Foi uma visita ao Beco do Batman, local conhecido por seus muros grafitados, na Vila Madalena, em São Paulo, que levou Paula Luchiari, 36, a fazer a sua primeira miniatura: a representação dos paredões coloridos colocados dentro de uma caixinha para presentear o amigo e companheiro de passeio.
Quase dois anos depois, as miniaturas feitas a partir de materiais descartados se tornaram o ofício de Paula, que transforma suas ideias em arte e ajuda a dar forma a lembranças e histórias de outras pessoas. Mas antes que a nova profissão se tornasse realidade, Paula passou por momentos difíceis. Primeiro, o fim de um casamento de 12 anos. Depois, uma crise profissional:
“Tinha mudado três vezes de emprego em 2017, estava divorciada e me vi em uma situação em que não sabia realmente quem eu era”
Ela acreditava que tinha perdido tudo o que construíra até então: casamento, família e carreira. Era hora de dar uma pausa. E Paula parou. Como sentia que não se adaptava ao trabalho na área da indústria têxtil, na qual vinha trabalhando, não tentou novas vagas. Em decorrência da separação, ela passou a revezar a guarda de seus dois filhos com o ex-marido e ganhou mais tempo para refletir sobre o novo momento de vida. “Depois que tive filhos, foi a primeira vez que consegui ficar sozinha para pensar, dormir e me conectar comigo mesma”, conta.
DA INSATISFAÇÃO À DESCOBERTA DE UM NOVO OFÍCIO
O tempo sozinha foi fundamental para ela redescobrir gostos como desenhar — prática adormecida desde quando cursou Moda na Universidade Estadual de Londrina (UEL). A graduação foi interrompida no terceiro ano, quando ela engravidou de seu primeiro filho e precisou mudar de planos: trancou o curso e voltou para a casa dos pais em Americana, cidade a 126 quilômetros da capital paulista, onde nasceu e reside hoje.
Paula casou, teve seu primeiro bebê e resolveu voltar a estudar. Desta vez, escolheu Tecnologia Têxtil, um curso técnico que ela acreditou ser uma opção para quem quer trabalhar em uma cidade conhecida por ser um polo de confecções.
Foi exatamente o que aconteceu: ela atuou durante quase dez anos na área, sendo oito deles em uma única empresa. Ainda que tenha se envolvido inicialmente com desenvolvimento de produtos, sua carreira foi trilhada nos departamentos comerciais, inclusive quando se arriscou a trabalhar na indústria de alimentos no último ano de vai e vem de empregos.
No entanto, desde o começo de sua trajetória, Paula conta que não conseguia se adequar às empresas e ao ambiente de trabalho, que foi vítima de machismo e também testemunhou muitos casos com colegas. “Isso foi se perpetuando em todos os anos da minha vida.” Ela lembra:
“No meu último trabalho, ouvi o dono da empresa dizer que a vendedora era tão boa, tão boa, que era quase um homem”
Para piorar a sensação de insatisfação e de questionamentos do tipo “o que estou fazendo aqui?”, os projetos que Paula planejava não emplacavam. Dona de um olhar voltado à sustentabilidade e ao meio ambiente, uma vez ela sugeriu à empresa que passassem a atuar com seda e algodão orgânicos. Em outra, ela queria usar retalhos de tecidos que seriam descartados em projetos com as cooperativas da cidade. “Nada frutificava, não tinha uma ideia que tivesse resultado.”
NADA SE PERDE, TUDO VIRA ARTE!
É possível dizer que os frutos viriam depois, em seu novo ofício. Das aulas de Moda, por exemplo, Paula trouxe técnicas de ilustração, referências de representação e a habilidade de usar materiais como croquis e tecidos. Da área têxtil, as ranhuras e as cores empregadas nas miniaturas.
Voltamos à “pausa” no trabalho. Foi neste momento em que ela criou a primeira miniatura de casinha abandonada, cuja inspiração não sabe ao certo de onde veio, mas acredita coincidir com o momento de reflexão pelo qual estava passando. As casinhas abandonadas viraram sua paixão. Motivo para dedicação de tempo e concentração para dar vida a cada uma delas.
A primeira foi feita com papel canson, aquele mais rígido, a última folha de um bloco de notas. O uso de materiais recicláveis e coisas velhas achadas em sua casa é uma característica do trabalho de Paula.
Ela sempre está em busca de um bom papel descartado: a parte lisa da caixa de pasta de dente, o rolo que dá suporte ao papel higiênico, caixas de panetone, superfícies lisas e do tipo “kraft”, entre outros.
