“Queríamos algo essencialmente brasileiro, uma referência ao nosso design. Acreditamos no nome Pitanga por ser algo fresh e próprio da nossa cultura. Ninguém experimenta uma pitanga sem dar um sorrisinho, remete a uma zona de conforto para todos nós.”
É assim que a idealizadora Denise Niz, 43, explica o porquê do nome Pitanga, evento voltado para o público infantil que ocorre na Casa Panamericana, no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Prestes a chegar em sua 14ª edição (15 e 16 de junho), a feira é pensada para acolher toda a família. A cada encontro há, em média, 50 marcas expondo seus produtos — entre roupas, mobiliários e itens de decoração — voltados para crianças de 0 a 10 anos. Mas essas marcas não estão ali aleatoriamente: passaram por uma curadoria que prima pelo design e, também, pela história por trás de cada objeto, em sua maioria, feitos por mães empreendedoras.
Enquanto os pais vão às compras ou tomam um chope e almoçam no restaurante eleito para a edição, que sempre busca oferecer uma alimentação saudável (o da última, foi o Dedo de Moça), as crianças podem fazer atividades gratuitas, como oficinas de pintura de banquinhos (campeã de público).
O Pitanga quer ser um espaço de acolhimento e lazer para as famílias. “É nisso que nos diferenciamos das demais propostas do mercado. Não queremos só vender um produto, mas estimular a cultura da infância.”
MÃE E EMPREENDEDORA: QUASE SINÔNIMOS
A trajetória de Denise é similar a de muitas mães atualmente. Ela teve uma carreira de 15 anos como assessora de imprensa de moda e, depois, de cinema, até que engravidou de Sophia, sua filha mais velha, hoje com 11 anos. O mundo então virou de ponta-cabeça.
“O desejo de ficar com minha filha era maior do que o de manter a vida profissional atrelada a local e horários rígidos”
Denise montou sua própria agência, a Polar Studio, na edícula de casa. Nos primeiros dois anos ainda estava focada em assessoria de imprensa. O marido, Gustavo Santos, 44, deixou o emprego em Publicidade e virou seu sócio, trazendo experiência em design e branding para o negócio.
Em 2012, eles tiveram um segundo filho, Thomas. Como o universo infantil permeando suas vidas, foi natural que começassem a prestar serviços para marcas voltadas a crianças.
“Depois de muitos projetos e pesquisas, entendemos que faltava no mercado brasileiro um evento que conectasse essas marcas e os consumidores. Havia feiras que admitiam qualquer negócio, desde que fosse infantil, sem muito filtro.”
O primeiro critério era encontrar peças de design. A dupla ia atrás de produtos que gostaria de adquirir para os próprios filhos, mas não encontrava no mercado. Mas também pensava no público alvo do novo evento:
“Quem consome design para criança no Brasil hoje em dia? O que essa pessoa busca, acredita, faz, onde olha, que música escuta, que tipo de filme ela assiste? Todas essas perguntas nos ajudaram a construir o projeto, a dar a cara que tem hoje.”
A primeira edição do Pitanga aconteceu em outubro de 2015 em um pequeno galpão no bairro de Pinheiros, zona oeste paulistana. Foram 25 marcas reunidas. Já a terceira edição foi alocada na Casa Panamericana, que tem uma área de 4 mil metros quadrados, o que possibilitou que os sócios dobrassem a quantidade de marcas participantes.
A cada edição são feitas convocatórias, publicadas nas redes sociais. “Recebemos propostas do país inteiro e fazemos a curadoria para todas as edições do ano. A cada uma delas há em torno de 40% de marcas novas.”
Apesar da economia viver uma crise, todos os dias surgem novas mães e, consequentemente, novas consumidoras e empreendedoras nesse nicho. Rapidamente Denise percebeu que quem fazia os produtos que ela buscava apresentar em seus eventos eram mulheres que, como ela, tinham deixado para trás um emprego fixo. Assim, a curadoria ganhou ainda mais valor:
“Não é só uma peça com design, tem história, identidade. Quem compra no Pitanga está comprando de outra mãe, alimentando a economia criativa que sustenta uma das possibilidades da maternidade”
Ela lembra que, muitas vezes, a troca do emprego com carteira assinada pelo empreendedorismo não é exatamente uma opção. “As mães são cada vez mais expulsas do mercado corporativo e se veem obrigadas a pensar uma nova forma de lidar com sua profissão, de se reinventar”, diz.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 2017 aponta que 50% das mulheres perdem o emprego até um ano após saírem de licença-maternidade. “O mercado criativo infantil aumentou muito por causa dessa nova realidade.”
ALÉM DE VONTADE, É PRECISO MUITO PLANEJAMENTO
Nem sempre, no entanto, as mães que decidem empreender estão prontas para essa guinada. “Algumas mulheres chegam nesse novo mercado sem ter uma formação consistente que permita que o negócio seja bem-sucedido. Como resultado, em pouco tempo muitas marcas — que são lindas, incríveis, mas não têm planejamento — somem.”
