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De olho na Indústria 4.0, a Cursor desenvolve ‘gêmeos digitais’ para tornar a produção mais eficiente

Priscilla Santos - 29 maio 2019
Rodrigo Juliani e Cláudio Garcia receberam o prêmio de inovação Startups Connected da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo pela criação do gêmeo digital (foto: Divulgação/Poli-USP).
Priscilla Santos - 29 maio 2019
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Bater um papo com Claudio Garcia, 63, professor da Escola de Engenharia Elétrica da USP, é ouvir uma aula sobre a história da indústria. Desde sua primeira revolução, aquela do século 18, quando o vapor passou a impulsionar as máquinas, até a mais recente, a chamada quarta revolução, ou Indústria 4.0, agora em curso.

Um dos pilares da Indústria 4.0 (que prevê a combinação de tecnologias digitais diversas, como cloud, impressão 3D, Internet das Coisas e realidade aumentada) é o uso da simulação computacional, que permite testar soluções antes de implementá-las no chão de fábrica.

A Cursor quer ajudar a indústria brasileira a dar esse salto de eficiência. Fundada pelo professor Claudio com seu ex-orientando, o pesquisador Rodrigo Juliani, 31 anos, também doutor em engenharia elétrica pela Poli, a startup desenvolve modelos matemáticos para a criação de “gêmeos digitais”, réplicas virtuais de plantas industriais que permitem fazer experimentos e testar processos.

Um dos principais usos desses modelos é ajudar a ajustar os chamados controladores, para manter variáveis como vazão, pressão, nível e temperatura na configuração ideal. Assim ganha-se eficiência com impactos positivos para redução de custos (operacionais e de manutenção), aumento da produtividade e melhora da qualidade do produto.

Há basicamente dois grandes ramos da aplicação de controle na indústria: um é o da manufatura, que produz bens como o carro que você dirige ou o smartphone que se encontra agora no seu bolso ou nas suas mãos. O outro ramo é aquele que lida com fluídos – gases e líquidos – e engloba, por exemplo, as indústrias química e petroquímica, de papel e celulose, e de tratamento de água e efluentes.

Antes de dar aulas, Claudio acumulou experiência nessa área de fluidos, trabalhando em empresas que fornecem sistemas para medir as variáveis e manter a configuração sempre no parâmetro ideal, o chamado set point. A verdade, porém, é que na indústria nacional, esse ajuste dos controladores – essencial para manter a produção eficiente e segura – com frequência sequer é feito.

“O controlador digital mais usado hoje é o PID, que tem três parâmetros padrão. Tem gente que sequer altera o valor padrão”, diz o professor-empreendedor, explicando que o ajuste, em outros casos, é feito “de memória”:

“Um operador que trabalha na planta há vinte anos lembra de, dez anos atrás, ter ajustado um controlador num processo similar, então consulta os valores que usou na época e os replica”

Claudio trabalhou os primeiros 15 anos de sua carreira na indústria; em paralelo, fez mestrado na Poli. Depois, atuou como engenheiro no Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP), onde começou a pesquisar modelos matemáticos industriais. Dedicou-se ao doutorado com a proposta de aproximar o ambiente acadêmico do industrial. E, ainda em 2003, montou o Laboratório de Controle de Processos Industriais com equipamentos equivalentes aos usados na indústria de processos.

Gêmeo digital é uma equação matemática em forma de gráfico. Com isso é possível fazer simulações nos processos industriais antes de testá-las no chão de fábrica.

Rodrigo, por sua vez, entrou na graduação na Poli em 2006 e foi trabalhar com Claudio no Laboratório no ano seguinte. “Queria participar de pesquisas que pudessem render solução pra sociedade a curto e médio prazo”, diz. Em 2010, quando estava prestes a se formar, foi convidado pelo professor para participar de um projeto de pesquisa junto com Petrobras. A demanda era estudar técnicas para obter modelos virtuais de plantas industriais a partir de dados gerados em refinarias.

Nesse projeto, de 2010 a 2014, eles ajudaram a criar técnicas de modelos matemáticos de plantas industriais utilizadas até hoje na petrolífera. Foi quando deu o estalo: “Será que não podemos criar um produto para fazer isso para todo o mercado?”, diz Rodrigo, que estudava a criação de modelos virtuais para plantas industriais no mestrado e ajudou a desenvolver algoritmos para a Petrobras.

A Cursor surgiu em 2015. Para conseguir o financiamento PIPE Fapesp (programa que apoia a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica em micro, pequenas e médias empresas no estado de São Paulo), o primeiro passo era abrir uma empresa – uma condição para esse tipo de financiamento. Claudio fez o convite a Rodrigo e eles se tornaram sócios. Levantaram 500 mil reais e, com dois estagiários (mestrandos em engenharia elétrica na USP), desenvolveram a plataforma.

