A crise é o momento certo de empreender? Tiago Cavalcanti Fernandes, 30, administrador potiguar, parece crer que sim.
Em 2015, as vendas do setor automobilístico despencaram 26,55%, segundo a Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Na contramão da crise, Tiago enxergou uma oportunidade de negócios e lançou, naquele ano, a AutoForce, uma solução de marketing digital voltada especificamente para concessionárias.
“As pessoas não querem mais comprar carro, algumas nem tiram carteira. Bolamos então um sistema que chamamos de ‘encantamento de leads’, usando a metodologia de inside sales do marketing digital adaptada para o mercado automotivo”
Tiago, aliás, é um dos que nunca foram aficionados por carros. Ironicamente, vendeu o seu (um Ford Ka 2006) para criar o negócio e até hoje não comprou outro. Hoje, 593 concessionárias presentes em 17 estados usam a ferramenta da AutoForce, que oferece a plataforma em modelo de assinatura, com mensalidade a partir de R$ 1 985 por marca.
A PRIMEIRA EMPRESA FOI UMA GRIFE DE CAMISETAS PARA O PÚBLICO GEEK
O LinkedIn de Tiago soma passagens como assistente administrativo da Petrobras, trainee do Itaú e consultor do Instituto Euvaldo Lodi (IEL). Ele, porém, sempre soube que queria empreender.
Entre 2010 e 2013, junto com a amiga e desenvolvedora Isaiane de Mendonça, Tiago teve uma grife de camisetas para o público geek. O negócio ganhou tal proporção que os dois cogitaram investir R$ 500 mil para montar uma fábrica própria, mas optaram por seguir caminhos separados.
Logo, suas trajetórias voltariam a se entrelaçar. Meses depois, Tiago foi contratado por uma agência para desenhar a estratégia digital de um grupo de concessionárias de Natal. Uma de suas primeiras ações foi contratar Isa para desenvolver os sites do grupo, com foco na geração de oportunidades para o setor de vendas.
QUANDO ELE DEIXOU A AGÊNCIA DE MARKETING, ISA, A AMIGA, FOI JUNTO
O ano era 2013, a crise econômica começava a dar as caras e as concessionárias não queriam mais investir nos canais tradicionais de marketing, que não permitiam mensurar o retorno. Era preciso migrar para o online.
Em três meses, Tiago e Isa conseguiram aumentar as vendas e a geração de leads, mas perceberam que muitos vendedores desprezavam essas “pistas” de clientes. Tiago ficou inconformado:
“Eu tinha estudado tudo. O erro estava no fim do funil, quando chegava nos funcionários”
Decidiu tirar a prova sozinho: montou um script e desenvolveu uma metodologia para validar os leads. Ouviu entre 20 e 30, até concluir que todos eram quentes, os vendedores é que tinham preguiça ou má vontade.
“Eu disse para a Isa: ‘O mercado está em crise e não tem solução, acho que tem uma oportunidade de negócio aqui’”, diz. Assim, em agosto de 2014, depois de bater de frente algumas vezes com a chefia da agência, Tiago pediu demissão. E Isa foi junto.
TIAGO AGENDOU ENTREVISTAS PARA CONHECER MELHOR AS DORES DO SETOR
Com a mesma teimosia e abordagem metódica, Tiago iniciou uma pesquisa de validação de negócio, praticamente seguindo o passo a passo do Manual do Empreendedor, de Steve Blank e Bob Dorf. Tudo sem nenhum glamour e se adaptando para fazer o melhor com poucos recursos, conforme lembra:
“Eu ficava no meu escritório — na verdade, meu quarto –, ligava para concessionárias e me identificava como um empreendedor que queria desenvolver uma solução para o setor. Deixava claro que não queria vender nada, queria só entender os problemas”
Assim, conseguiu agendar entrevistas com oito gestores de marketing e do setor comercial. Nessas reuniões, apresentou oito problemas e pediu aos interlocutores que elencassem os quatro mais doloridos para a sua organização.
Os campeões foram: “Criar site para a concessionária é caro demais” (custava, segundo Tiago, entre R$ 25 e R$ 30 mil); “Atualizar ofertas e conteúdo é muito complicado” (realizado por meio de agências, o processo podia levar até 48 horas); “Gerar leads e vender para eles é complexo”; e “Mensurar resultados na internet é confuso”.
“Eu agradecia cada um e dizia que ia voltar para o laboratório e conversar com a cientista, que no caso era a Isa em seu quarto”, lembra, rindo.
PARA ADEQUAR O PREÇO, ELE PRECISOU ENXUGAR ALGUMAS FUNCIONALIDADES
Tiago ia organizando as ideias num Power Point. Voltou às empresas com o documento e também com Isa, para apresentar a sócia e o esboço da plataforma. Ele conta que a reação foi positiva: “As pessoas perguntavam: E isso já está pronto? Quando você pode entregar?”.
Sem noção de quanto deveria cobrar, o empreendedor definiu um valor de set up em R$ 5 mil, e encontrou um primeiro cliente (a concessionária natalense Pontanegra) disposto a pagar metade adiantado e a outra metade na entrega, dali a três meses. Com Isa no desenvolvimento front, ele orçou com um amigo o desenvolvimento back-end.
