Artur Grynbaum, CEO do Grupo Boticário, corporação sediada em Curitiba que detém marcas como O Boticário, Eudora e Quem Disse, Berenice?, está prestes a completar 50 anos.
Administrador, economista, torcedor do Coritiba, Artur também está a dias de ser pai pela segunda vez. (Eu apostaria um frasco de Zaad Eau de Parfum como a paternidade tem sido a inovação disruptiva mais importante na vida de Artur.)
Artur tinha 16 anos quando viu o Coxa ser campeão brasileiro, em 1985. Era o prenúncio de coisas boas. Naquele mesmo ano, O Boticário lançaria Styletto, o perfume que marcou a geração de Artur (a mesma minha) tanto quanto o álbum Dois, da Legião Urbana, uma calça Wrangler ou uma camiseta da Op.
Já no ano seguinte, Artur ingressaria no Boticário, ainda menor de idade, como auxiliar financeiro. Ali faria carreira, até se tornar CEO, duas décadas depois, em 2006. (Desde 2002, no entanto, a organização já se reportava a ele, na posição de VP Executivo.)
Conversei com Artur numa ensolarada tarde de fevereiro, no escritório da empresa em São Paulo, de onde se tem uma linda vista da Vila Olímpia.
Que perfume você está usando hoje?
Malbec Gold.
Esse é o seu preferido ou você varia?
Vario. Para mim, perfume é um acessório do dia a dia. Escolho de acordo com quem vou falar, com a roupa que vou usar. Perfume é um negócio que você harmoniza com seu look e com o seu humor. Raramente você vai me ver usando o mesmo perfume dois dias seguidos.
Você chega a se envolver nesse nível da escolha da fragrância, do desenvolvimento de produto?
Muito. Mas já tive uma participação muito maior. Hoje participo dos grandes lançamentos. Por exemplo, num blockbuster como o Malbec eu faço a aprovação de todos os produtos finais que vão para o consumidor.
E você diria que Artur Grynbaum tem um bom nariz?
É, sobretudo, um trabalho de equipe. Temos um time supercompetente. Diria que tenho um nariz mais comercial, enquanto o Miguel (Krigsner, que fundou o Boticário em 1977) tem um baita nariz técnico.
Como ser ágil em uma empresa de 13 bilhões de reais?
Mais difícil é manter a agilidade com 11 mil colaboradores. Se eu somar a nossa rede de franqueados, ponha mais 25 mil pessoas nessa conta. Como fazer para que todos andemos rápido, mas de forma alinhada? Velocidade sem resultado não te leva a lugar algum. Meu desafio tem sido seguir crescendo sem perder a agilidade. Não sei se eu sou o mais rápido do mercado, mas considerando nosso tamanho considero que temos um processo decisório e um tempo de implementação bem ágil. Procuro me pautar sempre pela velocidade de mercado. Tenho que estar no passo do consumidor, dos nossos parceiros de negócios.
Se você não fosse o CEO, e pudesse cuidar só de uma parte do negócio, aquela que mais lhe encanta pessoalmente, qual seria ela?
O varejo. O contato com o cliente lá na ponta. Me dedicaria a atender, entender, dialogar com o consumidor. Sou um vendedor. Hoje eu vendo a história do Boticário, a nossa forma de gerir, o nosso jeito de ser. Eu continuaria fazendo isso, mas vendendo diretamente nossos produtos no balcão.
Para uma empresa bem sucedida como o Boticário, não é mais simples crescer naquilo que a organização já sabe fazer ao invés de correr muito mais riscos em territórios que ela ainda não domina?
Para construir o futuro, tenho que continuar fazendo bem o que eu faço, mas tenho que agregar coisas novas. É preciso caminhar em terrenos desconhecidos. Se eu não correr nenhum risco, não vou conseguir mobilizar toda uma organização para sair do lugar. No varejo, a gente tem uma tradição muito forte como franquia. Somos a maior franquia do Brasil e somos os maiores franqueadores do setor de perfumaria e cosmética do mundo. Mas, para sermos cada vez mais relevantes para o consumidor, tenho que estar em todos os canais. Isso significa criar diferentes formas de acesso do consumidor aos nossos produtos. Isso exige que a gente se lance em campos que não conhecíamos.
Se você não toma a decisão de pisar em areia que não é tão firme com a organização, não pode esperar que seu colaborador vá tomar essa iniciativa e fazer isso por você
Você tem alguma fórmula para regular quanto do negócio tem que advir de novos territórios?
