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O Catarse entrou em crise, passou por reestruturação e agora se prepara para alcançar arrecadação recorde

Tainã Bispo - 24 jul 2019
Rodrigo Machado, fundador e CEO do Catarse.
Tainã Bispo - 24 jul 2019
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Parecia que tudo ia bem. Era assim que o pessoal do Catarse, site de financiamento coletivo lançado em 2011, enxergava sua jornada até 2014. No ano seguinte, porém, inexperiência financeira, problemas de gestão de equipe e a chegada de um concorrente mais assertivo se combinaram numa “tempestade perfeita” que quase afundou a empresa.

Desde 2016, estamos numa corrida de recuperação”, diz Rodrigo Machado, CEO, cofundador e um dos cinco sócios do Catarse. “Este ano, pela primeira vez, conseguimos tirar a cabeça para fora d’água.” 

Hoje, a equipe tem 12 pessoas (incluindo sócios), menos do que em 2013. A arrecadação, porém, vem crescendo. No primeiro semestre de 2019, foram R$ 12,5 milhões, valor ligeiramente maior do que todo o montante de 2015. A expectativa é chegar ao fim do ano com R$ 30 milhões, um salto de quase 50% em relação aos R$ 20,5 milhões de 2018. 

Ao todo, em oito anos, a plataforma já arrecadou R$ 105 milhões através de 10 mil projetos inscritos e 614 mil apoiadores. O Catarse fica com uma comissão de 9% sobre os valores (outros 4% são destinados ao Pagar.me, parceiro de pagamento da plataforma). 

A CONCORRÊNCIA E A POSTURA REATIVA FORAM CAUSAS DO REVÉS DE 2015

Rodrigo diz que 2015 foi um ano de mudanças. O Catarse passou a ter um CEO e adotou uma estrutura um pouco mais convencional. Até então, tudo era decidido em um comitê de quatro pessoas, e os salários, definidos conforme a necessidade de cada um. O mercado de crowdfunding entrava numa fase de amadurecimento. “Até aquele momento, mais de 20 plataformas de financiamento coletivo tinham sido lançadas e mais de 80% delas morreram.”

No time de “sobreviventes”, duas empresas cresciam em importância no financiamento coletivo de recompensa (diferente da modalidade de doação, ou “vaquinha”) e são, até hoje, as principais concorrentes do Catarse: a Benfeitoria, criada em 2011, e o Kickante, de 2013. 

“O Kickante atuava de uma maneira à qual não estávamos acostumados, com uma postura assertiva em aquisição de projeto”, diz Rodrigo. “Esse não era nosso perfil. Nós trabalhávamos de forma mais orgânica, cuidando da gestão de comunidade.” 

O Catarse reagiu com contratações: o time cresceu de 13 para 25 pessoas em poucos meses, com escritórios em São Paulo e Rio. A expansão se revelou um “passo maior do que a perna”. 

“O grande problema de 2015 foi esse: contratamos bastante, mas mantivemos uma postura reativa. Ficávamos esperando as demandas para ‘atacar’. Tudo isso causou uma disrupção no nosso caixa. Queimamos recursos e terminamos o ano com prejuízo significativo”

Um diagnóstico mostrou que a situação era complicada. E, numa reunião em dezembro, foi decidido por votação que Rodrigo assumiria como CEO a partir de 2016. “Me colocaram na fogueira sem eu ter pedido. Não me sentia preparado”, diz. “Ao mesmo tempo, a vontade de resolver e continuar seguindo com o Catarse era tão grande que não dava para fugir.” 

CORTES, HOME OFFICE E AUTOMAÇÕES DEIXARAM A EMPRESA MAIS ENXUTA

Após uma reflexão sobre os erros, a primeira medida foi cortar mais da metade da equipe. Além disso, decidiram abraçar de vez a ideia de ser uma empresa remota e fecharam os escritórios físicos. O time, uma dúzia de profissionais, está espalhado por sete cidades. Um dos sócios mora na Austrália e o próprio Rodrigo vive em Florianópolis.

Parte da operação foi automatizada. Na triagem de atendimento, dúvidas e reclamações agora podem ser resolvidas em modo “self-service”. Em 2015, a equipe do Catarse atendia 4 mil chamados mensais; hoje, esse número caiu para mil. “Oferecemos ao realizador a possibilidade de se ‘auto-resolver’ e mantivemos o índice de satisfação em 85%.” 

Outra medida foi abolir a curadoria, automatizando o lançamento de campanhas. Desde 2016, os realizadores inscrevem os projetos na plataforma sem análise prévia do Catarse. A decisão se deu a partir de uma comparação entre Youtube e Vimeo, que nasceram num intervalo de apenas dois anos. “Porém, a Vimeo fazia curadoria; o Youtube, não”, diz. “O Youtube ganhou uma super tração enquanto a Vimeo se tornou uma plataforma de nicho.”

