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“Nas empresas, se fala pouco em sustentabilidade política. E ela é condição fundamental”

Cláudia de Castro Lima - 16 jul 2019 Cláudia de Castro Lima - 16 jul 2019
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Só quem tem informação tem capacidade de discernimento. E só quem tem capacidade de discernimento consegue fazer boas escolhas – inclusive (ou especialmente) nas urnas. 

Essa é a ideia por trás de uma ação que a holding investidora Votorantim fez no ano passado não apenas para seus funcionários, mas para quem estivesse disposto a participar. O projeto, chamado Guia do Voto, incluiu um livro, que podia ser baixado gratuitamente por meio de um site, e um aplicativo.

Mas por que uma grande empresa, apartidária, resolveu se envolver com um tema tão árido, principalmente em tempos tão polarizados como os atuais?

Foi isso que Maurício Mussi, gerente jurídico e de relações institucionais da Votorantim, e o cientista político Humberto Dantas, que participou da campanha, contaram neste bate-papo.

Ele foi realizado durante o Votorantim.hub, evento que aconteceu entre 14 e 15 de maio em São Paulo, no qual as sete empresas que compõem o portfólio da holding investidora mostraram suas jornadas de transformação nos últimos anos e como pensam o futuro. O tema do evento era inovação – tudo a ver com projetos como o Guia do Voto, que pretendem tratar sobre cidadania e política em uma grande corporação.

O que é uma cultura de cidadania e por que é importante uma empresa desenvolvê-la?

Humberto Dantas – Podemos conceituar cidadania como um estado generalizado de consciência acerca do nosso papel na sociedade. Uma sociedade minimamente preocupada com a lógica da cidadania é uma sociedade em que os indivíduos, de uma maneira geral, adquirem um grau de consciência bastante significativo do seu papel de cidadão. E isso significa a garantia de três conjuntos de direitos: os civis, os políticos e os sociais.

Temos que partir de uma mínima lógica de informação para viver em sociedade. Depois, se a gente vai concordar, discordar, brigar, lutar a favor, contra etc., isso faz parte também dessa conquista e desses direitos funcionando de forma plena. Mas essa consciência é essencial. E aí você começa a falar da empresa cidadã, do indivíduo com um mínimo de capacidade de enxergar o que significa a conquista desses direitos.

Claro que as empresas podem contribuir com isso. O poder público tem obrigação disso, o cidadão tem a obrigação com os demais cidadãos e com ele de contribuir com isso

E a gente vai criando esse estado geral de cidadania associada à ideia da consciência.

Maurício Mussi, gerente jurídico e de relações institucionais da Votorantim, e o cientista político Humberto Dantas

A Votorantim resolveu abraçar uma causa política com o Guia do Voto. Qual é o benefício disso para a empresa?

Maurício Mussi – O projeto não foi pensado como algo que vá trazer um benefício direto para a empresa. Isso é uma bandeira institucional, legítima, que a Votorantim escolheu como uma forma de ajudar o país.

No âmbito empresarial se fala muito em sustentabilidade, em temas sociais, ambientais, econômicos. E se fala pouco em sustentabilidade política, em estabilidade política. Quando isso, na verdade, é condição fundamental para todo o resto.

Não adianta nada estar tudo funcionando quando não se tem um cenário político minimamente estável. Acho, portanto, que foi uma escolha acertada da empresa trabalhar um tema que se reverte para todo mundo, se reverte para a sociedade como um todo, é para o bem do Brasil.

Humberto – É muito especial ver uma empresa se envolvendo com política. Muito poucas companhias têm essa coragem, essa visão, essa capacidade de enxergar que o ambiente democrático é indiscutivelmente o melhor ambiente para ser vivido do ponto de vista da estabilidade jurídica, do desejo das maiorias e dos limites estabelecidos pelas regras criadas conjuntamente.

Como esse projeto se desenhou?

Maurício – O processo interno partiu muito da aspiração da liderança da empresa, do próprio João Miranda, presidente da Votorantim. A gente tem algumas bandeiras institucionais, já trabalha com melhoria de ambiente de negócio.

