Ela pode ser considerada uma garota precoce. Determinada. Perfeccionista. Corajosa. Bia Santos é tudo isso e muito mais. Técnica em Administração pelo CEFET/RJ, graduada em Administração pela UFRJ e UPorto e pós-graduanda em História e Cultura Africana e Afro-brasileira pelo IPN, ela passou por dois estágios em empresas públicas. “O segundo estágio, na Escola de Educação Financeira do Rioprevidência, foi um impulsionador para a fundação da Barkus, já que eles também desenvolviam oficinas sobre educação financeira”. Assim, com apenas 20 anos ela começou a empreender e não parou mais. Hoje, aos 23, ela é CEO da Barkus, uma empresa voltada para a educação financeira de jovens e, como ela mesma diz, enfrenta uma correria insana maravilhosa.
Como surgiu a ideia de empreender?
Sempre brinco que o empreendedorismo me pegou desprevenida, porque não foi planejado. Quando me dei conta, estava abraçando meu propósito, organizando os números, atendendo clientes e tocando um negócio. Para mim, foi algo bem orgânico. Comecei a empreender a Barkus há 3 anos, mas percebi que tenho essa atitude desde a adolescência. Sempre tive o perfil de aceitar todos os desafios, me jogar, dar o meu melhor, mesmo sem saber o que viria. Essa atitude sempre esteve em mim, mesmo não tendo um negócio. Mas só fui entender isso de verdade há pouco tempo.
Como nasceu a Barkus?
A Barkus surgiu de um projeto de iniciação científica de ensino médio em 2012. É uma história curiosa. Eu, Marden e Wallace, os fundadores, estudávamos na mesma sala de aula durante o ensino médio. A escola abriu uma chamada para projetos de pesquisa e topamos o desafio de participar. Buscamos professores orientadores e decidimos pesquisar sobre o comportamento do consumidor jovem. Em 2012, não se falava em crise. Então propusemos a Educação Financeira como a solução para o problema de consumo exagerado e sem planejamento, depois de realizar uma pesquisa com mais de 200 jovens. O que fizemos foi, literalmente, traduzir o economês dos livros sobre educação financeira para uma linguagem jovem, divertida e mais leve. Levamos o projeto para algumas feiras de ciências no Brasil, mas aí chegou o vestibular e nos afastamos. Já em 2015, na graduação, nos reencontramos e percebemos o quanto ter tido acesso a aqueles conhecimentos foi importantíssimo. Apesar da crise já instalada, nós tínhamos um controle financeiro, um planejamento organizado de curto, médio e longo prazo e já investíamos. Foi ali que tudo começou: decidimos unir os propósitos e espalhar a educação financeira para mais e mais jovens como nós.
Explique-nos como funciona o negócio?
A Barkus é um negócio de impacto social de inclusão e educação financeira com foco em grupos minorizados. Desenvolvemos cursos e oficinas através de metodologias práticas de aprendizagem, ou seja, de forma divertida, com linguagem facilitada e muita mão na massa. Hoje, temos dois produtos principais: o Libertas e o Atlas. O Libertas é uma metodologia voltada para grupos, que trata da organização dos gastos, planejamento para objetivos, uso do crédito de forma consciente, introdução a investimentos e investimentos de renda fixa; o Libertas é como um remédio financeiro, voltado para jovens e adultos que já começaram suas vidas financeiras e precisam desenvolver um comportamento financeiro mais saudável. Desenvolvemos o Libertas em empresas, através de projetos personalizados, e sempre abrimos turmas próprias. Já o Atlas é um curso livre de educação financeira para crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais; ele funciona como uma vacina, apoiando os adolescentes no desenvolvimento de atitudes e comportamentos que resultam em uma vida financeira saudável no futuro (não só dele, mas dos familiares também). O Atlas é voltado para escolas que se preocupam com a educação financeira dos seus alunos do 6º ano do Ensino Fundamental até o 2º ano do Ensino Médio.
