por Paulo Dalla Nora Macedo
Estamos no Recife, na madrugada de 22 de junho de 2012, eu com 37 anos e totalmente envolvido como sócio e responsável pela implementação de um banco regional, o Banco Gerador. Antes disso, já havia passado por uma experiência de muito sucesso na empresa da minha família, o Grupo Nordeste/Transbank, com um grande crescimento e a conquista da liderança nacional na área de segurança e transporte de valores.
Foram 12 anos dedicados a esse negócio, minha primeira atividade profissional, dos 18 aos 30. Na ocasião do meu início, em 1993, o grupo tinha atuação nos nove estados do Nordeste, com um faturamento em torno de USD 90 milhões. Em 2005, atingimos algo na casa dos USD 300 milhões e presença em 19 estados do Brasil, entrando definitivamente na disputa pela liderança nacional.
Como fica claro a tônica do período foi a expansão, especialmente no início dos anos 2000, quando fizemos uma série de aquisições e quando eu já era Superintendente de Planejamento e Orçamento, função que englobava as áreas de Marketing e M&A. O grande desafio foi quebrar o paradigma de ser uma empresa regional para ser e agir como uma empresa nacional.
Tudo ficava mais complexo, especialmente o gerenciamento de mais gente em outros locais com culturas diferentes. A complexidade é ainda maior quando isso se dá em um ambiente em que as relações familiares e profissionais são naturalmente interconectadas
O Grupo Nordeste/Transbank foi fundado pelo meu avô em 1970 e eu era o único membro da terceira geração que trabalhava lá, o que obviamente adicionava algumas complicações extras.
Em 2005, decidi sair da organização para fazer um MBA no INSEAD e ter uma experiência fora do Brasil, o que se materializou com o trabalho em um fundo na Suiça. Bons tempos em Genebra com a minha esposa, ainda sem filhos e portanto, com flexibilidade para viajar e explorar a Europa.
O mais gostoso era ter a oportunidade de participar de coisas que só vivendo no local é possível: abrir o jornal e ver um concerto com composições de Mozart em Bruges no sábado e decidir que iríamos. Ou um festival de queijos em Gruyère. Vamos, é logo ali, só algumas horas de carro.
Voltando a 2012 e à realidade brasileira, a crise ainda não era muito palpável, sentíamos alguns primeiros sinais, mas ainda eram tênues. O Banco Gerador tinha sido implantado e os três primeiros anos de operação foram razoavelmente dentro do previsto no plano de negócios.
Tinha algo no ar, só não sabia o tamanho do problema
Entretanto, no entremeio da atividade de empreendedor, naquele momento o que importava é que em breve eu me tornaria pai de nosso primeiro filho, cujo sexo ainda não sabíamos. Estávamos quase lá, após 40 semanas de uma gravidez saudável, sem complicações e com muita preparação para um parto normal.
O dia amanhecia, quando a bolsa de minha esposa Maria Fernanda rompeu e corremos para o hospital. Chegamos tranquilamente e começamos o processo de espera em que nada parecia fora do comum. Os médicos não ficaram alarmados. Assim passaram-se uma, duas, quatro, seis, oito e dez horas em contrações. Entretanto, o parto não se iniciava.
De repente, tudo se tornou um borrão mental e só lembro de corrermos para a sala de cirurgia para uma cesariana de emergência
Eles me colocaram em um pequeno canto da sala. Vi, a partir daí, que o bebê havia nascido, mas o único som que ouvi foi o do movimento frenético dos médicos, que rapidamente retiraram a criança do quarto. Já era noite e um membro da equipe voltou e deu a informação: era uma menina e ela estava lutando por sua vida, sendo reanimada, porque tinha tido uma grave falta de oxigenação no cérebro.
Automaticamente, mudamos para o módulo de “solução de problemas”, buscando o que fazer para melhorar as chances da pequena Anne sobreviver. Descobrimos, com a ajuda da minha irmã, de São Paulo, que havia um hospital na capital paulista que utilizava uma técnica de resfriamento corporal para reduzir a onda de 72 horas do dano cerebral resultante da falta de oxigênio.
A questão era que Anne ainda estava em estado crítico em Recife. Avaliamos riscos e decidimos pela remoção por meio da UTI aérea, que só foi possível no dia seguinte, um sábado. Na madrugada de domingo, fomos levados diretamente para o hospital.
Finalmente, lá estávamos nós, pouco mais de 24 horas após o nascimento, iniciando o protocolo de resfriamento do corpo para mitigar o dano cerebral. Minha filha passou três meses na UTI e conseguiu respirar sem equipamentos depois de quase 30 dias no hospital. Era hora de iniciar uma busca por tratamentos e terapias em todo o mundo, visitando centros de tecnologia médica de ponta.
Anne ainda não fala, mas é revigorante ver suas conquistas na comunicação e no controle de seu corpo enquanto brinca e ri de maneira única e diferente
Ela também entende muito bem o contexto, pois sua área cognitiva do cérebro foi preservada. Minha esposa é a grande responsável por essa evolução. Continuamos com nossa jornada nos mudando para São Paulo. Temos fé que nossa Anne irá longe, muito longe.
À nossa família se juntou o Theo, em 2017, logo após o período de seis meses em que tivemos oportunidade de viver em Londres, quando o banco foi vendido.
Desde 2012 as coisas não iam bem e, a partir de 2014, decidimos iniciar um processo de preparação para a venda de forma a preservar nosso CPF sem nenhum tipo de mancha com o Banco Central e o mercado.