“Mostrei os features e disse que precisava de tudo em três meses. “Ele respondeu: Tudo bem, vai custar R$ 60 mil.” Com apenas R$ 10 mil no bolso (fruto da venda do seu carro), o empreendedor não teve outra alternativa além de enxugar as funcionalidades até fazer a criação da plataforma caber no seu bolso.
AO SER INCUBADA, A STARTUP SAIU ENFIM DO QUARTO DO EMPREENDEDOR
Em janeiro de 2015, aquele primeiro cliente recebeu o software e ficou tão satisfeito que “fez propaganda”, dando fôlego à AutoForce. Logo vieram novos contratos, com a PG Prime (presente em Natal e João Pessoa) e com uma filial da Pontanegra em Anápolis (GO).
Na sequência, a startup foi incubada no Instituto Federal de Educação. Lá, Tiago e Isa tinham uma sala com internet, conta de luz paga, assessoria contábil, mercadológica e de gestão. A incubação durou 11 meses. Para quem tocava o negócio do próprio quarto foi o primeiro passo para o crescimento.
Ganharam também um novo sócio: Clênio Luiz Medeiros, 33, que topou tocar a parte de operações e atendimento a clientes sem receber nada. “O maior desafio de uma startup é formar um time de pessoas engajadas, que tenham espírito de dono”, diz Tiago.
Sem fundos de investimentos ou investidores-anjo, eles faziam a empresa girar na base apenas dos pagamentos que recebiam daqueles primeiros clientes. Vinha deles também o pró-labore dos sócios, que entraram na sociedade investindo somente o próprio trabalho.
O CONTRATO COM UMA GRANDE CONCESSIONÁRIA ALAVANCOU O NEGÓCIO
Em 2016, com seis clientes, uma sala em um prédio comercial da cidade e novos features, o negócio “pegou no tranco”. Logo no primeiro semestre, fecharam um contrato com a Grand Brasil, que trabalha com marcas como BMW, Jaguar e Land Rover e mantém oito unidades em São Paulo, Alphaville e Guarulhos.
A partir daí, a AutoForce contratou os primeiros funcionários (atualmente são 25), aumentou a sala (hoje ocupa quatro, no mesmo prédio comercial no bairro Lagoa Nova, na capital potiguar) e se posicionaram de vez como uma startup de marketing digital para o setor automotivo.
A plataforma “Autódromo” engloba gerenciador de conteúdo, ferramentas para criação e customização de sites e landing pages, organização de leads, integração com outras soluções para mensurar resultados e suporte e treinamento com a equipe da AutoForce.
Segundo Tiago, a plataforma já auxiliou na venda de 10 mil veículos e trouxe uma receita de R$ 550 milhões para as concessionárias, que pagam o set up (valor de uma mensalidade + 30%) e assinaturas mensais que dependem da quantidade de marcas que têm.
ACELERADA POR INOVATIVA E ENDEAVOR, A BUSCA AGORA É POR “SMART MONEY”
Com CNPJ aberto há quatro anos e um faturamento anual de R$ 3 milhões, a AutoForce praticamente acompanhou a retomada do setor automotivo — segundo a Fenabrave, a alta nas vendas em 2018 foi de 13,6%.
As ideias e vontades são muitas. Uma delas, por exemplo, é evoluir para um e-commerce automotivo (uma plataforma em que o consumidor possa comprar um carro pela internet, sem nem entrar em uma concessionária), algo que, segundo Tiago, não existe no mundo.
Outro plano é expandir para fora do país. Num primeiro momento, a internacionalização deve ter foco em América Latina e Portugal, mas os empreendedores não descartam Estados Unidos, onde algumas montadoras já ensaiam criar o próprio e-commerce.
Tiago não detalha o estágio desses projetos, mas garante que há muita transformação digital a ser feita no setor. Para impulsionar esse movimento, a AutoForce participou de uma aceleração do InovAtiva, no primeiro semestre de 2019, e agora está sendo acelerada pela Endeavor.
Os objetivos, agora, são atrair novos talentos e levantar grana para tirar ideias do papel. “Estamos atrás de ‘smart money’, algo que venha com mentoria e conteúdo. Pois dinheiro só por dinheiro não precisamos.”
Fundada por Luana Wandecy, a startup potiguar Blindog vem desbravando o mercado pet com uma solução de saúde canina: um dispositivo que identifica obstáculos no caminho e ajuda a dar mais autonomia aos animais que perderam a visão.
Ganhar a vida produzindo conteúdo digital é difícil diante da concorrência com celebridades pela atenção dos anunciantes. A plataforma da BrandLovrs ajuda influenciadores a acessar centenas de marcas e milhares de campanhas.
Enquanto a Neuralink, de Elon Musk, investe em chips cerebrais, a Orby, de Duda Franklin, aposta em outro caminho. Ainda em busca de regulamentação, a startup de Natal sonha em inovar na reabilitação física com uma tecnologia não invasiva.