Nós começamos de forma muito filantrópica e isso não se perdeu: trabalhamos com financiamento cruzado, ou seja, dedicamos parte da receita de projetos em empresas privadas para a realização de oficinas e cursos gratuitos em instituições públicas, levando os mesmos temas com a mesma qualidade para quem não pode pagar por isso. Hoje, mais de 5.600 pessoas já passaram pela Barkus e, destas, 3.500 foram de forma gratuita.
Por que falar de educação financeira para jovens?
Hoje, mais de 12 milhões de jovens entre 18 e 29 anos estão inadimplentes. E esse número é crescente, ano após ano. Sabemos que isso se deve ao endividamento precoce, que acontece por falta de conhecimentos sobre o sistema financeiro nacional, por conta da cultura imediatista e também porque desenvolvemos, desde pequenos, comportamentos que evoluem para uma vida financeira pouco saudável. Na nossa visão, educação financeira é muito mais sobre comportamento do que matemática, afinal gastar menos do que ganha parece instintivo, mas não é. Quem lembra disso quando se sente pouco aceito em um grupo de amigos da escola e acredita que comprar um tênis diferente vai fazê-lo mais popular? Ou, mesmo sem poder, decide colocar a filha em uma escola mais cara pensando na qualidade da sua educação? Ou, ainda, está preocupada demais com os boletos do fim do mês que esquece de se planejar para o próximo? São questões muito mais complexas, que exigem também uma reflexão mais profunda sobre o que é dinheiro e como lidamos com ele no nosso dia a dia. E é por isso que nós existimos: para apoiar as pessoas na construção de atitudes e comportamentos financeiramente mais saudáveis que ajudem no momento de tomar decisões.
Como é a sua atuação na empresa?
Hoje, estou como diretora executiva da Barkus. Cuido mais da gestão organizacional e da área comercial, atraindo novas parcerias e tomando as decisões mais estratégicas. Como somos 8 colaboradores, uma equipe enxuta, também faço parte das decisões de outras áreas, como a financeira, jurídica e de recursos humanos. Mesmo estando nesta posição, tenho muita dificuldade em me desapegar da sala de aula, então ainda facilito oficinas e cursos junto da equipe. Ou seja, sou realmente uma faz-tudo. E amo!
Quais estratégias têm dado melhor resultado nesta trajetória?
Pessoas. Sempre valorizamos cada uma das pessoas que estão ao nosso redor, sejam os alunos, colaboradores, parceiros ou clientes. Nós nos dedicamos a isso. É parte da nossa cultura. Também nos dedicamos 100% a entregar o nosso melhor em tudo que fazemos. Mesmo sendo muito novos, sempre nos elogiam em relação a qualidade e dedicação das nossas entregas. Quando se é pequeno, precisamos focar nos detalhes. São os detalhes que fazem a diferença.
Por outro lado, quais caminhos foram deixados de lado?
Quando se começa uma empresa do zero, sem investidores, é necessário se esforçar ainda mais para fazer as contas fecharem, então já aceitamos projetos que não eram tão estratégicos para ter mais fôlego financeiro e continuar navegando. Mas isso pode acabar te afastando dos objetivos com o tempo. Por isso começamos a pensar em produtos mais específicos, mais focados nos nossos objetivos principais e isso tem sido essencial para crescer. O que aprendi nessa caminhada é que fazer menos não significa ser mais fraco ou menos competente, pelo contrário, pode ser a melhor escolha.
A Barkus é pioneira neste segmento?
A Barkus é uma das primeiras no Brasil a construir o conhecimento de Educação Financeira através de metodologias ativas e personalizadas, em que os alunos são os reais protagonistas da aprendizagem. E isso trouxe muitos desafios, mas também uma trajetória deliciosa de descobertas. Eu não gosto de enxergar outras empresas ou iniciativas como concorrentes. Acredito muito nos diferenciais que entregamos e, inclusive, gosto de compartilhar o que fazemos. A causa da educação financeira precisa ser de todos e se existem outras empresas que têm o mesmo propósito, fico feliz por isso.
Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?
