Nascida e criada no Demétria, bairro rural de Botucatu, interior de São Paulo, apinhado de fazendas biodinâmicas, Rita Retz, 30, sempre buscou um modo de vida mais sustentável. Por isso, nunca foi adepta do plástico filme usado para embalar alimentos na cozinha. Ela afirma:
“Já estou nesse processo de gerar menos lixo e usar menos plástico há muito tempo”
Por morar sozinha, era comum que sobrasse comida e, mesmo na geladeira, o alimento acabava estragando. Ao pesquisar na internet, Rita encontrou uma marca canadense que fazia tecidos impermeáveis para substituir os plásticos filme na cozinha. Pensou em encomendá-los, mas o frete deixava o valor inviável. Então, decidiu desenvolver ela mesma um produto similar. “Comecei a testar vários ingredientes que encontrava aqui no Brasil. Foi um ano e meio de experiências até lançar a Favo Bioembalagem, uma empresa que produz embalagens em algodão orgânico, cera de abelha, óleo de coco orgânico e resina vegetal pura para substituir o plástico filme.”
O resultado é um tecido com propriedades antibacterianas (pela cera de abelha) e antifúngicas (devido ao óleo de coco e à resina vegetal), que é impermeável e, ao mesmo tempo, permite a troca de ar, fazendo com que os alimentos durem mais tempo. “Quando se embala vegetais em saco plástico, os gases que eles soltam ficam presos e fazem com que os alimentos apodreçam mais rapidamente”, diz. E continua:
“A embalagem da Favo permite a saída dos gases, além de não liberar toxinas no alimento, como acontece com alguns plásticos”
Os tecidos são maleáveis e podem ser dobrados em diversos formatos, sendo usados tanto para embalar diretamente vegetais — de alho-porro a folhas de couve — quanto para tampar vasilhames. No site da marca é possível encontrar kits (de 34,90 a 69,90 reais) com três tamanhos de tecido. O pequeno (18 cm x 18 cm) é ideal para guardar frutas como limão ou maçã pela metade ou embalar castanhas. O médio (25 cm x 25 cm) para cobrir meio mamão, abacate ou tigelas com alimentos. O grande (33 cm x 33 cm) para tampar saladeiras e o gigante (38 cm x 50 cm) para embalar pães ou folhas. O produto pode ser lavado junto com a louça na pia, com uso de detergente e colocado para secar. A durabilidade é de até um ano. Ainda assim, Rita aposta que a embalagem é de mais giro do que as roupas de cama e mesa que vendia com sua marca Rita Retz, que deu origem a tudo.
DE UMA MARCA A OUTRA SEM DEIXAR A ARTE MANUAL DE LADO
Rita cresceu em meio à natureza e aos trabalhos manuais. Ela é filha de uma professora da mais antiga escola de Botucatu que segue a linha Waldorf (pedagogia criada em 1919 na Alemanha por Rudolf Steiner, fundador da antroposofia, que se baseia no desenvolvimento físico, intelectual e espiritual dos alunos, com bastante contato com a natureza e valorização dos trabalhos manuais). A empreendedora passava as tardes da infância desenhando, pintando e fazendo bolos e pães na cozinha de sua casa. Também gostava de costurar os próprios cadernos. Assim, o amor pelo fazer com respeito à natureza foi cultivado.
Durante a faculdade de Artes Plásticas na FAAP, ela transformou o segundo quarto da casa em que vivia, na capital paulista, em um ateliê. Rita criava desenhos em telas pequenas e, pelo método da serigrafia, estampava tecidos para fazer toalhas de mesa, jogos americanos e edredons. Trabalhava assim, de forma caseira, quando foi convidada pela estilista Flávia Aranha — que usa tecidos tingidos naturalmente em suas peças — para desenhar uma estampa de suas coleções. “Depois disso a coisa começou a ficar mais séria e eu precisava de um espaço maior. Queria um galpão, mas em São Paulo não encontrava nada com preço acessível. Não queria arriscar pagar um aluguel de 10 mil reais por mês sem saber no que iria dar”, diz.