A gente tem como meta que 40% das nossas receitas venham de produtos lançados nos últimos 24 meses. Hoje, 20% das receitas do grupo vêm dos novos canais de distribuição dos nossos produtos. Começamos a nos provocar para explorar novos territórios em 2008. E a execução dessa expansão começou em 2011.
Você é apresentado todo dia a muitas oportunidades de negócio. Qual é o seu processo de decisão para topar ou recusar um projeto?
O primeiro filtro que faço é se o investimento proposto é relacionado ao Grupo, ou se é relacionado às famílias. Negócios que não têm a ver com o Grupo vão para o Family Office. Para as oportunidades que se relacionam com o Grupo, o primeiro corte é se elas conversam com a nossa estratégia. O setor de Beleza é muito gostoso de trabalhar porque envolve autoestima, você mexe com a alegria das pessoas, então atrai muitas boas ideias. E tudo parece atraente. Aí você precisa ter disciplina para filtrar. A ferramenta que nos ajuda nesse processo, para não perdermos o tempo das pessoas nem o nosso, é o nosso plano estratégico, em que projetamos o Grupo para os próximos cinco anos.
Você tem alguma metodologia para triar essas ideias? Tem um time que avalia as propostas antes de passar pra você?
Quando são projetos internos, o caminho são os próprios gestores. Quando as oportunidades vêm de fora, geralmente as pessoas me acessam diretamente, ou então procuram alguém do nosso time. E sempre pedir à área especialista que faça o primeiro filtro. Aí a gente decide se segue na conversa ou não.
Como você organiza seus investimento em Inovação?
A gente desenvolve por ano, em nossa área de P&D, em média, entre 2 mil e 2 400 produtos novos. Se eu não investir em P&D, o negócio naufraga. Eu tenho que oferecer permanentemente novas opções e versões para os meus consumidores. Investimos entre 2,5 e 3% do nosso faturamento em P&D.
É melhor inovar dentro de casa, tirar uma ideia do chão, ou adquirir no mercado uma empresa inovadora que já esteja desenvolvendo aquela ideia?
As duas estratégias são quase obrigatórias. Inovar dentro de casa faz bem, estimula o nosso time. Obviamente que, ao fazer dentro de casa, você tende a ficar dentro do perímetro em que atua. Você não chuta a bola tão lá para o outro lado. Quando vai fazer a aquisição de uma outra empresa, você talvez vá explorar campos mais distante do seu raio de ação. A gente compra e deixa a empresa funcionando separado. Ao mesmo tempo, queremos que o novo entrante traga não só o resultado, mas influencie o pensamento dentro de casa.
Se eu trouxer a startup e a deixar isolada, não vou trazer essa cultura para dentro. No entanto, se eu a trouxer muito para dentro, a cultura da corporação acaba engolindo o recém-chegado. Então eu integro a nova empresa, mas a deixo na borda, e não no centro, do meu círculo, para permitir que ela nos contamine criativamente, e não seja atropelada por nós. Há algumas adaptações, especialmente em relação aos compliances de uma grande empresa, de que não posso abrir mão.
Apesar da adaptação obrigatória, é preciso permitir que aquela startup não perca seu espírito de startup ao ser incorporada
Você pode citar um caso de sucesso, de uma marca que você jogou para dentro?
A gente comprou a Vult, recentemente, uma marca de maquiagem que existia desde 2004, de dois empreendedores que construíram um bom negócio. A gente achou que era interessante fazer a aquisição para o portfólio. A Vult conversava com um consumidor com o qual a gente não tinha tanto contato e tinha um bom acesso a lojas multimarcas. De outro lado, nosso planejamento de produção e nossas estratégias de lançamento de produtos eram mais efetivos do que os deles. Tivemos sucesso porque preservamos características essenciais do negócio original, e oferecemos a plataforma que a marca precisava para crescer.
Como você equilibra, como gestor, a necessidade de soltar o time para empreender e, ao mesmo tempo, a necessidade de controlar os movimentos de expansão da empresa e das marcas?
Essa é a arte da história. Tem pessoas que escolhem um estilo específico: “sou centralizador, quero que todo dia no final do dia você venha aqui me contar o que você fez”. E outro fala: “não, faz lá e depois a gente conversa”. Eu gosto de misturar um pouco das duas coisas, mas com muito mais ênfase na liberdade para realizar. Eu fui criado com essa liberdade. Ninguém pegava na minha mão e dizia que eu tinha que fazer isso ou aquilo. Era: “tem isso aqui, vê o que você consegue fazer”. E eu gosto muito disso. A confiança que você deposita nos profissionais é o que gera as entregas. Eu dou espaço e cobro o atingimento da estratégia que a gente combinou.
