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“A gente se perde ao tentar ser muito diferente. É preciso tangibilizar as ideias de forma sustentável”

Andréa de Lima - 11 jul 2019
Santiago Andreuzza, um dos sócios do Aerolito (crédito: Higor Hatano).
Andréa de Lima - 11 jul 2019
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Cercado por um jardim, o casarão centenário que abrigou, entre 1921 e 1984, um seminário luterano no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, hoje atende por Área 51 e acolhe um café, um conservatório de música, coworking e umas 15 empresas — de produtora de cinema a estúdio de arquitetura e escola de mindfulness. E, entre elas, o Aerolito.

O laboratório de inovação porto-alegrense investiga tecnologias emergentes e cenários futuros — e faturou R$ 2,1 milhão em 2018. O grosso da receita vem de cursos online, sendo o principal deles o Friends of Tomorrow (que se inspira em centros de referência em futurismo, como Singularity University e Institute For The Future); a empresa também oferece cursos presenciais, cursos in company — com 1 500 frequentadores nos últimos dois anos — e consultorias.

Santiago Andreuzza, 31 anos, é um dos seis sócios à frente do Aerolito. Gaúcho daqueles que não dispensam um churrasco, ele passou pelas gigantes Dell e HP, e por outros dois empreendimentos locais de base digital, ambos vizinhos na Área 51 e que tinham vínculos umbilicais (hoje desfeitos) com sua atual empresa: a escola criativa Perestroika e a desenvolvedora de softwares Bode.

Nesta entrevista, ele fala sobre sua formação, empreendedorismo, tecnologia e criatividade, explica o que é o Oli (nova plataforma de ensino do Aerolito), e conta como a sua empresa busca soluções que, “pelas lentes do futurismo”, possam ser desenvolvidas já.

 

Como a sua formação instigou seu lado empreendedor?
Sou filho de pai militar paulista e mãe uruguaia, morei em 13 cidades diferentes. Tenho uma única irmã, hoje com 36, e quatro sobrinhos, em Uruguaiana [cidade gaúcha na fronteira com a Argentina], e eu, em Porto Alegre, onde moro junto e tenho um filho de 3 anos.

Meu pai foi para o colégio militar aos 11 anos, não conheceu outras possibilidades, tipo ser advogado ou dentista. Eu tive essa oportunidade de escolha, cursei sistemas da computação na PUC-RS. Mas nunca tive zona de conforto

Tive uma base, mas não estabilidade. Saí da escola aos 15, promovi algumas iniciativas com software, aprendi a programar, fiz sites. Depois fiz supletivo aos 18, entrei na faculdade. Desenvolvi uma enorme capacidade de arrumar soluções rápidas e me virar financeiramente. Eu olho para frente, tenho sonhos e quero seguir criando.

Onde a tecnologia e a educação se encontraram na sua vida?
Conheci na HP meus sócios com os quais fundei a Bode, que se tornou o braço de tecnologia da Perestroika. Em 2016, criei o Aerolito com um dos fundadores da Perestroika, Tiago Mattos. Me dei conta que desenvolver software era bacana, mas meu grande tesão, meu norte, era fazer algo realmente transformador pela educação, torná-la acessível.

Como você descreve o que o Aerolito faz?
O Aerolito é um laboratório de exploração e aceleração de cenários que viabiliza a conexão de pessoas e empresas com o mundo digital e pós-digital. Isso é o está lá nos nossos canais institucionais. O que a gente faz? Desenvolvemos plataformas digitais voltadas à educação, além de dispositivos tecnológicos e consultorias empresariais.

Entre essas tecnologias, destaco prototipação de dispositivos de Internet das Coisas (IoT), chatbots e instalações imersivas com apoio da realidade virtual mista e aumentada, que apresentamos este ano na primeira edição do Tech Art Festival, em Porto Alegre. Nossa ideia é explorar possibilidades de implementação em escala e estudar seus impactos na sociedade. Ao antecipar futuros, somos uma scale-up que quer viabilizar apenas o que é factível hoje.

Já receberam algum aporte externo?
Não. E, se isso acontecesse, acredito que os investidores iriam cobrar essa conta lá na frente. Eles querem ganhar em cima de ti. Não queremos perder a independência e a liberdade de ser quem somos e fazer como fazemos.

Que tipo de impedimento ou restrição profissional você já experimentou e que não cabe mais na sua vida?
Historicamente, as empresas grandes cresceram se pautando por processos, desenvolvidos por consultorias, e elas ficaram com a execução. Com isso, perderam a criatividade endógena.

Os caras têm o desafio de inovar e não conseguem mais. Daí a cultura do medo, da incapacidade. Isso é uma barreira importante. Hoje ajudamos as empresas a resgatarem essa criatividade interna

Sabemos que cobramos mais caro, mas é o que fazemos como diferencial. A gente não só inspira, mas mostra como faz.

E como se faz para resgatar a criatividade, uma vez que ela se perdeu?
Usamos no Aerolito o chamado walk the talk. Temos de experimentar muito o que a gente fala sobre negócio: testamos internamente para poder dizer com propriedade, e também com o intuito de colher aprendizados.

Por exemplo, desde questões sobre governança, ou officeless, flexibilizando trabalho remoto entre os nossos, ou ao apostar na digitalização da nossa empresa com o Oli, ou ainda quando acreditamos na descentralização e criamos a criptomoeda Baran [em estágio beta, a ser ser implementada no fim de 2019].

Claro, guardadas as proporções, somos pequenos diante de algumas empresas gigantes. Inspiramos, explicamos conceitos e entregamos ferramentas. Contamos muitas histórias legais, trazemos cases de inovação, estudamos, criticamos, fazemos nossa interpretação do que deu certo, do que falhou.