Foi aí que resolveu voltar à sua cidade natal, onde tinha uma parte de um terreno que havia sido dividido entre a família. Ali, construiu sua casa-ateliê. No primeiro andar, fica a sala com uma mesa de dez metros de comprimento, que passou a usar para estampar quantidades maiores de tecido. Com eles, fabricava diversos itens têxteis para casa, além de mochilas, cadernos e tecidos vendidos por metro, usados especialmente para decoração. Desde então, ela já usava somente algodão orgânico e tintas extraídas de plantas. Os materiais eram todos lavados com água de reaproveitamento de chuva vinda de uma cisterna no ateliê. Esse cuidado com o meio ambiente fazia com que os produtos tivessem um valor final mais elevado. “Minha maior dificuldade era conseguir um valor para vender no atacado”, afirma.
Rita chegou a ter uma loja online com sua marca e participava de feiras de produtos artesanais em São Paulo, como o Bazar da Praça e o Mercado Manual. Ela conta sobre a luta para manter o negócio: “Estava dando certo, mas era um produto mais específico. É difícil você comprar edredom várias vezes, é uma coisa cara. Comecei a pensar em algo que tivesse um giro maior de vendas”. Daí veio a ideia da bioembalagem e a série de experiências para chegar ao produto final. “Não queria lançar um produto sem que antes eu tivesse feito teste de durabilidade. Teria que usar bastante para ver o que acontecia, lavar, guardar, colocar na geladeira, no freezer, compostar. Fiz diversas formulações até chegar na melhor”, diz Rita, que começou a vender as embalagens pouco a pouco em feiras em que ia com a marca Rita Retz até lançar oficialmente a Favo Bioembalagem em fevereiro de 2018.
“Fui parando de fazer os produtos da marca Rita Retz, vendendo o que tinha e não investi mais nisso”, conta a artista plástica, que desativou a loja online de sua antiga marca, mas pensa em voltar a vender apenas os tecidos estampados na internet. “Muita gente me procura para comprar um metro, 50 centímetros de pano”, afirma.
Ainda que a produção de itens de decoração tenha quase desaparecido, a artista plástica reconhece que a marca Rita Retz foi fundamental para ela chegar onde chegou. “A Favo surgiu muito pela coisa do tecido, eu já tinha toda estrutura, conhecimento de estamparia, já sabia como fazer.”
Para lançar a nova marca, ela contou com um investimento inicial de 5 mil reais. De lá para cá, já se totalizam 30 mil reais colocados na Favo. A empreendedora comprou matéria-prima e criou novos mobiliários e utensílios para o ateliê. “Mantive a mesa de dez metros para estampar os tecidos, mas também comprei fogão industrial para aquecer a mistura de ingredientes da impermeabilização, desenvolvi uma mesa de corte, outra para encerar as peças”, afirma Rita, que também passou a desenvolver estampas exclusivas para a nova marca. Na fase de testes, ela ainda usava alguns dos dez desenhos criados para o ateliê Rita Retz, como os clássicos Passarinhos, Jardim Tropical e Cerrado, carro-chefe do ateliê, que agora passou por algumas modificações para integrar oficialmente a coleção Favo.
Em um processo que envolve desenho, pintura ou gravura, Rita criou seis novas estampas para a Favo e irá lançá-las aos poucos. Por enquanto, já foram duas, a Colmeia, com desenhos de favos e abelhas, e a Feira, com frutinhas e legumes. Como o investimento é alto — cada tela de serigrafia para uma nova estampa sai em torno de 1.300 reais — a estratégia é lançar diferentes cores de tecido com os mesmos desenhos. Ela afirma: “Não trabalho com fast fashion. São estampas que enquanto fizeram sucesso e as pessoas gostarem vão ficar na coleção”.
