Uma “válvula de escape”. Era o que Thais Pugliese buscava para suportar o estresse profissional, no fim de 2012, quando participou pela primeira vez de um retiro de Yoga. Nos últimos quase sete anos, ela embarcou em 45 viagens nesse estilo — sendo que, em 35 delas, no papel de organizadora e “agente de mudanças”. Arquiteta de formação, Thais, 41, é sócia da InovarTour. A empresa de turismo de experiência leva grupos de 10 a 15 pessoas em viagens repletas de vivências e atividades que convidam à autotransformação.
Os retiros da InovarTour são desenvolvidos em conjunto com facilitadores-parceiros. O mais recente ocorreu no início de julho, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Cada participante do “Yoga Roots 4”, com facilitação da educadora física Vanessa de Luca, pagou 2 700 reais por alimentação, hospedagem, transfer ida-e-volta do aeroporto de Brasília e quatro dias de detox digital e descanso mental no Santuário Osho Lua, onde não há wi-fi ou eletricidade:
“Sim, é um lugar sem energia elétrica, sem interferências eletromagnéticas, sem contato com nada, onde ficamos em chalés de madeira. Só que o lugar é um paraíso. As pessoas voltam de lá encantadas e começam a repensar a relação com a natureza”
As viagens obedecem quatro pilares fundamentais: ecoturismo sustentável, por meio do contato respeitoso com a natureza; vivências corporais (em geral, com Yoga ou Chi Kung, prática milenar chinesa que promove a circulação harmoniosa de energia para favorecer a calma, o bem-estar e o desempenho); alimentação consciente, com ingredientes orgânicos e menus veganos ou vegetarianos; e dinâmicas de autoconhecimento.
O uso de dispositivos eletrônicos não é proibido, embora seja frequentemente inviável devido à falta de sinal. Instigar os clientes a desconstruir a noção de impossibilidade de desligar-se, mesmo que por poucos dias, é sempre um objetivo. E o primeiro passo é conhecer essas pessoas que vão participar do retiro. Por meio de uma pesquisa prévia, a empreendedora identifica hábitos, alergias alimentares e obtém contatos de emergência.
Antes de cada saída, é firmada uma carta de acordo, que formaliza as condições de contratação e as particularidades da jornada. No Carnaval deste ano, por exemplo, em que Thais levou um grupo a uma comunidade ribeirinha em Alter do Chão, na Amazônia paraense (num retiro em parceria com Karina Miotto, da Reconexão Amazônia), a carta explicava que o cliente iria para uma região onde há animais selvagens, que eventualmente poderiam se aproximar. “Trazer clareza nas informações ajuda muito. Quem lê aquilo e não se afina já nem fecha a viagem.”
EM CURSOS E WORKSHOPS, THAIS IDENTIFICA POTENCIAIS FACILITADORES
A empreendedora está sempre presente durante os retiros, atenta tanto ao checklist do turismo tradicional, conferindo acomodações e alimentação, quanto ao andamento da programação, monitorando e participando das atividades, controlando horários para respeitar a agenda proposta e dividindo experiências pessoais nas rodas de conversa. Por conta dessa relação aberta, Thais colhe muitos feedbacks, in loco e pós-viagem, aplicados depois para melhorar serviços ou desfazer parcerias com facilitadores, quando for o caso.
“Resolvo problemas e também vivencio, partilho coisas. Isso cria uma relação muito próxima. Os clientes sentem que tem uma pessoa ali de verdade. Não estou ali representando um papel”
Thais participa previamente de workshops, cursos e formações com potenciais facilitadores para, em seguida, abordá-los com a proposta de transformar seus conteúdos em retiros cocriados. “O processo é: sentamos eu e o facilitador e eu explico os lugares com quem eu trabalho, falo dos pilares, de trazer alimentação saudável, contato com a natureza e, juntos, criamos o formato. Os valores são sempre abertos.” O facilitador recebe, em geral, 40% dos lucros e fica incumbido de moderar as vivências e divulgar a viagem em suas redes.
A empreendedora, por sua vez, cuida de fechar os espaços (pousadas, hotéis, barcos etc.), definir agenda com facilitadores coadjuvantes (ocasionalmente, ela chama gente para dar um workshop de culinária ou ministrar uma prática corporal, por exemplo), gerenciar a venda dos pacotes por meio do site e montar os kits de boas-vindas de parceiros como B.eat e Armazén Cerealista. “Fazemos parcerias para promoção das marcas e elas divulgam os retiros nas redes digitais delas. É um marketing mais light, não-agressivo.”
