Em janeiro de 2019, a primeira venda feita pelo Saladorama completou quatro anos. Com 2 mil pedidos por mês, a missão permanece a mesma: oferecer delivery de saladas orgânicas a preços justos, empregando pessoas que moram nas comunidades carentes das cidades onde atua.
A empresa, incubada e acelerada pela Yunus Negócios Sociais Brasil, saiu aqui no Draft em agosto de 2015. Para continuar sustentável, o modelo de negócios e a gestão passaram por adaptações profundas nos últimos anos. A começar pelo treinamento das colaboradoras.
Nascido em São Gonçalo (cidade vizinha a Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro), Hamilton Silva, 31, ao empreender, queria gerar emprego na própria comunidade, além de levar saladas orgânicas para a população local — e também para os moradores dos bairros nobres da capital.
Junto com a amiga e nutricionista Mariana Fernandes, sócia na empreitada, decidiu capacitar as mulheres da comunidade para que aprendessem a preparar as saladas que seriam vendidas.
O treinamento inicial consistia em ensinar corte e higienização dos alimentos, além de passar noções de gerenciamento do negócio à medida em que elas tocavam a produção diária de saladas.
Primeiro elas trabalhariam como funcionárias para depois criarem suas próprias empresas, atuando como representantes ou franqueadas do próprio Saladorama. Não deu certo.
“Muita gente quer ser CLT, e aí as pessoas não seguiam o caminho do negócio próprio”, conta Hamilton, que precisou encarar esse ‘choque de realidade’. “A gente sabe que as pessoas precisam da oportunidade e, quando têm a chance, não a abraçam. Isso é dolorido.”
No início, a remuneração mínima de cada funcionária do Saladorama era de 600 reais pela produção de 200 saladas em uma equipe de três pessoas. Cada salada produzida além da cota rendia mais 2 reais para o grupo. Hoje, tudo funciona de outro jeito.
O curso de capacitação de quatro meses continua gratuito. A novidade é que, depois dessa etapa, as cozinheiras ficam mais três meses na sede, onde as saladas do delivery são produzidas. É um estágio remunerado de quatro horas, que paga 600 reais e almoço para cada mulher, para elas colocarem em prática o que foi aprendido no curso.
“A proposta é trabalhar a maturidade dessas mulheres para verem como é o trabalho. Percebi que elas ficavam encantadas com o curso inicial, mas, no dia a dia, tem muito trabalho, é cortar cenoura, picar cebola, e isso não condizia com a expectativa”
Passado o período de estágio, não há contratação. O caminho é abrir o próprio negócio em casa ou em um local externo e fazer as saladas que chegam por meio dos pedidos feitos ao Saladorama via site, Facebook, WhatsApp (a empresa conta com dois motoboys) e aplicativos de vendas de refeições (iFood, Rappi e UberEats). “Quem se forma com a gente pode trabalhar com a marca e vender. O negócio fica com 25% do lucro, não do faturamento.”
Entre todas as mulheres que passam pela capacitação, 80% seguem trabalhando na área, com a empresa ou fora dela, sendo que atualmente há um cadastro de 78 revendedoras autônomas.
Dentre as que Hamilton acompanha, 11 delas foram absorvidas pelo mercado formal e cinco estão tocando negócios próprios em alimentação. “Ainda precisamos entender por que 20% não aproveitam a formação.” Hoje há 45 mulheres finalizando a formação e outras 55 vão começar na turma seguinte.
Por ano, Hamilton tem o compromisso de formar 200 mulheres. A equipe fixa do Saladorama tem hoje dez funcionários, entre cozinheiras, nutricionistas, pessoas da área de gestão e financeira. O time chegou a ter 20 pessoas na época em que ele contratava as cozinheiras.
ANTES DE QUERER ESCALAR, FOI PRECISO FORTALECER A ESTRATÉGIA DA MARCA
Os planos de expansão também tiveram que ser revistos. Hamilton chegou a abrir unidades em São Luís e Salvador, mas recuou, porque não conseguia dar atenção para todas as praças com a dedicação que precisava. “Eu pensava: vamos ceder a marca, as pessoas conhecem a missão e vão dar o gás necessário. Mas elas queriam ajuda para vender e eu estava longe.”