Com a decisão de fazer a coisa certa, ou seja, reconhecer e estruturar uma venda em que perdas devem recair nos acionistas e não em investidores e clientes, fomos o único banco vendido no Brasil nos três anos agudos da crise. Olhando para trás ficam claros os enganos:
O excesso de confiança no momento do Brasil entre 2009 e 2010 somado ao desejo de fazer parte de um projeto com potencial de impactar positivamente minha região baixaram minha capacidade de análise crítica e percepção dos sinais de perigo
E claro que a minha pouca experiência de vida também contou negativamente. No caminho, perdas financeiras e cicatrizes. Mas também muito aprendizado.
O mais vívido deles é em relação a escolha dos sócios, que sempre deve vir antes da escolha do projeto. Pois um sócio mal escolhido pode estragar o projeto e até melar o seu CPF. Se correr esse risco, não se intimide e faça a coisa certa: busque a Justiça.
Outro aprendizado importante foi o aumento da resiliência e a subida da barra das coisas que me metem medo. Com essas lições, e após o período em Londres, voltei ao Brasil muito mais seletivo nos novos empreendimentos que iniciei ou me incorporei desde 2016: a Sunew, a Stoque (Kinase Investiments) e o Poder do Voto.
A Sunew é uma empresa inovadora no setor de OPV (organic photovoltaic), ou seja, produz uma película que tem a capacidade de captar e transformar luz em energia. Um big bet como chamam. O Kinase é um search fund ao qual me incorporei e com ele adquirimos a Stoque, que é lider de “paper to digital” no Brasil, com uma forte atuação no mercado de fintechs e educação.
O Poder do Voto merece um parágrafo a parte. É um entidade sem fins lucrativos que busca conectar o cidadão com os seus representantes na Câmara e no Senado. Nasceu da inquietude de Mario Mello, ex-CEO da PayPal para a América Latina, e meu companheiro do YPO (Young Presidente Organization). Ele me fez o convite em setembro de 2017 para montarmos uma entidade que contribuísse no complexo e radicalizado debate político no Brasil.
Logo, se juntou ao grupo Gustavo Castro, que deu forma jurídica à ideia. No modelo, os projetos de leis são a âncora do debate e a partir deles as entidades da sociedade civil participam dando suas opiniões. Os usuários podem consultar essas opiniões e votar para que o seu deputado e senador tenham conhecimento de como os seus seguidores pensam sobre cada tema.
A ideia é construir uma relação de longo prazo entre os eleitores e os representantes durante todo o mandato. Até aqui temos 45 mil usuários que já votaram 250 mil vezes em 40 projetos de leis que colocamos para consulta no aplicativo. Tudo gratuito e feito com doações apenas de pessoas físicas.
O encantamento com o Poder do Voto veio da minha intensa militância — não partidária, participando de movimentos formais e informais em que a discussão de políticas públicas fosse a pauta central
Não tenho nenhuma vergonha em dizer que tenho vários amigos que foram ou são políticos e que aprendi e aprendo muito com eles. Também não posso deixar de registrar que não vejo neles uma ética ou moral substancialmente diferente das pessoas que convivo e convivi no mundo privado. Claro que tem um processo de seleção de amizades, mas é um fato para mim que não existe essa diferença.
Outro atrativo no projeto, por ser uma Associação Civil sem Fins Lucrativos, é poder exercitar a habilidade de construir sem possuir, um exercício necessário para todo empreendedor no mundo privado
Consigo mapear o despertar dessa consciência cidadã no período que fui fazer uma especialização na Universidade de Berkeley, em 1999. Berkeley sempre foi um cidade muito engajada politicamente e não passei por lá ileso.
Ao retornar ao Brasil, em 2000, liderei na empresa da minha família a implantação do primeiro projeto social: a Associação Arte e Vida, cujo objeto era prover educação complementar com artes para crianças em situação de risco em uma área de extrema pobreza no Recife.
Durante os 15 anos em que o projeto funcionou, passaram por lá mais de 2 200 crianças (muitas delas se perderam para o tráfico). O referencial de herói são os bandidos da comunidade, segundo uma pesquisa que fizemos e que impactou bastante. Mas muitas se salvaram.
Um dos membros da primeira turma, Eduardo Gomes, formou-se em letras na UFPE e hoje é professo no Colégio Militar do Recife e publicou o seu primeiro livro de poesia Mosaico de Sensações, que recebeu menção honrosa pela Academia Pernambucana de Letras em 2018.
Sigo buscando novas oportunidades que tenham como principal característica a expansão dos horizontes já navegados. Nada de mais do mesmo. Relatei minhas vivências em ambientes diversos, mas com um aprendizado único: jamais podemos perder a chance que as experiências nos proporcionam, não devemos focar apenas nas dificuldades e frustrações ou nos colocar na situação de vítima.
Eu entendo que os desvios no caminho me ensinaram mais do que a estrada. As circunstâncias tiveram o poder de revelar sentimentos que eu nunca teria experimentado de outra forma, mostrando uma perspectiva diferente sobre os desafios da vida. Não a desprezo nem a nego. Eu apenas tento experimentar.
Paulo Dalla Nora Macedo, 43, possui MBA pelo INSEAD/França, especialização em Marketing pela UCLA Berkeley e graduação em Economia na UFPE. É ex-presidente e cofundador do Banco Gerador e ex-executivo e conselheiro do Grupo Nordeste/Transbank. É membro do YPO Brasil (Young President Organization) desde 2010. Atualmente empreende a Sunew e a Stoque (Kinase Investments) e é cofundador da Associação e app Poder do Voto.