O produto da Cursor é um software para a criação dos gêmeos digitais – os modelos de plantas industriais – que contém algoritmos únicos, não disponíveis em nenhum outro sistema. Claudio diz que, embora seja possível fazer a modelagem de uma planta industrial de forma “manual”, descrevendo-a por equações, esse é um processo lento, acelerado agora com o uso de algoritmos: “Com a plataforma, o que eram meses viraram dias”.

A plataforma é alimentada com dados de uma determinada fábrica. Podem ser dados “históricos”, que a empresa já tenha, mas o ideal é fazer um experimento real na planta para gerar esses gêmeos digitais – e atualizá-los a partir de novos experimentos a cada dois anos.

Os empreendedores afirmam que, além de possibilitar um melhor ajuste dos controladores dos processos de fabricação de petróleo ou papel e celulose, por exemplo,  o sistema da Cursor tem dois diferenciais. O primeiro é poder integrar os controladores da planta. Muitas vezes, o ajuste é feito de forma individual para cada uma daquelas quatro variáveis – vazão, pressão, nível e temperatura.

“Se há um controlador de pressão e outro de temperatura e um cria perturbações para o outro, gera-se uma situação de conflito, que deve ser evitada”, diz Claudio. “Com nossa plataforma pode-se ajustar os controladores de forma cooperativa, e não competitiva”.

O segundo diferencial frente a outros sistemas de criação de gêmeos digitais é ser dinâmico, e não estático. No mercado internacional, diz Cláudio, há diversas soluções de gêmeos digitais, porém nenhuma de gêmeos digitais dinâmicos. Esta é uma tecnologia ainda muito pouco utilizada no Brasil devido à complexidade — as poucas empresas no país que usam esse formato, compram softwares de fornecedores estrangeiros. E explica:

“É como um carro: você pode pisar no acelerador e ir de 60 km/h para 120 km/h, mas leva alguns segundos. Na planta também: se queremos subir a temperatura, ela não aumenta de uma vez. Essa transição é fundamental no controle — e não é mostrada nos modelos estáticos.”

A Cursor está em fase de prospecção, mas já vem colecionando algum reconhecimento. Ficou em terceiro lugar na categoria Papel e Celulose do Prêmio de Inovação Startups Connected da Câmara de Comércio Brasil Alemanha AHK e foi finalista do desafio Gyntec Soluções Inteligentes para a Indústria Farmacêutica e na categoria Óleo e Gás do Corporate Venture in Brasil da APEX-Brasil.

Forno de processamento de petróleo e gás natural da Petrobras onde foram feitos os testes para validar a plataforma da Cursor.

Desde a fundação, os sócios ficaram mais focados no desenvolvimento do produto. “Ao longo desse tempo fizemos alguns projetos de validação da plataforma. O principal foi no fim do ano passado, com a criação de um gêmeo digital dinâmico de um forno industrial da Petrobras”, diz Rodrigo. Essa validação durou um mês e serviu, segundo os sócios, para verificar que a plataforma já pode ser utilizada com sucesso na indústria.

Nos últimos meses, eles vêm visitando potenciais clientes para apresentar a tecnologia. “Quando idealizamos a startup, a ideia era licenciar o software para as indústrias usarem”, diz Cláudio. “Como a interface para o usuário final não estava totalmente pronta e também percebemos em nossas visitas que o tema [dos gêmeos digitais] era bem novo, decidimos vender como uma consultoria com uso do nosso software.”

Os empreendedores por ora não revelam os valores cobrados, mas prometem retorno financeiro para o investimento em um período máximo de 12 meses. O aumento de produtividade pode variar de 1% a 10%, dependendo do tipo de controle já usado pelo cliente. “Em um mercado de exportação, por exemplo, conseguir melhorar o preço em 1% já torna a empresa mais competitiva”, diz Cláudio. Rodrigo reforça:

“A indústria brasileira é bastante conservadora. Há uma resistência geral de mudar processos. Isso é um problema porque os índices de produtividade poderiam ser melhores”

O contexto econômico por ora é um complicador. Diante do cenário, a dupla almeja acessar o mercado americano. Os sócios estão confiantes de que o produto da Cursor é competitivo aqui e lá fora. Mesmo os sistemas de gêmeos digitais usados por indústrias americanas e canadenses, diz Claudio, costumam ser menos refinados.

“Enquanto outras empresas usam uma ou duas estruturas de modelos, temos 29 disponíveis em nosso software. Os dados coletados da planta são aplicados em todas elas e escolhemos a melhor para cada caso.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Cursor
  • O que faz: Plataforma para réplicas digitais de plantas industriais
  • Sócio(s): Claudio Garcia e Rodrigo Juliani
  • Funcionários: 2 estagiários
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: Maio de 2015
  • Investimento inicial: R$ 500.000
  • Faturamento: Ainda não fatura
  • Contato: [email protected]
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