A bandeira da cidadania foi uma escolha por causa do momento em que a gente vivia no ano passado, com as pesquisas mostrando um grande número de indecisos. Surgiu essa ideia de fazer alguma coisa para ajudar o eleitor a votar de forma mais consciente. A inovação se deu com base em tentativa e erro.

E ele vai ter uma segunda fase?

Maurício – Temos eleições municipais ano que vem. Mas não vamos só trabalhar esse tema.

Já fizemos um exercício grande de debate no sentido de pensar o que precisamos desenvolver nas pessoas para que elas consigam ser cidadãos mais completos, mais conscientes. E que, dentre as suas atribuições, elas consigam votar melhor

Então a gente vai trabalhar desde conceitos como o que é ser um cidadão, o que é ser um cidadão dentro da comunidade da pessoa até o que é a comunidade dentro da cidade – e o que é uma cidade? Quais são os atores na cidade? Que tipo de papel o cidadão pode desempenhar de fiscalizador, cobrando, monitorando os eleitos? Vai ser mais ou menos nessa linha.

Ele vai incorporar então também conceitos éticos?

Humberto – Sim. Vai incorporar conceitos éticos, vai puxar para a reflexão e acho que vai trabalhar com outros dois conceitos absolutamente essenciais na vida de um indivíduo inserido em uma lógica de cidadania, que são os de pertencimento e responsabilidade.

O cientista político Humberto Dantas, parceiro da Votorantim no projeto Guia do Voto

Isso é uma coisa aparentemente básica, mas muito desafiadora para nós, na nossa realidade enquanto sociedade. Eu não vou dizer enquanto país, porque nosso país é uma coisa muito grande. Acho que se as pessoas se sentissem responsáveis e pertencentes a sua cidade, e, nas grandes cidades, se as pessoas se sentissem minimamente responsáveis por seus bairros, a gente já daria um passo significativo no que diz respeito à condição de acreditar mais em nós mesmos.

A gente acredita ou desacredita muito facilmente nos discursos, nos partidos, nas lideranças políticas, que são fundamentais para uma lógica da democracia. Mas, enquanto não nos definirmos nesse jogo, a gente vai continuar correndo risco de ter a sensação de que estamos errando ao escolher os nossos representantes.

O quanto um programa desses interfere no próprio funcionamento da empresa, nos relacionamentos, no jeito de trabalhar? Porque você está cobrando democracia, então quer viver num ambiente democrático, certo?

Maurício – Nas conversas que a gente teve, tudo gira em torno do respeito. Por isso, no ambiente polarizado em que a gente está vivendo hoje, de pouca tolerância, de descrença na política, o que a gente quer é que as pessoas saibam tirar o fígado da conversa e respeitar a posição do outro.

Quais os maiores desafios de grandes empresas na incorporação, de uma forma mais generalizada, de práticas mais responsáveis, sejam elas socioambientais, de cidadania, de política?

Maurício – Acho que o primeiro desafio é obviamente saber até onde pode ir. Há várias questões com as quais precisamos lidar, que são direitos pessoais, são questões que não estão disponíveis para ser negociadas e que uma empresa, por mais bem intencionada que esteja, não pode ultrapassar. Seja por motivos éticos, legais, morais. Minha experiência na Votorantim mostra que a companhia, como um todo, é muito consciente disso. Existe muito respeito.

É preciso também não tentar interferir nem posicionar os funcionários em determinado caminho. A neutralidade é algo muito importante para tratar temas delicados como esses

Outro ponto: se fala muito na licença social de operação. A empresa tem que dialogar, a empresa tem que ter ouvidos, a empresa tem que escutar o que as pessoas, seja o seu público interno, seja a comunidade onde ela está atuando. Ela ter que escutar, no entanto, não quer dizer que vá concordar com tudo que se coloca, mas esse diálogo tem que estar aberto até para a empresa entender onde ela está inserida e entender os impactos da sua atuação, além de compreender como pode ajudar a comunidade onde ela está, e assim por diante.

Acredito que os desafios são esses. E não existe uma tecnologia para lidar com isso. Acho que vai muito das pessoas que estão lá conduzindo as ações das empresas.

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