“O Clube da Preta nasceu basicamente porque recebi uma caixa de cervejas por assinatura”, diz o administrador e jornalista Bruno Brigida, 29, ao contar a ideia do negócio que vende itens produzidos por afroempreendedores. Mas a história começou um pouco antes.
Ele e a companheira, a museóloga Débora Luz, 29, eram frequentadores da Feira Preta, evento anual que ocorre desde 2002 em São Paulo e reúne cerca de 120 expositores negros em um mega pavilhão com produtos que vão de camisetas e velas a cremes capilares.
“Esses empreendedores vendem muito bem de outubro a dezembro (a feira é realizada sempre em novembro), mas grande parte do ano, embora mantenham suas marcas, precisam trabalhar com outra coisa para pagar as contas”, diz Bruno.
O jornalista já procurava ajudar esses pequenos produtores consumindo seus itens — mas quis ir além. Primeiro, veio a ideia de um marketplace que reunisse a produção de afroempreendedores. “Contei a ideia para algumas pessoas. Elas até acharam interessante, mas ainda não era um negócio que chamasse atenção.” Até que um dia recebeu uma encomenda, a tal caixa de cerveja enviada pelo clube de assinatura:
“Tive aquele estalo: ‘é isso, em vez de cerveja vou colocar roupas e acessórios produzidos por essa galera da Feira Preta e vender por assinatura’”
Nascia assim o Clube da Preta, que hoje conta com dois planos de assinatura. Quem escolhe o de 99,90 reais recebe em casa, uma vez por mês, uma caixa com quatro produtos feitos por empreendedores negros: uma peça de roupa, um acessório, um livro e um artigo especial (itens promocionais vindos de parcerias feitos com marcas de vertente afro). “Já tivemos maquiagens, bonecas de pano, CDs de artistas renomados do hip hop ou samba.” No plano de 189,90 reais vêm até oito itens: duas peças de roupa, dois acessórios, um ou dois livros e um ou dois artigos especiais. O frete é fixo, 16 reais.
A PERSONALIZAÇÃO É A CHAVE PARA DRIBLAR UM MODELO DE NEGÓCIO BATIDO
O Clube da Preta já trabalhou até agora com 150 diferentes fornecedores, todos empreendedores afro-brasileiros. A cada mês são aproximadamente 30 marcas parceiras. Embora a configuração das caixas seja padrão em quantidade de produtos, elas são personalizadas cliente a cliente. O que significa que nenhum dos atuais assinantes (são cerca de 400) recebe um box que seja igualzinho ao outro.
Isso porque Bruno e Débora criaram um sistema de cruzamento de dados entre as preferências do cliente e os produtos disponíveis na base de fornecedores: ao entrar no site para fazer a assinatura, o interessado preenche um questionário – como estilo street, casual, estampas étnicas etc. Os produtos são classificados no inventário do negócio com essas mesmas categorias. Bruno afirma:
“Olhamos o formulário e selecionamos as peças de acordo com o gosto dos clientes. Brincamos que temos um mini big data manual”
Mesmo quando duas pessoas preenchem exatamente as mesmas opções de estilo, dificilmente a entrega é a idêntica, pois a dupla tenta divulgar produtos de fornecedores diferentes. “É também uma estratégia para ajudar mais empreendedores e montar uma rede.”
A personalização, segundo Bruno, é o que faz o modelo de assinaturas funcionar, especialmente no caso dos vestuários. “Escolher roupa é muito delicado, normalmente é preciso experimentar, gostar das cores.” A compra online já é arriscada para o consumidor que não sabe se a peça vai cair bem, se o tecido é como ele imaginava. Agora, pense no Clube da Preta, em que a pessoa sequer seleciona a peça.
“Se não tivesse a personalização, as pessoas não iriam comprar”, diz o empreendedor, que conta que customizar as caixas de acordo com o gosto do freguês foi uma exigência de sua parceira. “Acabou sendo uma solução inovadora. Pouquíssimas assinaturas fazem isso, só as de alto luxo. Não havia no Brasil uma assinatura personalizada com pequenos produtores.”