Não me iludo com resultados de curto prazo. É preciso ser sustentável e estar alinhado com a estratégia. Não estou interessado em voos de galinha. A questão não é ir bem esse ano, mas como podemos ir sempre um pouco melhor ano após ano
Qual é o espaço que há no Boticário para o intraempreendedor, para o inovador corporativo, o cara que está ali para hackear o sistema por dentro?
Em muitas corporações, havia esse pensamento: “Estou garantido pelos próximos 20 anos, não preciso fazer nada”. E não havia espaço para o questionamento das verdades estabelecidas. Ao lado disso, havia a ideia de que para empreender o sujeito tinha que deixar o emprego e abrir um negócio próprio. Acredito que as pessoas podem empreender aqui no Grupo. Falo muito disso: há diversas atividades que a gente faz todos os dias e que poderíamos fazer de uma forma melhor, menos custosa. A gente tem uma hashtag #somostodosempreendedores que tenta sublinhar que cada um tem oportunidade de contribuir na melhoria daquilo que faz. Obviamente, tem a questão dos perfis das pessoas.
É preciso modelar o espírito empreendedor contido em cada colaborador dentro da função que ele executa. O princípio correto de administrar gente é ter as pessoas certas nos lugares certos. Se você tem um perfil mais inquieto, deve trabalhar nas áreas mais dinâmicas da empresa, e assim por diante. E é importante não fixar estereótipos. O mundo não se resume a uma oposição entre caçadores e agricultores. Você precisa de proteína e precisa de vegetais para sobreviver.
Quem vem de startup não é melhor nem pior do que a turma que já está na corporação há muitos anos. O nosso campo está aberto para todo mundo realizar
De 0 a 10, que nota você daria para O Boticário como ambiente de trabalho para os intraempreendedores?
Diria que estamos por volta de 7,5 ou 8. Estamos sempre pensando em como flexibilizar nosso modelo, sem romper regras fundamentais, para que as pessoas possam trazer com mais eficiência as suas contribuições.
Me fala um pouco do BotiLabs, a aceleradora corporativa do Boticário.
Uma das coisas bacanas de trabalhar no Grupo é que a gente fez as coisas porque acredita nelas. Muito antes de procurar um rótulo que depois possa ser “marqueteado”. O BotiLabs é um desses projetos. A gente criou o BotiLabs porque temos uma plataforma com várias marcas trabalhando em vários canais. Então, dá para fazer muita coisa em cima disso. A gente começou pegando empresas que já trabalhavam conosco e dizendo: “Vem aqui para dentro, vem aprender e contribuir mais de perto”. Aí o segundo passo é atrair gente que achou um modelo novo de fazer, que aporte melhorias aos nossos processos. Esse tipo de parceiro me interessa muito. Quero esse cara comigo. E temos contratos para oferecer a eles, como contrapartida pelas inovações que eles apresentarem.
E depois tem o terceiro passo, que a gente não chegou a fazer ainda, mas que estamos abertos a realizar, que é comprar equity de algumas dessas empresas. Estamos estruturando o nosso corporate venture. Mas desde já o grande aporte que eu oferecemos a essas empresas é elas terem uma plataforma enorme para escalar suas soluções. O BotiLabs representa um novo horizonte para o Grupo, no qual acredito muito.
Por que o Brasil tem tão poucas marcas globais?
O Brasil é um país continental, com mais de 200 milhões de habitantes. Então ele é em si um enorme mercado a ser conquistado pelas empresas. Esse é um pedaço da equação. O outro é que o Brasil não conseguiu produzir um branding bacana para competir globalmente. Uma coisa que ao longo da vida sempre me deu muito desgosto é perceber a imagem fraca que o Brasil tem internacionalmente. A primeira pergunta que se faz a uma marca que deseja se internacionalizar é: de onde você vem? Que atributo você carrega ao vir desse lugar? No meu setor, se eu falar para você de um perfume francês, você não vai ter dúvida da qualidade. Pode ser uma porcaria, como existem vários, mas você vai comprar. Os atributos do Brasil ainda estão muito ligados ao estilo de vida e às commodities. Então a gente sempre começa uma curva atrás do outros. Precisamos de um trabalho de construção da marca Brasil.
O Boticário já é uma empresa de 4 bilhões de dólares. Qual é o real apetite da marca para se tornar um player global?
A gente foi uma das primeiras marcas brasileiras que cruzou as fronteiras. Estamos em Portugal desde 1986. Temos uma história longa lá, com mais de 50 lojas instaladas no país. (No Brasil, são 4 mil pontos de venda.) Hoje estamos presentes em 15 países com plataformas proprietárias nossas. Acabamos de abrir duas lojas em Dubai. Nosso modelo, que é de montar uma rede, em vez de simplesmente distribuir nos supermercados ou nas farmácias locais, por exemplo, também demanda um pouco mais de esforço e de tempo.