NO PASSADO, A ROTINA PESADA FEZ THAIS DESENVOLVER SÍNDROME DO PÂNICO
Antes da InovarTour, Thais trabalhou por 13 anos como arquiteta e chegou a abrir o próprio escritório. Fechou as portas depois de um ano. “Acho que não estava pronta. Empreender é supercomplicado. Não é só ter conhecimento técnico, que eu tinha. É conseguir o cliente, manter o relacionamento…”
Em 2009, ela migrou para o mercado imobiliário, onde ficou mais sete anos. Combinando as habilidades técnicas de arquitetura com as competências de marketing, adquiridas por meio de um MBA, ela atendia 15 incorporadoras. “Eu fazia parte da equipe que pensava em como pegar um prédio e desenvolver uma campanha publicitária, como fazer um estande decorado para vender”, diz.
Foram anos de rotina pesada, em que Thais impôs ao seu corpo um ritmo antinatural. “Eu tomava remédio para não menstruar, porque queria estar sempre produtiva, que nem uma máquina. Acabei tendo Síndrome do Pânico.” Durante um ano e meio, ela fez tratamento com antidepressivos e medicação específica para dormir, a fim de espantar a ansiedade.
“Comecei a me questionar, pensar que aquele trabalho não fazia sentido. Entendi que estava muito desconectada de mim mesma. Minha alma gritava: ‘pare!’. Isso foi no final de 2012, quando se falava no ‘fim do mundo’. Para mim, de alguma forma foi o fim do mundo… De como eu levava a minha vida”
Em busca de reequilíbrio, Thais tinha começado a participar de retiros. Após um deles, na Chapada dos Veadeiros, teve um insight: engatar um coaching e planejar uma transição de carreira. Ao voltar a São Paulo, achou uma profissional que usava o método Coaching com Alma. Pragmática, ela não entendeu o alerta de que “as coisas começam a se movimentar” quando se inicia um processo do tipo. “Disse: ‘tudo bem’. Seis meses depois, fui demitida.”
A COMPRA DA AGÊNCIA AJUDOU A REINVENTAR A RELAÇÃO COM A MÃE
A mãe de Thais, Rosa, trabalhava como diretora de RH e dava aulas, mas resolveu dar uma guinada em sua própria vida comprando o negócio de uma amiga — uma agência de turismo em esquema home office, sem funcionários, mas que já contava com uma base de clientes e roteiros tradicionais alimentados pela plataforma Toursite, mediante uma mensalidade. Thais então ouviu de sua coach: por que ela não entrava como sócia? Poderia ser a chance de uma mudança de carreira e de uma nova harmonia na relação entre mãe e filha.
Em junho de 2015, um mês após perder o emprego, Thais e sua mãe, juntando 37 mil reais, compraram a InovarTour, que já tinha esse nome. Em pouca semanas, ela se deu conta de que corriam sério risco de quebrar. Afinal, ninguém mais contratava agência: cada vez mais, os viajantes alugavam um Airbnb ou reservavam hotel e passagens aéreas diretamente em plataformas online. “Deu um pânico enorme. Pensei que tínhamos comprado um mico.”
Thais vislumbrava um turismo criativo, misto de meditação com ecoturismo. Conversando com uma amiga, veio a ideia de aproveitar sua experiência participando de retiros para montar viagens especiais. Assim, no susto, sem saber se daria certo, Thais desenhou o primeiro retiro em parceria com a marca de roupas Yogini e o estúdio YogaFlow (onde fazia aula há oito anos). Agendou para outubro de 2015: eram 18 vagas para quatro dias em um hotel em São Bento do Sapucaí (SP), a partir de 1 400 reais por pessoa. A viagem lotou.
Ao longo dos anos, o boca-a-boca deu fôlego à empreitada. Dentro da diversidade de propostas, o próximo retiro — o sexto e último deste ano — será uma “Imersão em Escrita Intuitiva“, com facilitação do escritor e roteirista Gustavo Tanaka e participação da ilustradora Lina Rinaldis. O preço de 1 700 reais por pessoa inclui alimentação vegetariana, hospedagem e vivências num sítio em Morungaba (a cerca de 100 quilômetros de São Paulo), durante dois dias na primeira quinzena de outubro.
Seis retiros já estão programados para 2020. A busca de Thais é para que seus clientes possam dar uma pausa no dia a dia e mergulhar nas suas questões e escolhas. “Já vi tanta coisa… Gente mudando tudo, largando emprego, terminando casamentos, encerrando fases de vida que haviam se esgotado…”, diz a empreendedora. “As viagens são para a pessoa conseguir [se] enxergar. Não sei se ela vai se transformar. Mas vai adquirir outro olhar.”
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