Enfrentamos algumas dificuldades a mais por sermos mulheres, principalmente quando se é uma mulher negra. Desde o início, me cobrei bastante por ser mais nova e ter um perfil muito diferente do que é visto nas empresas de inovação, de educação e no mercado financeiro. Por isso, sempre me esforcei para ser algumas vezes melhor do que a média. Isso trouxe pontos muito positivos na minha vida, mas também trouxe muitos negativos. O fato de me sentir mais cobrada, duvidada ou diminuída me deu mais força para seguir meus objetivos, mas também me trouxe crises de ansiedade, doenças crônicas, estafa. Minha fortaleza sempre foi o apoio incondicional da minha família, principalmente minha mãe, do meu sócio e das pessoas que acreditavam em mim e nos meus sonhos, amigos e mentores. É muito importante ter ao seu redor pessoas que te impulsionam, principalmente outras mulheres que estejam no mesmo momento que você. Uma apoia a outra.
Qual seu maior objetivo?
Meu maior propósito é ver meu país inteirinho financeiramente saudável, planejado, usando o crédito de forma consciente e investindo. Não tem nada que me deixaria mais realizada, ainda mais sabendo que fiz parte disso.
Qual foi o maior desafio que você enfrentou na vida empreendedora? Como superou?
O maior desafio que enfrentei foi me sentir empoderada e capaz o suficiente para me posicionar enquanto CEO da empresa. Foi um momento muito importante para mim. No início, eu dependia bastante do meu sócio (um homem branco) para fechar negócios e nos posicionar no mercado porque algumas pessoas não acreditavam na minha imagem à frente de um negócio profissional. Com o tempo, essas situações começaram a me incomodar mais ainda. Foi uma decisão começar a me posicionar e falar sobre isso, sobre o fato de me ouvirem menos por não acreditarem que eu estava à frente da empresa. Me posicionar enquanto CEO foi doloroso e um alívio ao mesmo tempo, foi um passo importantíssimo.
Qual a sua maior conquista até aqui?
Parece besteira, mas olhar ao meu redor hoje e ver uma equipe de 8 pessoas é uma vitória gigante. Perceber que ultrapassamos a marca de 5.600 pessoas atendidas pela Barkus, e sem investimento externo algum, é outra vitória muito grande. Começamos com um sonho e hoje temos um negócio sustentável, uma metodologia validada, pessoas sonhando juntinho. É bom demais!
Se pudesse voltar no tempo e refazer uma decisão, corrigir algum momento da trajetória à frente da Barkus, o que seria?
Responder essa pergunta é difícil porque, parando para pensar, eu consigo encontrar vários erros durante a minha trajetória. Mas, para ser sincera, todos eles fazem parte de quem eu sou hoje e, de certa forma, do que a Barkus se transformou e vem se transformando. Encaro as decisões erradas como parte da caminhada, porque aprendemos mais assim do que acertando sempre. Eu errei tentando acertar. Aprendi com isso. E está tudo bem.
Qual sua dica para quem está querendo empreender?
Não espere ter as condições perfeitas para começar, porque você nunca sairá do lugar. Eu tendo a ser bem perfeccionista e, por um lado, isso é incrível, porque eu prezo pela qualidade de tudo que fazemos, mas por outro lado, pode ser um impeditivo de começar novas jornadas e conquistar aprendizados. Então faça o seu máximo, dentro das suas condições, mas não deixe de dar o primeiro passo. Só assim começamos o caminho em direção ao lugar que queremos chegar.
Quais seus planos para o futuro?
Meu plano é conseguir unir minhas duas paixões: viagens e a Barkus. Quero estruturar a empresa a ponto de levarmos nossa metodologia para outros países, expandir os sonhos e educar financeiramente mais e mais pessoas. Meu sonho é bem grande.
Para saber mais:
O que faz: Negócio de impacto social de inclusão e educação financeira através de metodologias práticas e divertidas de aprendizagem.
Sócios: 2
Funcionários: 6
Sede: Centro, RJ
Início das atividades: maio/2016
Contato: (21) 96558-9026
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
Os empreendedores por necessidade são os mais atingidos em momentos de crise, e os impactos com as medidas de contenção da pandemia do novo coronavírus se tornam inevitáveis. Veja como enfrentar esse período.