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“O nosso trabalho é chegar antes do fuzil na vida dos jovens. Por isso trabalhamos com empreendedorismo”

Maisa Infante - 20 nov 2019
Thiago Vinicius, fundador da Agência Solano Trindade (foto: Thays Bittar/Reserva).
Maisa Infante - 20 nov 2019
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Nascido e criado no Campo Limpo, periferia da Zona Sul de São Paulo, Thiago Vinicius, 30, cresceu rodeado tanto pela efervescência da cultura periférica quanto pela violência. Os saraus da Cooperifa disputavam seus ouvidos com os tiros e as brigas de torcidas.

Em 2012, Thiago criou a Agência Solano Trindade, uma rede de empreendedores da periferia que oferece serviços como curadoria para eventos, palestras, consultoria para marcas, armazém de produtos orgânicos, coworking e restaurante. O foco não é o assistencialismo, mas a geração de renda e de negócios.

“O nosso trabalho é chegar antes do fuzil na vida dos jovens. Por isso trabalhamos com empreendedorismo. É melhor que eles estejam fazendo uma camiseta do que carregando uma bolsa de drogas”

Thiago tem como sócios sua mãe, Cleonice Maria, e o amigo Alex Barcellos. Uma equipe de 13 pessoas está à frente do dia a dia do negócio, mas todo o trabalho é feito em rede. “Hoje não faz mais sentido fazer algo sozinho”, diz.

O PRIMEIRO PROJETO CONSCIENTIZAVA JOVENS A NÃO JOGAR LIXO NO RIO

No Campo Limpo, como em tantas regiões no entorno urbano, a maioria dos negócios começa por necessidade. E as dificuldades para se manter no caminho são muitas: escassez de dinheiro, de estrutura, de escolaridade…

“Às vezes falta matemática, inglês ou espanhol para fazer uma planilha. E isso tem a ver com a nossa realidade. No ano passado, os alunos das escolas públicas aqui da região tiveram somente 25 aulas de matemática”

Thiago cresceu querendo fazer algo pelo bairro e pelas pessoas. Criou seu primeiro negócio aos 15, o projeto Reativar e Empreender, que transformava o lixo recolhido nas ruas e nas casas em produtos vendáveis e ensinava sobre a importância do descarte correto.

“O grande impacto era conscientizar os jovens para ajudar as pessoas a não jogar lixo no rio”, conta Thiago, que morou em frente ao Córrego Pirajuçara e sofria as consequências das enchentes.

Na época, a Artemisia estava começando a operar e foi parceira de Thiago, que teve a chance de participar de formações e capacitações e entender o potencial dos negócios sociais. “Foi quando percebi que poderia fazer coisas boas para a minha comunidade e ainda gerar renda”.

O BANCO COMUNITÁRIO ABRIU CAMINHO PARA A AGÊNCIA SOLANO TRINDADE

Em 2009, Thiago ajudou a criar o Banco Comunitário União Sampaio, que faz empréstimos em reais com juros de 2% para empreendedores do Campo Limpo, além de empréstimos sem juros na moeda social Sampaio, que pode ser utilizada em 30 estabelecimentos comerciais da região.

A Agência Solano Trindade nasceu dentro do Banco Comunitário, a partir do olhar para os empreendedores que buscavam empréstimo.

“Fazendo empréstimos produtivos, percebemos que poderíamos trabalhar o desenvolvimento local a partir dos empreendedores da economia criativa”

O nome é uma homenagem ao poeta e ativista cultural Solano Trindade (1908-1974), que nasceu no Recife e viveu durante décadas em Embu das Artes, a apenas 15 km do Campo Limpo. “O ‘das Artes’ foi incluído no nome da cidade por causa de Solano, que criou a feirinha [realizada todo fim de semana] e o movimento cultural ao lado do Mestre Assis. Ele é uma grande referência em cultura negra, arte e resistência”, diz.

Um de seus poemas, “Tem gente com fome”, foi gravado por Ney Matogrosso em 1979. Hoje, o filho de Solano, Vitor Trindade, faz parte da Rede Solano e lançou o livro Oganilu – O Caminho do Alabê, com a assessoria da Agência.

UM APORTE DA SECRETARIA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DEU FÔLEGO À AGÊNCIA

Embora continue em operação, o Banco Comunitário está “em uma perspectiva vulnerável e com o lastro muito debilitado”, nas palavras de Thiago. A extinção do Ministério do Trabalho e o fim da Secretaria Nacional de Economia Solidária fizeram com que os empréstimos caíssem em mais de 50% devido ao fim de convênios que ajudavam a pagar salários e manter a estrutura funcionando.

O foco agora é fortalecer a Agência. O negócio começou a ganhar fôlego em 2014, a partir de um convênio com a então Secretaria de Economia Solidária, que aportou R$ 1 milhão pela assessoria a 40 empreendimentos e a realização de dois festivais.

Foi assim, com esse apoio, que foram ganhando corpo a Rede Solano (mais a respeito logo abaixo) e o Festival Percurso, produzido no Campo Limpo pela Agência. A atração principal é sempre alguma banda, mas o evento comporta também gastronomia e uma feira com os empreendedores locais.