Pode explicar a metodologia?
Reunimos referências, criamos uma hipótese e desenvolvemos uma tese autoral. Por exemplo, fizemos um projeto sobre pontos de venda para a Unilever, que está buscando a reinvenção em pontos de contato com o cliente. Para isso, usamos nossa equipe interna, mapeamos as melhores referências, daqui e de fora, desde o que já foi reconhecido ao que ainda não foi, o que tem potencial de nos impactar… Estudamos o mercado, produzimos muito conteúdo sobre isso e devolvemos para o cliente esse arsenal, explicando como aplicá-lo, inclusive com nossas ferramentas. E, óbvio, aprendemos muito [no processo].

Qual é o diferencial de vocês como consultoria empresarial?
Existe quem entrega só inspiração ou só conceito, e quem entrega só ferramenta. Nosso diferencial é esse: entregar um pouco de tudo, ser muito autoral ao pegar referências muito qualificadas, sobre exponencial organizational, por exemplo.

Apenas mostrar um vídeo e debater sobre o tema é óbvio. O que fazemos é mostrar as armadilhas de exponential organization. Fazemos leituras desse assunto com o nosso olhar e sua aplicação na prática

Temos a intenção de entregar uma visão de futuro, tentando passar uma hipótese para chegar lá. Tomamos muito cuidado em ser consistentes, práticos e de [garantir que] o que entregamos seja factível e replicável desde já.

Que erros você aprendeu ou vem aprendendo a evitar?
A falta de paciência, a afobação, a ansiedade, que nos tiram a oportunidade de fazer as coisas com mais calma. Por isso, pratico o hiperfoco, procuro manter a clareza do que é necessário, prioridade, sem dispersão, com qualidade de tempo e vontade, como mantras. O Tiago [Mattos] me ensinou isso.

Que problemas reais vocês enfrentaram e como resolveram?
Tanto a separação da Bode, em 2016, como a busca pela independência. Até porque muito do dinheiro vinha desse braço de tecnologia. Por conta disso, em 2017, ficamos devemos grana para a Bode. Daí criamos um plano, estruturando cursos para ganhar dinheiro, dar visibilidade de marca, fazer a Conference internacional e pagar nossa dívida. E conseguimos. Não fazemos um planejamento estratégico tradicional, mas uma imersão de sócios a cada três, quatro meses, e revemos sempre que necessário.

Qual é a principal fonte de receita para vocês?
A maior parte, quase 90%, vem dos cursos online, porque estamos apostando e investindo cada vez mais no digital. Daí o Oli, que consumiu 200 mil reais até agora, e ainda não está rentável com as assinaturas. Temos ainda os cursos presenciais, que captam outros jobs, por meio de nosso público, a grande maioria dele vindo de empresas. E as palestras e consultorias.

O sexteto de sócios (da esq. à dir.): Luciano Liranço, Tiago Mattos, Santiago Andreuzza, Carolina Correa, Igor Harres de Oliveira e Simone Gasperin (crédito: divulgação).

Temos feito coisas diversas, como a criação de KPIs para Alelo; a montagem de um time de inovação para o grupo educacional Pearson, traçando o perfil desejado ao recrutamento; desenhando uma spin off para a Unilever; além de cursos in company de educação corporativa, aculturamento digital (workshop expositivo e hands on, criação de chatbot, dispositivos de IoT, para empresas como Itaú, Petrobras, Renner, Natura, FCA, Banco do Brasil, Sicredi, Vale e AmBev, até um cartório notarial — não temos restrição de atendimento. Temos uma espinha dorsal de metodologia, depois customizamos para cada cliente.

O que é o Oli? E qual o seu objetivo?
É uma plataforma de multiaprendizagem digital, inaugurada em janeiro último. Tem várias funcionalidades, entre elas uma biblioteca, um feed de notícias colaborativo, um acervo de encontros de cocriação com protagonistas e “future hunters” de tendências do futurismo do Brasil e exterior.

O Oli recebeu esse nome em uma reverência mais que justa e merecida ao Oswaldo Oliveira, um mestre e amigo que inspirou uma geração de empreendedores criativos no país, morto em dezembro de 2017

É o Oli quem hospeda hoje a nova edição do curso online do Friends of Tomorrow (FoT), antes ancorado na MIR, a plataforma EAD da Perestroika, berço do qual o Aerolito já se desprendeu. Lançado como serviço de assinatura em abril, o Oli registrou em uma semana mais de 500 assinaturas entre a base de 2 000 ex-participantes do FoT, desde 2015. Foram eles os primeiros convidados a testar gratuitamente sua versão beta.

Queremos, com o Oli, fazer o melhor da educação, via digital, democratizando-a e chamando a galera para cocriar com a gente.

Quais foram as dificuldades que vocês enfrentaram no desenvolvimento do Oli?
Talvez a maior dificuldade tenha sido levar para o Oli a experiência de aprender de forma descontraída, ao mesmo tempo organizada e altamente qualificada. A ideia é permitir acesso ilimitado a um conteúdo curado e nutrido por todos nós. A única barreira de entrada de novos conteúdos é a justificativa de por que o curador gostou daquilo, argumentando.

E qual é o principal desafio a seguir?
Acredito que seja a gente buscar essa auto-obsolescência insana de uma forma saudável. A gente se perde ao tentar ser muito diferente, precisamos tangibilizar e executar nossas ideias de maneira sustentável. Criar algo que, pelas lentes do futurismo, seja passível de desenvolvimento hoje.

 

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