UM NEGÓCIO QUE RESPEITA A NATUREZA
A sustentabilidade é o cerne da marca. “Acredito que esse é o diferencial da Favo: estamparia própria feita de maneira sustentável”, afirma Rita. Além do uso de algodão orgânico e da captação de água de chuva para lavagem dos materiais no ateliê, os resíduos do processo são reaproveitados. Os pedaços de cera de abelha sobressalentes viram acendedores de fogo para churrasqueiras e lareiras, já que a cera é altamente inflamável (por isso, os paninhos Favo precisam ser mantidos longe do fogão, como apontam as instruções na caixa). Esses acendedores devem passar a ser vendidos no site da marca em breve, assim como os kits infantis para lanches feitos com os retalhos de tecidos que sobram na mesa de corte, a serem lançados no próximo mês na feira Pitanga Curadoria para Crianças.
Privilegia-se também a matéria-prima nacional, como o algodão e o óleo de coco orgânico. “O óleo não precisava ser orgânico, porque não é para comer. Mas o plantio com agrotóxico é muito ruim e não queremos contribuir com esse tipo de agricultura. Minha matéria-prima acaba sendo cara por isso, mas vale a pena”, diz Rita. A cera de abelha é comprada de apicultores da região, que fazem uma extração responsável do produto apenas uma vez ao ano, na época da florada, quando as abelhas conseguem repor a cera rapidamente. “De vez em quando conseguimos cera de abelha com certificado de orgânico. De todo modo, a maior parte do que compramos vem de locais distantes de plantações que possam conter agrotóxicos”, diz Rita. A ideia, assim, é fechar um ciclo de sustentabilidade, com um produto que substitui o plástico, pode ser reutilizado por até um ano e ainda é feito com materiais que respeitam a natureza e as relações de trabalho.
Com tantos diferenciais, as embalagens Favo estão conseguindo uma boa inserção no mercado. Atualmente, além da loja online própria, estão à venda em lojas físicas como a La Fruteria, no Rio de Janeiro, e Amoreira e Uma Vida Sem Plástico, em São Paulo. Nesta última o produto é encontrado fora da caixa e as instruções são enviadas por e-mail, já que tudo nesta loja é vendido sem embalagem. “Apesar da nossa caixa ser feita de papel reciclado”, afirma Rita. Em breve o produto estará também em lojas online de artigos para casa e, se tudo der certo nas negociações atuais, em alguns mercados. Além, claro, das lojinhas de produtos orgânicos, como a Bioloja e a Alvorada, no bairro Demétria, onde Rita cresceu e vive.
Até hoje as ruas lá são de terra, e não possuem nome nem CEP. Para postar os pedidos, é preciso ir até o correio da cidade, a cerca de doze quilômetros. Quando tem que receber entrega de fornecedor é uma complicação só. “É tudo por transportadora, tenho que ligar, mandar o mapinha, explicar como chega”, diz Rita. Ainda assim, muitas vezes o acompanhamento é feito em tempo real por telefone, dando as direções. “É sempre aquela expectativa.”
Hoje Rita toca o negócio com ajuda de duas funcionárias que fazem de um tudo, da parte administrativa (planilhas, fluxo de caixa e estoque a trabalho manual, quando necessário). “Agora ensinei-as a estampar, elas sabem todo o processo do começo ao fim. Assim, consigo viajar e a produção continuar. Antes quando eu saía parava tudo”, diz a empreendedora, que atualmente produz cerca de 3 mil unidades da embalagem Favo por mês, mas com a estrutura já instalada consegue dobrar essa produção. Embora o faturamento ainda não seja alto, a média dos últimos três meses foi de 12 mil reais, o negócio está só no começo e as previsões são boas. “Acredito que, em breve, precisaremos de mais pessoas e talvez de um lugar maior.” A natureza agradece.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.