantes da Adamá fizeram caminhos parecidos que os levaram a Cobi e Carolina — Joana também foi estagiária de arquitetura no Baixo Impacto, Renato fez um curso no Tibá, e Dennis e Jerônimo ajudaram em uma das construções de Cobi e resolveram participar do coletivo. No mesmo ano, colocaram no ar um site para oferecer os serviços.
UM POR TODOS E TODOS POR UM? OS DESAFIOS DE SER UM COLETIVO
Embora seja interessante, a ideia por trás de um coletivo dificulta um pouco o desenvolvimento do negócio. Isso porque embora trabalhem com uma causa comum, cada um tem prioridades diferentes — Carolina, por exemplo, está finalizando um mestrado; Joana voltou para Portugal e tenta se estabelecer como um “braço” da Adamá por lá; Renato trabalha como designer para se sustentar. Em conjunto, só trabalharam de fato em dois projetos.
Acima, os diferentes sistemas construtivos com os quais a Adamá pode trabalhar.
Mas a rede funciona. Mesmo que nem sempre todos juntos, contam com o apoio uns dos outros. No ano passado, a Adamá fez quatro projetos de bioarquitetura (que custam de 16 mil reais até 800 mil reais, dependendo do tamanho e do padrão desejado) e efetivamente construiu três casas (uma quarta está em processo de finalização). Todo ano, organizam cursos sobre bioconstrução em diversos locais, com valores que variam de 200 reais por um dia a 1000 reais por quatro dias — todos ajudam a elaborar o conteúdo, Renato fica responsável pelo material gráfico e um ou dois integrantes se responsabilizam por ministrar os cursos . Em 2018, ao todo 170 alunos foram atendidos nestes cursos, que ocorreram em Portugal, Laguna (SC) e no Tocantins. Além disso, Cobi é instrutor em cursos organizados pelo Tibá e, no ano passado, deu aulas a cerca de 150 pessoas no instituto.
A rede Adamá trabalha conforme a demanda: às vezes recebem um pedido de projeto, noutras a busca é por mão de obra.
Casa de adobe construída por integrantes do Adamá.
De todos os integrantes, que mais sonha grande, talvez por tirar disso o próprio sustento, é Cobi. “Eu gostaria de crescer, tornar a Adamá uma presença no mercado tradicional e a construção em adobe algo mais mainstream”, explica. Seu projeto mais recente é uma casa de alto padrão em São José dos Campos, com 200 metros quadrados.
Para os outros membros, olhar para a demanda do nicho de classes mais altas é um dos passos para espalhar a ideia. Renato fala a respeito:
“A bioconstrução ainda é vista com preconceito, como coisa de hippie, mas ela pode ter o refinamento da alvenaria tradicional com custo quase zero de material”
Os maiores desafios estão na fabricação do tijolo em si. Como a terra varia de local para local, sem padronização do material necessário, o estudo envolvido para fazer cada adobe é personalizado.
A arquiteta Carolina dal Soglio aprendeu mais sobre bioarquitetura depois de conhecer Cobi e, hoje, integra o Adamá.
O tempo de produção dos tijolos também é muito maior: eles estimam que cada pessoa consiga fazer 250 por dia. Consequentemente, o processo de construção de cada casa é mais demorado. “Isso é um problema no mundo em que tudo precisa ser para ontem”, diz Joana.
Mas o grupo defende que o resultado final compensa. O gasto com a mão de obra se equilibra com a economia no material, que é praticamente gratuito, encontrado em qualquer lugar. O risco de problemas com mofo também cai drasticamente, visto que a terra não deixa a umidade parada.
Não à toa, eles contam que países como Estados Unidos e Alemanha têm olarias de adobe. E, por lá, o material é considerado de alto padrão justamente pelas qualidades mencionadas. “É uma moda que está crescendo, essa busca por um ambiente mais saudável”, afirma Carolina.
Por todos esses motivos, talvez a estruturação em formato de coletivo faça sentido, ao menos por enquanto: seria no mínimo contraditório avançar com tudo para cima de um negócio cuja essência está justamente na paciência.
Assim, ajudam não só a popularizar o modelo de construção, mas fortalecem uma rede pronta para atender à demanda quando — e se — a moda pegar. Por enquanto, seguem construindo o que gostariam de ver nesse novo mundo.
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