Quando começaram a aparecer esses problemas gerenciais, o empreendedor decidiu rever o plano e teve que devolver o dinheiro de quem comprou a licença do Saladorama para ser representante da marca antes de finalizar os dois anos do contrato.
Antes de ampliar a empresa para outras cidades, Hamilton conta que ouviu de uma investidora a seguinte frase: “Restaurante não cresce sem gerente com a barriga no balcão”. “Pensei: ‘que centralizadora’. Mas a verdade é que é assim mesmo.”
No novo plano estratégico, ele entendeu que precisava estar presente nos primeiros meses da operação, até o negócio se estabilizar. Depois de se consolidar em terras fluminenses (além de São Gonçalo, o Saladorama está presente na comunidade Santa Marta, que fica no Morro Dona Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio), abriu uma unidade em Heliópolis, em São Paulo.
E, com o braço paulistano estabelecido, partiu para o Recife, cidade natal de sua mulher, Isabela Ribeiro. Lá, o Saladorama atua nos bairros Nova Descoberta e Ibura.
“Penso em abrir em outros estados e sei que esse novo modelo prejudica a escala, mas acredito que aumenta a perenidade do negócio”
A Zona Leste de São Paulo e o Nordeste do país — especificamente, Fortaleza, Natal e João Pessoa — seriam as próximas praças no radar do empreendedor.
MENOS PALESTRAS, MAIS “BARRIGA NO BALCÃO”
“Em 2018 fiz 80 palestras rodando o país. Aí não conseguia acompanhar os números do negócio”, diz Hamilton. Por isso a decisão, segundo ele, de viajar menos em 2019, abrindo mão de alguns convites para estar mais disponível e ajudar a dar estabilidade às operações.
“No começo eu tinha medo de confiar a operação a outras pessoas. Aí percebi que tem gente que faz até melhor, e achei que eu não precisava mais estar presente. Confiei demais que podiam fazer sem mim. Agora acho que encontrei um meio termo.”
Palestras, nesta nova fase, somente em eventos estratégicos para o negócio, que agreguem valor ao Saladorama ou sejam importantes para fazer contatos relevantes. Caso do Food Forum 2019, onde Hamilton palestrou em abril.
“Vi que contar minha história era muito mais ego do que necessidade. Ao ficar ‘full-time’ na operação, consigo pensar em produtos novos, como os ovos veganos e itens para diabéticos lançados na Páscoa”
Outra mudança: se antes a atenção estava concentrada nos pedidos avulsos, agora o foco está nas assinaturas. Há três opções, com duas, três ou cinco saladas por semana e valores que variam de 125 a 370 reais.
Hoje, 2 mil saladas são vendidas por mês nesse formato em São Gonçalo, Rio, São Paulo e Recife. A meta é chegar a 6 mil pedidos mensais até o fim do ano. A base de clientes se divide entre moradores das comunidades (60%) e dos bairros de classe média e alta (40%). “Nossa missão é democratizar o acesso a uma alimentação saudável. Então, gastamos mais energia na comunidade.”
Para incentivar o consumo nesses bairros mais pobres, Hamilton diz que revendedoras do Saladorama batem de porta em porta apresentando o cardápio e explicando seus benefícios. A cada dia, uma salada é oferecida (combinando, por exemplo, abobrinha assada, massa integral, folhas cruas e carne desfiada); há também pratos quentes, como nhoque de batata-doce com molho de tomate e frango, e versões veganas.
“Olhando para trás, tenho um sentimento feliz de ver que sobrevivi às estatísticas e que amadureci dez anos em quatro. Os problemas foram aparecendo e nós fomos aprendendo com eles”, diz Hamilton. O objetivo, agora, é profissionalizar cada vez mais o negócio. “Quero tornar o Saladorama uma referência, não só de algo legal, mas de eficiência em trabalho.”
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
Aromática, sensível e difícil de polinizar, a baunilha é cobiçada por chefs de cozinha, mas o quilo pode custar até 6 mil reais. Com capacitação e repasse de parte do lucro aos produtores, a Bauni quer promover o comércio justo da especiaria.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.