A Agência Mural quer ser a voz da periferia na mídia, abrindo espaço para falar sobre o que acontece nas bordas da cidade por um viés que fuja da violência e do assistencialismo. Em um momento delicado do setor de comunicação, com demissões em massa e veículos sendo fechados, a agência é, também, uma oportunidade para jovens comunicadores.
A história da Agência Mural começa em 2010, quando o jornalista Bruno Garcez, na época trabalhando na BBC de Londres, veio ao Brasil dar uma formação em jornalismo hiperlocal. Anderson Meneses, 28, que hoje é codiretor da Agência, participou da terceira turma de formação e conta como foi: “Fazíamos um exercício semanal de olhar crítico sobre como o nosso bairro estava sendo retratado na grande imprensa. Identificamos os estereótipos de sempre: violência e assistencialismo. Mas não era só isso que a gente vivia. Então, começamos a ver como poderíamos produzir um conteúdo melhor sobre os nossos bairros”.
Os alunos acabaram criando um blog para contar as histórias que descobriram durante o curso. “Acabou o trabalho do Bruno e a gente ficou com vontade de fazer alguma coisa para cobrir essa lacuna de informação sobre as periferias”, lembra Anderson. Com a ajuda da jornalista Izabela Moi, que trabalhava no jornal Folha de S.Paulo na época e hoje é codiretora da Agência, eles conseguiram uma parceria para alocar dentro do site da Folha o Blog Mural. E os próprios jovens daquela formação se organizaram para produzir o conteúdo. O blog foi lançado no dia 24 de novembro de 2010. Anderson conta:
“Ficamos dois anos produzindo conteúdo de maneira totalmente voluntária. Só depois é que negociamos e a Folha começou a nos pagar”
Hoje, a Agência Mural atua em diversas frentes e continua com a missão de dar “voz e visibilidade” às periferias de São Paulo. Além do site com conteúdo próprio, lançado em 2018, a Agência mantém o Blog Mural, dentro do site da Folha de S. Paulo; produz uma coluna semanal com dicas da periferia publicada no Guia da Folha; é a produtora de conteúdo do site 32XSP, em parceria com a rede Nossa São Paulo; produz conteúdo (sempre com o olhar da periferia) customizado para empresas e veículos de comunicação; realiza os projetos Mural nas Escolas (formação para estudantes de escolas públicas) e Expo Mural (exposição itinerante nas periferias); desenvolve produtos de comunicação como o Guia de Empregos das Periferias e a reportagem em quadrinhos Minas da Várzea. Com esses serviços, em 2018, o faturamento foi de 758 mil reais.
COMO TRANSFORMAR, DE FORMA COLETIVA, UM BLOG EM AGÊNCIA
A visão de que era preciso sair do modus operandi de blog e chegar a um modelo de negócios financeiramente viável aconteceu de forma orgânica e compartilhada, a partir da necessidade dos próprios jornalistas. Anderson conta: “Percebemos que estávamos fazendo um trabalho consistente há um bom tempo. E se estávamos fazendo de graça, já era hora de pensar em como nos sustentar com isso”. Naquele momento, apenas quem produzia conteúdo para o Blog Mural era remunerado. Toda a estrutura formada para viabilizar o projeto trabalhava de forma voluntária.
A agência surge em 2015 como um guarda-chuva para abrigar todos os projetos desenvolvidos e como um posicionamento de mercado. Em 2018, com um financiamento de 100 mil dólares da Fundação Open Society, eles conseguiram formalizar essa estrutura e contratar 13 funcionários para se dedicar full time ao trabalho da Agência. Anderson fala sobre esse momento: “As pessoas sempre perguntam de quem é a Agência Mural. Eu e a Izabela colocamos nossos CPFs no estatuto. Mas a Agência Mural é desse coletivo, não tem um dono”. A gestão é feita de forma compartilhada. Anderson e Izabela são os diretores, mas existe um grupo de trabalho formado por 18 pessoas que discute periodicamente os rumos do negócio.
DE VOLUNTÁRIOS A CONTRATADOS, UM CAMINHO NEM SEMPRE ÓBVIO
Além de organizar, estruturar e viabilizar financeiramente os projetos, a Agência Mural trouxe mais oportunidade para os correspondentes que já estavam engajados no trabalho, mesmo ganhando pouco ou nada. Em um mercado que vive um momento difícil, com demissões e o desmanche de veículos e editoras, a Agência surge como oportunidade. Os jornalistas contratados para se dedicar em tempo integral ao negócio já estavam envolvidos com o trabalho do Mural e dizem que se sentem honrados e realizados em poder se dedicar integralmente a uma empresa cuja reputação ajudaram a criar.