Muito se fala que as marcas têm que ter uma causa. E que ela tem que ser verdadeira, e não apenas um slogan. Qual é a causa do Boticário?
No Grupo, nosso propósito é criar oportunidades para, através da beleza, transformar a vida de cada um e, assim, o mundo ao seu redor. A gente acredita muito nisso. É o que fazemos desde o laboratório, passando por nossa relação com parceiros de negócios, fornecedores, colaboradores. Na marca-mãe, O Boticário, acreditamos que a beleza destrava momentos muito bons na vida das pessoas. Procuramos fomentar a quantidade e a qualidade desses momentos na vida de nossos consumidores.
A pauta da Sustentabilidade se instalou em todos os segmentos como um dever corporativo. Em especial, na indústria cosmética. Como está essa agenda dentro do Boticário?
Essa, para nós, é uma bandeira histórica. Fomos uma das primeiras marcas a se preocupar com a questão ambiental. E em como trabalhar o conceito de Sustentabilidade dentro da organização. Criamos uma fundação de proteção à natureza em 1990. Já era um tema importante para nós, 30 anos atrás. Tínhamos uma boa ideia, algum recurso e muita vontade de fazer. Hoje temos uma das fundações privadas mais respeitadas no Brasil e no mundo em conservação ambiental.
Sustentabilidade para nós é um valor. Faz parte do nosso jeito de gerir a organização. Desenhamos produtos com um ciclo de vida melhor, que utilizem menos materiais. Lojas que consumam menos energia, usando madeiras certificadas. A gente busca fazer com que cada colaborador nosso e cada parceiro de negócios entenda e pratique isso dentro da sua cadeia de produção. A gente tem esse olhar desde a obtenção das matérias-primas. Investimos na capacitamos de nossos fornecedores. Aproximadamente 70% dos produtos hoje têm atributos de Sustentabilidade. E levamos muito a sério a questão dos resíduos sólidos. Hoje temos o maior programa de logística reversa do Brasil.
Quais são as características que um executivo precisa ter para trabalhar com você?
Tem que ter foco no cliente. Visão de negócio. Liderar pelo exemplo. Saber ouvir. E não se colocar acima dos outros.
E quais são as características indesculpáveis num executivo?
Arrogância e deslumbramento.
Quais são dois pecados muito fáceis de acometer quem trabalha numa empresa tão poderosa e com uma marca tão charmosa quanto O Boticário…
E aí que a gente precisa lembrar que temos que deslumbrar os consumidores — e não a nós mesmos.
É muito fácil se perder, porque se está em um ambiente glamoroso, com gente bonita, cheio de luzes. É preciso ter inteligência emocional. E muita consistência em relação aos valores que pregamos e praticamos
De tudo o que você fez à frente do Boticário, do que você mais se orgulha?
Tenho orgulho de ter conduzido, ali por 1995, o redesenho em que a gente mudou a organização inteira. A missão era reconstruir em cima do sucesso. Ali a gente redefiniu o que era o nosso negócio. A gente era um laboratório que tinha virado uma fábrica — então a gente tinha mentalidade de fábrica. Eu olhava e dizia: “Temos uma marca e um canal de distribuição”. Acho que essa foi uma contribuição importante. Outro ponto que me agrada é ver hoje nossos colaboradores como pessoas empreendedoras e apaixonadas pelo que fazem. Temos um alinhamento de visão muito grande com os nossos franqueados também. Isso não é uma coisa fácil de realizar. E a gente conseguiu.
E o qual foi o seu maior erro até aqui?
Eu teria sido mais assertivo com as pessoas em relação a alguns movimentos que realizamos. Protelei algumas decisões, em alguns relacionamentos. Se eu tivesse me posicionado com mais ênfase, poderia ter economizado meu tempo, e o tempo e a paciência da outra pessoa também. Às vezes o maior desgaste emocional vem de tentar evitar o desgaste emocional.
Onde você quer estar daqui a cinco anos?
Espero estar visitando um monte de clientes novos que a gente tenha conseguido.
E, por fim, o mais importante: o Coxa sobe esse ano?
(Risos.) Acho que não. Infelizmente. Do jeito como as coisas têm sido feitas, vamos passar mais uns dois ou três anos na Segundona…
Bem, e quando é que você assume o Coritiba?
(Risos.) Estou 100% devotado ao Boticário.
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