Bom para ela é um suporte com aderência às canetas e tintas. É aquilo que para a maioria das pessoas tem o destino certo da lata do lixo. Cerca de 80% do material usado no trabalho é reaproveitado. A depender do tipo de peça, ela ainda compra algum tipo de papel, mas não é sua prioridade.
Para reproduzir suas miniaturas, ela já recorreu até a cartões de visita antigos, o que em sua opinião foi uma experiência libertadora. Os contatos em questão serviriam para receber os currículos de Paula, que ainda tinha dúvidas sobre seu destino profissional. “Não sabia para onde queria ir, mas tinha certeza que não queria voltar para o lugar de onde tinha saído”, conta. E prossegue: “Fiz vários jardins com cartões de visita que deveria ter mandado meu currículo e vendi todos na primeira feira”.
A primeira exposição de seu trabalho ocorreu em março de 2018. À época, a artista já tinha produzido uma boa quantidade de miniaturas. O problema é que ela ainda não se arriscava a vender e a enxergar a nova profissão, como conta:
“Meu maior erro foi a dificuldade em assumir que eu ia fazer miniaturas profissionalmente. Se eu tivesse assumido antes, talvez tivesse colhido mais frutos no último ano”
Um dos acertos, na opinião de Paula, foi se cercar de pessoas (familiares, amigos e o próprio público) que a apoiavam diante das dificuldades e desafios em torno de sua nova descoberta. Assim, a nova carreira começava a fluir com facilidade. “Às vezes o caminho fácil é o mais certo. Realmente tenho facilidade em desenvolver esses trabalhos e eu tinha uma dificuldade enorme em fazer uma planilha de Excel, eu sofria, fazia errado”, fala ao comparar sua rotina atual com a anterior.
Mesmo assim, não foi fácil. A começar pelo pouco tempo que ela conseguia dedicar à produção. Em 2018, seu ex-marido foi estudar fora do Brasil, o que exigiu mais tempo e atenção de Paula aos filhos. Não raro, a filha mais nova, 4, assiste à mãe desenhar e construir suas miniaturas. Paula também costuma trabalhar madrugada adentro para se concentrar em alguma entrega.
COMO ATENDER AOS PEDIDOS MINUCIOSOS E DAR ASAS À IMAGINAÇÃO
A participação em feiras é uma das formas de vender suas peças, mas não a única. Paula aceita encomendas pelo Instagram e também é recomendada por clientes antigos. As peças, inclusive as casinhas, custam em média 200 reais. Em 2018, foram 180 miniaturas vendidas.
A parceria com a Universidade do Papel, realizadora de uma das feiras que ela participa, resultou em um convite para a artista ensinar sua técnica. Ela topou e gostou da experiência. Além disso, as aulas ajudaram a incrementar sua receita no ano de 2018, que variou bastante: existiram meses em que não vendeu nada, mas a média de faturamento foi de 2.500 reais mensais, de outubro a dezembro.
Mais da metade, 60% da fonte de receita de Paula são as vendas em feiras, onde ela expõe produtos prontos, frutos de sua imaginação como casinhas e borboletas. Os outros 40% são as encomendas. Estas são mais trabalhosas, pois dependem de detalhes do pedido do cliente, do entendimento de Paula e de sua inspiração para usar os recursos certos e ser fiel ao dar forma à representação.
É neste momento em que a artista coloca em prática sua escuta, o envolvimento com as pessoas e suas histórias, o que na época de trabalho em empresas não era possível:
“Sair do ambiente corporativo foi libertador. Hoje me conecto muito com o público. Se a pessoa faz uma encomenda, me interesso e me conecto com sua história”
Nem tudo é perfeito. Paula conta que já calculou o tempo errado da confecção de alguns produtos e levou quatro vezes mais do que imaginava para entregá-los, por exemplo. Isso acontece porque as informações para a produção chegam das mais diferentes formas. Desde fotos dos objetos e de locais que serão retratados até a tese de mestrado sobre o assunto. Sim, isso mesmo! Certa vez, Paula recebeu uma encomenda de uma miniatura de baú com brinquedos que uma estudante daria para sua orientadora de mestrado. O objeto envolvia o assunto da tese, que tratava sobre psicologia infantil. A estudante acabou enviando o documento para Paula!
Os pedidos seguem a toada da primeira miniatura que a artista fez para seu amigo: são presentes carregados de símbolos, histórias e recordações. Em uma delas, uma pessoa pediu para Paula retratar um quarto da habitação estudantil da Unicamp. Duas amigas tinham vivido naquele cômodo e uma delas queria trazer à tona a lembrança, em forma de miniatura. Paula entendeu a demanda e atendeu a mais um pedido, transformando, com toda delicadeza, memórias em miniaturas.
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