Em time que está ganhando se mexe, sim. A máxima propagada nos gramados definitivamente não funciona há algum tempo no mundo empresarial. A equipe que não pensa em novas estratégias corre o risco de ficar para trás. Quando se trata de inovação, ser bem-sucedido pode ser um empecilho: o sucesso pode fazer com que uma empresa fique presa a formas e processos que até funcionam hoje, mas quem garante que vão ser eficazes em algum tempo?
O evento Votorantim.hub, que aconteceu nos dias 14 e 15 de maio em São Paulo, trouxe essas questões à tona ao debater como uma organização de 101 anos consegue manter-se com cabeça de jovem. Ele reuniu todas as sete empresas que compõem o portfólio da holding investidora, que ocupam segmentos diversos, do financeiro ao de alimentos, para mostrar aos funcionários, clientes, parceiros e ao público em geral como elas estão se transformando – e como pensam o futuro.
Em uma sala com uma ampla vista para os 9 mil metros quadrados da Arca, galpão na Vila Leopoldina que sediou o Votorantim.hub e onde já funcionou uma metalúrgica, batemos um papo com duas pessoas envolvidas até o pescoço com inovação. Mirella Ugolini, gerente de desenvolvimento humano e organizacional da Votorantim S.A., é uma das organizadoras do evento. O influenciador Alison Paese, que foi sócio executivo da XP Investimentos por sete anos, é criador do canal Foras de Série e cocriador do StartSe.
Entre outras coisas, eles contaram o que entendem por inovação e qual o melhor caminho para empresas, sejam pequenos empreendimentos ou gigantes centenárias como a holding, continuarem pulsantes.
Queria começar tratando da questão de uma forma conceitual: o que exatamente significa cultura de inovação para uma empresa?
Mirella Ugolini – Ao contrário do que a gente pensa em um primeiro momento, ela tem a ver com pessoas. Logo que o tema surgiu, apareceram as áreas de inovação nas empresas. Mas, na verdade, ela é um processo – e, como todo processo, depende de pessoas. A transformação, a mudança cultural vem delas. A cultura de inovação é, portanto, a primeira coisa a ser trabalhada para se ter o processo de inovação na empresa.
Primeiro é preciso mudar ou trabalhar o mindset, os comportamentos, a forma de pensar, de encarar as coisas. Em RH, em gestão de pessoas, a gente fala muito sobre trabalhar a não-hierarquia e a não-burocracia, em ter espaços mais horizontalizados, de diálogo, para você poder expressar as suas ideias e ser ouvido. São coisas muito básicas, mas que são as fagulhas, o início de todo um processo de transformação cultural.
Alison Paese – Primeiro, inovação é fazer diferente algo que é feito da mesma forma há muito tempo. Hoje, principalmente nas empresas, os processos são muito conhecidos e executados há muito tempo – e isso mostra que têm valor e que funcionam. A inovação vem um pouco na contramão: não desmerece o que funciona, mas mostra que há novos caminhos, novas formas e possibilidades. Esse é o conceito mais bruto.
Só que inovação é um universo vasto, tem muitas camadas, não é um simples movimento. É um processo que envolve pessoas e, quando envolve pessoas, há uma série de atividades e atitudes que devem ser tomadas. Imagine um gráfico em cruz: no topo é a coragem; embaixo, o medo. Na esquerda, a manutenção. Na direita, a transgressão. Acho que, para inovar, as empresas, as pessoas devem conseguir visualizar isso e se encontrarem nesse gráfico.
Como eu, como empresa, perco meu medo? Tenho medo de perder clientes, de perder receita, margem. O que fazer? Não dá para ser só transgressão, só inovar e esquecer do que patrocina essa transgressão, que é a manutenção do que já é feito.
Os desafios disso para uma holding do tamanho da Votorantim são exponenciais. Como implementar essa cultura em uma empresa gigante?
Mirella – É uma empresa gigante e centenária. Hoje, a gente está aqui em um antigo galpão de uma metalúrgica que foi transformado em um espaço de eventos. O piso foi conservado, a estrutura também. Conseguir criar uma forma diferente de fazer as coisas, dar um novo uso às coisas em um espaço assim, por exemplo, é inovação. Ela também está nas coisas simples.
Há alguns anos, todo o processo de governança da empresa mudou. Hoje, as empresas investidas são autônomas, têm seus próprios conselhos, áreas de gestão de pessoas, áreas de inovação. As palavras-chaves de como estabelecemos o vínculo são ‘diálogo’ e ‘relacionamento’
Como se trabalha, na prática, a mudança de mindset?