Anderson, por exemplo, está no Mural desde o começo. Formado em publicidade, conquistou uma vaga no site Catraca Livre por causa do trabalho que fazia no Blog Mural. Ficou lá por 8 anos e saiu em 2018, quando a agência se tornou um negócio viável. “Estar no Mural me colocou dentro do Catraca Livre, onde pude fazer minha carreira na área de mídias sociais e produção de vídeo”, diz.
Paulo Talarico, 28, editor-chefe de jornalismo, conta que conquistou emprego na imprensa regional de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, por causa do Blog Mural. “Comecei a cobrir política na região depois de um post que publiquei no blog. Desde então fiquei no blog e na cobertura politica e de esporte de Osasco e Barueri. Apesar de não ter dinheiro naquela época, o Mural nos dava oportunidade”. Neste ano, ele foi contratado pela agência.
Vagner de Alencar, 31, é o editor do site 32XSP e diz que o Mural é 80% do ele se tornou. Ele é de Paraisópolis, fez o curso com o Bruno Garcez e conta que isso o fez entender o que queria. Hoje, faz um doutorado em Educação, escreveu um livro sobre Paraisópolis e acredita que a força do Mural está na coletividade. Ele fala mais a respeito: “A fortaleza disso tudo foi esse grupo que se conectou de forma inacreditável. A Izabela teve papel fundamental nisso porque era mais experiente do que nós e entendia que o Mural podia cobrir lacunas, resgatar a cidadania e virar referência”.
ADMINISTRAR O NEGÓCIO TEM SIDO O MAIOR DESAFIO DA EQUIPE
A maior dificuldade que esse grupo encontrou para criar a Agência Mural foram as questões burocráticas, segundo Anderson. Com uma linha editorial bem definida e já com boa reputação no mercado, o problema não estava em criar produtos editoriais e nem mesmo em vender a ideia ou as pautas, mas em administrar tudo isso. Entre os erros cometidos por inexperiência, ele conta que, assim que receberam o aporte da Open Society, contrataram cinco jornalistas e só na hora de fazer os pagamentos perceberam que não tinham ninguém para organizar e estruturar a parte financeira. “Normalmente, a comunicação é a última coisa em que as empresas pensam. No nosso caso, foi a administração. Fazemos muito bem nosso conteúdo e toda a parte de trás fica um pouco caótica.”
Diagnosticado o problema, eles foram buscar ajuda de profissionais mais ligados a área administrativa e também capacitação com cursos no Sebrae para gerenciar uma estrutura que não é pequena. Além dos 13 funcionários fixos contratados em 2018, a agência tem 70 correspondentes espalhados pela periferia de São Paulo. São jornalistas que produzem o conteúdo que está no Blog Mural, no site da agência e na plataforma 32XSP. Anderson explica que esses correspondentes, chamados de muralistas, são mais do que jornalistas freelancers. “É preciso se envolver com a agência, participar das reuniões presenciais que acontecem uma vez por mês e participar dos projetos de envolvimento com a nossa audiência, como o Mural nas Escolas. O tempo todo estamos avaliando a participação dos muralistas na nossa estrutura”.
Com oito anos de estrada, a equipe da Agência Mural já sabe o que quer fazer e como quer fazer. O desafio, agora, é trilhar o caminho de se autofinanciar para viabilizar os projetos. Anderson fala a respeito:
“Estamos pensando em criar um fundo patrimonial, desenvolvendo workshops e preparando um plano de assinaturas”
O financiamento da Open Society, que pode ser renovado por mais um ano, foi fundamental para que eles conseguissem estruturar o negócio e também para que abrissem o olhar às novas oportunidades. Anderson lembra que nas primeiras conversas com a organização eles foram tímidos, propondo que os muralistas tivessem uma remuneração mais baixa e continuassem com seus empregos. “Eles disseram que não iam dar dinheiro para continuarmos fazendo a mesma coisa porque queriam que a gente evoluísse. Isso foi ótimo porque nos abriu o olhar e pensamos em um orçamento melhor para ter funcionários em tempo integral”.
Se depender do empenho desses jovens jornalistas que aprenderam a trabalhar coletivamente, o futuro da agência já está desenhado.
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