Em 2016, enquanto a política pegava fogo, a plataforma acolheu a campanha “Jornada pela Democracia”, lançada por duas amigas de Dilma Rousseff para ajudar a financiar viagens pelo país da então presidente, que enfrentava o processo de impeachment. Mais de 11 mil pessoas contribuíram com cerca de R$ 790 mil, o equivalente a 158% da meta projetada.

“Esse projeto deu as bases para o que seria o time depois. Pois tivemos que nos mover tão rápido… Na época, optei por fazer tudo de forma diferente. E o aprendizado foi tamanho que o levei para a nossa gestão do dia a dia”

A partir desta campanha, a equipe passou a trabalhar com cronogramas e ações semanais e priorizar pequenas e constantes mudanças em vez de grandes modificações no produto. As reuniões foram reduzidas, privilegiando-se a autonomia e a circulação de informações.

NOVAS MODALIDADES DE CAMPANHA AJUDARAM A ALAVANCAR O CRESCIMENTO

As categorias de produtos hoje são três. A maior parte da arrecadação, 40%, advém das publicações (livros e conteúdo jornalístico). O restante é dividido em dois grandes grupos: causas sociais e artes (incluindo projetos ligados a música, teatro e dança).

No início, a plataforma trabalhava apenas com projetos “tudo ou nada”, em que o dinheiro é devolvido aos contribuidores quando a campanha não atinge a meta. Para se contrapor a um diferencial do Kickante, o Catarse lançou em 2016 a modalidade “flex”, em que os donos dos projetos podem retirar o valor arrecadado, independentemente da meta estipulada. 

Em 2017, o leque foi ampliado com uma terceira modalidade: assinaturas. Até por ser mais recente, é a que mais cresce, com aumento de 340% em relação ao primeiro semestre de 2018. A modalidade tem sido utilizada para financiar projetos jornalísticos hospedados no Catarse, como o podcast de entrevistas Mamilos, com mais de 2,3 mil assinaturas mensais. 

O exemplo mais contundente é o The Intercept Brasil, que conta com 10 mil assinaturas mensais via Catarse e, segundo Rodrigo, teve o número de assinantes impulsionado a partir da série de reportagens em curso divulgando conversas do então juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato (em entrevista recente ao El País, Glenn Greenwald, editor e cofundador do The Intercept, disse que o apoio dos leitores no Brasil “disparou”). 

“Mais do que as arrecadações em si, o Intercept e o Tormenta são representações da força de comunidades que se juntam ao redor de interesses comuns”

Rodrigo se refere ao projeto Tormenta 20, da editora gaúcha Jambô, que celebra 20 anos do RPG Tormenta. Em dois meses (na modalidade “tudo ou nada”), a campanha foi apoiada por 6.100 pessoas e arrecadou R$ 1,9 milhão, ou 2344% do valor projetado. O hype foi tão grande que o site do Catarse ficou fora do ar por 22 minutos. Segundo o CEO, trata-se do maior caso de financiamento com recompensa do Brasil. 

NO FUTURO, A PLATAFORMA VISLUMBRA ATUAR TAMBÉM NA LOGÍSTICA

A recorrência hoje responde por 46% da arrecadação. “Diminuímos o volume de projetos que chegam de forma orgânica e passamos a nos dedicar à retenção, fazendo a gestão da comunidade.” No primeiro semestre, o Catarse recebeu R$ 5,7 milhões para campanhas de realizadores que já haviam utilizado a plataforma, 168% a mais que no mesmo período de 2018 (ano em que o número de apoiadores recorrentes, por sua vez, havia crescido 35%). 

Além da cultivar a recorrência, o Catarse perdeu o medo de testar. No fim de 2018, lançou a marca Multidão com a proposta de criar um fundo para financiar jornalistas. “Desativamos três meses depois. Fazemos coisas assim. Prototipamos e, se sentimos que não vai gerar os resultados ou irá exigir mais recursos que estávamos calculando, desativamos.” 

O código do Catarse é aberto e pode ser licenciado gratuitamente pelo MIT License. Desde 2017, a partir da criação do Catarse Assinaturas, a empresa vem migrando esse código para rodar APIs (Interfaces de Programação de Aplicativos); no médio prazo, o plano é possibilitar aos realizadores das campanhas customizar o site do projeto com botões de pagamento, por exemplo, e, no limite, criar sua própria página de financiamento coletivo.

No horizonte, o Catarse mira buscar investidores e tirar ideias do papel. Uma delas é ajudar a solucionar dores de quem produz e vende livros. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o faturamento do mercado editorial brasileiro encolheu 25% entre 2006 e 2018, de R$ 6,8 bilhões para R$ 5,2 bilhões. 

“Queremos entrar de forma mais intensa na cadeia do mercado editorial. Hoje somos uma plataforma de crowdfunding, mas nada nos impede de colocar um ‘pezinho’ na logística, por exemplo, facilitando a entrega para os livreiros ou o envio de livros comprados pela plataforma.”

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