Mirella – De novo, com diálogo. Na verdade, nosso movimento começou há cerca de quatro ou cinco anos. A Votorantim completou 101 anos em janeiro de 2019. E a gente tem uma certeza: as coisas não vão ser mais da forma como elas foram até hoje. Não podemos mais continuar fazendo negócios como fazíamos. Como então transformar esta empresa centenária em uma empresa de mais 100 anos? Para isso, criamos um grande movimento que envolveu todas as empresas e que é feito com base em várias frentes.
As lideranças são um dos pilares de mudança cultural dentro das empresas, então é fundamental que elas estejam engajadas. Temos eventos grandes como este, outros isolados dentro das empresas, pequenos projetos e pequenos processos que estimulam a inovação, pensar diferente, mudar a cultura. E existem também processos transversais de polinização cruzada
Nas empresas há ainda outros processos que extrapolam a colaboração entre as investidas da Votorantim, como uma parceria, que vemos aqui, da Votorantim Cimentos com Gerdau e Tigre. Elas criaram uma nova empresa, a Juntos Somos +, que pensa em soluções para o consumidor e envolve produtos de cada uma delas. Uma pequena loja de bairro vira uma one stop shop.
Também criamos uma plataforma que, semanalmente, tem conteúdos no formato de vídeos, artigos. E que estimula esse olhar para coisas novas, para fazer diferente.
Alison – A ponta da corda da mudança de mindset está no modelo tradicional mesmo: a empresa tem que fazer, de fato, uma comunicação de cima para baixo, não tem jeito. A inovação está ligada à tentativa de coisas novas. Tentativas envolvem erros. Fato: ninguém vai acertar todas e a empresa vai, com certeza, errar mais do que acertar. E qual é a mentalidade de pessoas que trabalham em uma empresa, hoje, sobre erro? “Se errar, vou ser demitido”. Por isso, a empresa precisa, primeiro, mostrar que está aberta para as pessoas colocarem suas ideias, tentarem coisas novas.
As áreas de RH, atualmente, encabeçam esse movimento nas empresas. Que transformação você, Mirella, viu acontecer em sua área?
Mirella – No início, o RH era departamento pessoal. Passou para a área que admite e demite pessoas, terceirizada. Hoje, a área de gestão de pessoas é a que dá suporte às transformações. Porque, de novo, a transformação vem por gente. As áreas de gestão de pessoas então deixam de ser transacionais, que olham apenas pequenos processos de admitir e demitir pessoas, e passam a ser transformacionais, olhando o indivíduo como indivíduo e toda a beleza que existe nele em termos de potencialidades que podem ser exploradas.
Este evento em que estamos, o Votorantim Hub, é aberto ao público. Qual é a importância de fazer algo assim, que extrapola os limites da própria empresa e chega à comunidade?
Mirella – No ano passado, quando a gente começou a pensar neste evento, ele tinha um nome simbólico de Demo Day. A gente achava que seria um dia de demonstração: as empresas [da holding] viriam para demonstrar produtos, iniciativas, serviços, pequenas inovações que elas trabalharam.
E, conforme elas foram vendo a jornada pelas quais passaram de transformação cultural e como as tecnologias ajudam a trabalhar isso de forma mais efetiva, falaram que seria legal não só um dia, mas dois. Um deles voltado para os empregados, para que todos pudessem ver não só o que a própria empresa está fazendo, mas ter essa noção de pertencer a algo maior e ter a possibilidade de estabelecer relacionamentos, criar rede. O segundo dia seria estendido para os nossos stakeholders, pensando em clientes, em prospects, parceiros, fornecedores. Ele então não é um simples dia de demonstração, é um hub, porque conecta uma série de assuntos e pessoas diferentes.
Não tem só os espaços das empresas, mas excelentes palestras, gente excepcional que entende muito de vários assuntos e que tem coisa para falar. E, tendo coisa para falar, tem gente para ouvir, né? A beleza é conseguir proporcionar às pessoas acesso a conteúdo de excelente qualidade e às jornadas de transformação pelas quais as empresas estão passando, para que elas tenham aquela sensação de: “Não estou sozinha nesse barco”.
Alison – Acho que tem vários símbolos em um evento como este. Primeiro porque hoje as marcas têm um desafio grande de estabelecer esse diálogo com o ecossistema delas. Como antes as pessoas não tinham muita voz, uma coisa que a internet e as redes sociais deram, aceitavam com muito mais facilidade tudo o que uma marca defendia ou fazia. Hoje, elas desafiam e querem entender, ver, conversar, dar ideia. E as marcas que conseguem integralizar esse sentimento e se colocar à disposição para fazer um evento em que pessoas de fora possam vir, já deram um grande passo.