A estratégia parece ter dado certo. O LTV (sigla para Lifetime Value, ou valor do ciclo de vida do cliente), ou seja, o tempo em que o consumidor do Clube da Preta mantém a assinatura é de seis meses. Mais do que a média desse tipo de serviço, diz Bruno. “Normalmente os clientes ficam, no máximo, três meses em clubes de assinatura”, afirma o jornalista, que tirou a poeira dos livros de administração e marketing dos tempos da faculdade quando resolveu criar a empreitada e estudou tudo que encontrou para afinar o modelo de negócio.
Além da personalização das caixas, outro motivo para a fidelização dos clientes seria o lado social e de afirmação da cultura negra da empreitada:
“Nosso público é ligado em causas sociais e está mais preocupado em prezar pelos pequenos produtores do que qual peça irá receber no próximo mês”
Bruno diz que o negócio é feito por afroempreendedores, mas não é só para afrodescendentes. Atualmente, a base de clientes da empresa conta com 80% de pessoas negras e 20% brancas. “No início, não esperávamos esses 20%. Até por conta da forma como o negócio nasceu, dentro da Feira Preta, onde circula um público majoritariamente negro. Mas foi muito bom para nós essa conexão entre culturas.”
DAQUI PARA O MUNDO: A VONTADE DE UM NEGÓCIO INTERNACIONAL
Bruno e Débora fizeram parte de um processo de aceleração para colocar a ideia em pé, o Afro Lab, produzido pela própria Feira Preta. Era uma mentoria de idealização de projetos, que durou em torno de seis meses, com pesquisa, desenvolvimento de produto e precificação.
O Clube da Preta foi, então, lançado no final de 2017, com um investimento pessoal de 3.500 reais. “O negócio começou com uma coisa que não indico para ninguém: usar o próprio cartão de crédito”, diz Bruno, que parcelou as compras dos primeiros produtos para montar as caixas. “Especialistas em finanças me matariam ao saber disso.”
Em quatro meses, no entanto, a dupla já havia recuperado o investimento e, a partir dali, passou a ter lucro.
Os empreendedores fecharam aquele finalzinho de 2017 com umas 15 assinaturas. Depois de quatro meses sem conseguir aumentar significativamente o número de usuários, lançaram mão de uma estratégia de comunicação que mantêm ainda hoje: parcerias com influenciadores digitais, especialmente, da causa da afirmação da cultura negra.
A própria Débora atua na área, em seu Instagram, cujo slogan é Empoderamento – Inspirando para respirar, em que trata de moda, estilo de vida, beleza e bem estar. “Distribuímos algumas das caixas para influencers, o que já deu um primeiro boom nas vendas. Chegamos a 30 assinaturas em janeiro e 50 em fevereiro de 2018.”
Nos meses seguintes, fizeram diversas promoções com influenciadores negros com mais de 100 mil seguidores, além de terem apostado na divulgação no Facebook e Instagram com foco em novos públicos. O plano de comunicação também inclui anúncios nessas plataformas. “Temos investido em torno de 750 reais por mês em publicidade nas redes sociais. Atualmente, a empresa fatura 12 mil reais por mês, em média.
A meta agora é atingir mil clientes até o final de 2019. Para isso, pretendem contar com a tecnologia. Os sócios contrataram um desenvolvedor de software para criar um sistema do zero para o Clube da Preta – hoje ainda são usadas plataformas prontas tanto para o site quanto para logística.
A ideia é automatizar os processos e transformar aquele “mini big data manual” em trabalho para algoritmos. Feito isso, o passo seguinte será internacionalizar a marca, já em 2020:
“Queremos espalhar o que é feito por afroempreendedores do nosso país lá fora e, também, fazer o inverso”
Em paralelo, tentam incluir africanos refugiados no Brasil no projeto, mas ainda precisam resolver questões jurídicas e contábeis. “Alguns deles, infelizmente, ainda não estão com a situação regularizada e não podem emitir nota fiscal, por exemplo. Mas sabemos que há potencial para trabalhar em parceria.” Enquanto essa ideia não sai do papel, já dá para sair e tomar uma cerveja junto. Quem sabe daí não vem um estalo para outro negócio.
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