Ao perceber que isso era prejudicial ao Pitanga, Denise decidiu capacitar essas empreendedoras e, há um ano e meio, criou o primeiro Pitanga Talks. São palestras gratuitas e abertas a quem expõe ou não no evento (aliás, funcionam como porta de entrada para futuras expositoras). A maioria das sessões ocorre durante o Pitanga, mas neste ano também houve edições fora, como no coworking WeWork da avenida Paulista.
“Queremos ajudar os negócios a ter uma narrativa mais duradoura e eficiente. Em nossas palestras, a marca pode acessar informações que teria que pagar a uma consultoria particular”
Os palestrantes são consultores especializados no mercado infantil que dão orientações em torno de temas como gestão financeira, comunicação, branding e, claro, planejamento para cerca de 20 fundadoras ou aspirantes a empreendedoras. “É um grupo pequeno, pois as pessoas querem ser ouvidas, desejam atenção com qualidade, uma escuta afetiva que gere inspiração e sirva de estímulo para implementarem seus negócios.”
Denise diz que o Pitanga é o primeiro passeio de muitas mães recentes, que até então não tinham se arriscado a sair com seus bebês. Por isso, o autocuidado e o acolhimento são dois dos seus principais pilares. A cada edição é montado um spa, onde elas (e os pais) podem fazer massagens e relaxar por um tempo.
O cuidado com o público passa até pelo treinamento dos manobristas. “Eles precisavam saber que as mulheres demoram a sair do carro porque têm que tirar o bebê da cadeirinha, além de aprender a montar um carrinho de bebê que está no porta-malas”. A trilha sonora também é motivo de atenção (“música alta não dá”, diz a empreendedora). Na playlist, há de Caetano Veloso e Céu a The Smiths, Rolling Stones e David Bowie.
Para as crianças a partir dos 3 anos, há recreação, com oficinas de pintura, artes e contação de histórias. Uma forma dos pais poderem olhar os produtos com calma, sabendo que o filho também está se divertindo.
“Com essa configuração, acreditamos que o evento hoje transcende a experiência de compra. A mãe é amparada e o filho se sente bem”
Esse tripé de apoio — palestras para empreendedoras, oficinas para crianças e spa para mães — é essencial para que o Pitanga mantenha sua sustentação: as vendas.
COMO VENDER MAIS, MESMO QUE APÓS O EVENTO
O aluguel que as marcas pagam pelo espaço, de 2 mil reais a 4 mil reais, a depender do tamanho do estande. É isso que alimenta o faturamento do Pitanga, que hoje está na casa dos 650 mil reais por ano.
A última edição do evento (entre 5 e 7 de abril) recebeu 2 100 pessoas. O resultado de vendas para as marcas, segundo a empreendedora, é diverso.
“Depende muito do comprometimento e do investimento que elas fazem, por exemplo, se comunicam antes a seu mailing de clientes que estarão lá.”
Denise diz que vários participantes só têm lojas online ou fazem vendas por Instagram; assim, o evento acaba sendo uma chance rara de mostrarem seus produtos “ao vivo” para os consumidores.
Caso a empreendedora não possa estar o tempo inteiro no local, o treinamento da vendedora faz diferença. “É fundamental que ela saiba tudo de cor: as matérias-primas utilizadas, de onde vêm, qual o diferencial, o tema da coleção, por que o preço é mais alto. Tudo tem uma história e deve estar na ponta da língua.”
A criadora do Pitanga tem, inclusive, incentivado as marcas a levarem um catálogo online para apresentar aos clientes. Seria útil no caso de não ter a numeração ou variação de cor de uma peça. Assim o consumidor já veria o produto na foto e fecharia a compra ali mesmo, e depois receberia a entrega na casa dele. O objetivo em 2019 é que isso se transforme em uma prática.
OS PRÓXIMOS FRUTOS, OU PRÓXIMOS PASSOS
Expandir o Pitanga para outras cidades não está mais em cogitação. Já houve uma experiência negativa no Rio de Janeiro, em 2017. “As marcas achavam que havia demanda grande em seus sites em relação ao mercado carioca, mas o comportamento de compra lá é muito diferente. Vendeu muito pouco em relação a São Paulo”, diz Denise.
Os próximos planos do Pitanga já vêm sendo desenhados e incluem um marketplace e o Pitanga Box, caixa com uma curadoria de produtos pensada por faixa etária. “Pode ser um presente, uma assinatura, o enxoval. É o nosso olhar para aquela criança.”
O projeto está prestes a dar um próximo salto. Assim como quando Denise decidiu dobrar, de uma vez, o número de expositores anos atrás. “Senti que o Pitanga tinha potencial para se transformar nesse hub da infância. O mundo precisa de mais iniciativas que nos aproximem do lugar onde a gente é feliz.”
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