Outro ponto é que, quando uma marca ou uma empresa começa um processo de inovação, há várias camadas: a da vontade, a de colocar em prática, a de trazer pessoas para a jornada e mudar as coisas que elas já têm. Um desafio muito grande é querer inovar, mas ter alguns valores que vão na contramão. Eles precisam ser atualizados, renovados. Eu vi isso aqui: empresas diferentes, de mundos diferentes, estão reconstruindo isso
Um evento assim mostra que a empresa está aberta, não está naquela coisinha de “deixa eu me guardar aqui com os meus segredos e ninguém vai me copiar”. Não. Está assim: “Vem ver e nos ajudar a construir algo, fazer algo diferente”.
Como uma empresa tradicional atrai jovens imbuídos de um propósito?
Mirella – Quando converso com jovens e eles fazem a pergunta: “Qual é o propósito da empresa?”, geralmente devolvo: “Qual é o seu?”. Quando a gente olha todos esses negócios reunidos e o impacto que essas empresas geram, não só impacto nas comunidades onde elas estão, mas o impacto social, ambiental, financeiro também, nosso propósito está muito claro: a gente tem uma capacidade de investir no Brasil muito grande.
Nem em meio a uma crise política ou econômica a Votorantim deixou de fazer investimentos no Brasil. Quer propósito mais belo que esse? É isso que a gente tem para oferecer e a gente tem muito orgulho disso. E por mais propósito que tenha uma empresa, vale sempre a pena olhar para dentro de si e identificar o seu, para saber o quanto se conecta com esse propósito maior.
É como um casamento, é todo dia pensar: “Eu escolho estar aqui trabalhando para esta empresa porque eu estou vendo algo além do suco de laranja, do cimento, do alumínio, da parte financeira, da mineração, da energia. Eu estou vendo o impacto social, ambiental, financeiro que consigo causar com isso. E o quanto isso está conectado com o que eu acredito”.
O que costuma ser mais eficiente: trazer a inovação de fora por meio de startups ou fomentar ela dentro das próprias paredes?
Alison – Acho que não tem uma verdade absoluta sobre isso. Caminhar nos dois cenários é o melhor dos mundos. As empresas têm que ver onde elas se sentem bem. Vai investir mais na inovação de fora, por startups, e gostou, deu certo? Vai em frente. Dentro está funcionando? Pô, legal. E por que não juntar os dois e o time empreendedor interno comandar a ação externa? Faz sentido, gera uma sinergia maior. O importante é não mudar a essência da empresa, querer se transformar no que não é.
E como funciona isso na Votorantim?
Mirella – Hoje muita gente quer trabalhar no Google, na Amazon. Nós não somos o Google ou a Amazon, mas temos processos, culturas e interesses belíssimos. A gente precisa representar para fora exatamente aquilo que é por dentro. Em termos de inovação, existem vários formatos.
De novo, qual é o nosso estilo? O que faz sentido para a gente? Faz sentido criar uma área interna, uma área de pesquisa e desenvolvimento? E essa área de pesquisa e desenvolvimento é que vai observar novas formas de extrair novos produtos ou nutrientes da laranja, por exemplo? Ou não, nossa forma de inovar é criando conexões com startups que já têm soluções prontas para a gente trabalhar, de repente, mineração de uma forma mais segura, mais digital, mais efetiva? O principal ponto da inovação para a gente é que cada uma das empresas se conheça, entenda seus desafios, seus clientes potenciais e futuros e então faça suas escolhas.
Qual é o papel de uma grande empresa na construção do futuro?
Mirella – Existem vários futuros. E existe algo que a gente aprendeu ao longo desses anos que é não trabalhar com “ou”, e sim com “e”. Antigamente, as empresas tinham aquele processo de planejamento estratégico, de pensar o futuro daqui a dez, 15 anos. Daqui a dez, 15 anos, as coisas vão estar tão diferentes… E os executivos, hoje, são cobrados por resultados de curto prazo também. Então temos que trabalhar com curto, médio “e” longo prazo, não “ou”.
Alison – O papel de uma grande empresa tende ao equilíbrio. Ela precisa ser mais aberta a algumas coisas, mas continuar fechada a outras. Fechada a coisas erradas, a processos que não funcionam ou que geram algum malefício ambiental, social ou o que for. E mais aberta a realmente deixar as pessoas mais felizes. Obviamente isso é bem complexo, super desafiador. Porque estamos nesse cenário em que não dá para planejar nem cinco anos. É uma ilusão. Brincar de Excel dá, mas de realidade não.
As empresas têm que ter consciência do alcance que a marca delas têm. Tudo o que elas falarem, defenderem, o jeito de se comunicarem, tudo isso vai afetar no mindset das pessoas. Elas têm que ter muita responsabilidade com isso. Não basta tratar a comunicação como campanha pura e simples. Elas precisam entender que toda e qualquer comunicação tem muita relevância. E fazer isso de uma forma que funcione mesmo e que passe a mensagem que precisa. Porque essa mensagem reflete não só no produto, não só na marca, mas no dia a dia das pessoas. As pessoas querem autenticidade, não querem mais só discursos bonitos.