Mano Brown, Rico Dalasam e Rincon Sapiência já se apresentaram no festival. Segundo Thiago, em 2018 o Percurso atraiu 10 mil pessoas, gente de toda a cidade, gerando um faturamento de R$ 80 mil para os empreendedores engajados. Anote aí: a próxima edição, a quinta, será realizada no dia 15 de dezembro.

A REDE SOLANO ENGAJA 300 EMPREENDEDORES CONFORME A DEMANDA

A Rede Solano é a principal força e ativo da Agência. Ela reúne hoje cerca de 300 empreendedores criativos da região que trabalham com moda, sustentabilidade, gastronomia, design, comunicação e audiovisual, incluindo marcas como Fundão Roupas e Boutique de Krioula.

A ideia é ajudar esses empreendedores a encontrar a sustentabilidade financeira. Quando surge alguma demanda (por exemplo, curadoria para eventos, buffets, produção de livros, discos etc.), a Agência articula sua rede.

“Fazemos o fomento, a produção e a comercialização. E o principal motivo pelo qual as pessoas não saem da Rede Solano é porque articulamos mercado”

Fazer parte da Rede Solano não custa nada. A contrapartida é o empreendedor participar de palestras, oficinas e capacitações que ajudam a traçar planos de negócios, viabilidade econômica, comercialização etc. Para estar ativo e no radar da Agência quando pinta um projeto, é preciso ter participado de pelo menos duas das últimas capacitações. “Se ele ou ela não está presente é porque não está a fim”, diz Thiago.

Entre os clientes que já trabalharam com a Rede estão Feira na Rosenbaum, Feira Preta, Bienal de Arte, Menos30 Fest (evento de empreendedorismo promovido pela Globo), Impact Hub e Civi-co.

UM ARMAZÉM DE ORGÂNICOS E UM RESTAURANTE REFORÇAM O CAIXA DA AGÊNCIA

Encontrar a sustentabilidade financeira sem depender de editais públicos é um desafio. A sede da Agência, por exemplo, funciona como coworking, disponibilizando equipamento para edição de áudio e vídeo, sala para reuniões e trabalho. Porém…

“No início, achamos que a galera ia pagar 300 reais por mês para usar o coworking. Mas ninguém tem grana… Então, cada um paga o quanto pode”

Para viabilizar sua sobrevivência, a Agência criou dois empreendimentos próprios, que dialogam com a necessidade do bairro por comida saudável. O primeiro foi o Armazém Organicamente, que, claro, comercializa orgânicos: verduras, frutas e legumes produzidos em Parelheiros, zona rural no extremo sul de São Paulo (e fornecidos também, pelos produtores rurais, ao Instituto Chão, na Vila Madalena).

Inaugurado em outubro, o segundo empreendimento é o restaurante Organicamente Rango, instalado em uma área reformada nos fundos da Agência. O almoço, produzido com os insumos do Armazém, é servido diariamente e custa R$ 20. O comando da cozinha cabe a Nice, mãe do Thiago.

Em 2020, a agência começará a operar uma plataforma virtual para a compra de orgânicos. O projeto foi selecionado pelo Programa de Valorização de Iniciativas Tecnológicas (Vai Tec), da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, e recebeu verba de R$ 30 mil.

O GRAFITTI CONTRA ENCHENTE UNE ARTE E MOBILIZAÇÃO EM TABOÃO DA SERRA

É Nice, também, quem prepara a feijoada servida aos grafiteiros engajados no projeto Graffiti Contra Enchente, uma ação da Raxakuka Produções que mobiliza a galera do grafite e os moradores de Taboão da Serra — cidade da Grande São Paulo, na divisa com o Campo Limpo — para dar um trato no espaço público e revitalizar o bairro onde vivem.

Com apoio da Agência, a quinta edição do Grafitti Contra Enchente vai rolar neste próximo fim de semana, de sexta (22) a domingo (24). “São mais de 200 grafiteiros com presença confirmada, cadastrados pela internet”, diz Rodrigo Souza Dias, conhecido como Gamão Raxakuka, que está à frente do projeto. “A proposta é conscientizar o morador de que o entulho, o lixo, não são obrigação só da Prefeitura. A gente também tem que se ligar — essa é a ideologia do Grafitti Contra Enchente.”

A programação inclui brinquedos para a molecada, workshops de grafite, lowbikes, cortes de cabelo — e música, claro. “Já passaram pelo Grafitti Contra Enchente Z’África Brasil, Mano Brown, Edi Rock, Lino Krizz, Maurício DTS do Detentos do Rap, Amanda NegraSim, Veja Luz, Russo Passapusso [do BaianaSystem]…”, diz Gamão.

SERVIÇOS VÃO DE VIVÊNCIAS NA COMUNIDADE A CONSULTORIAS PARA MARCAS

Os serviços oferecidos pela Rede Solano incluem vivências comunitárias e consultorias para marcas que querem conversar com a periferia.

As vivências são passeios que levam grupos de pessoas ou empresas para conhecer o Campo Limpo. São organizadas conforme a demanda, com preço negociado caso a caso. Segundo Thiago, já teve vivência que custou R$ 200 e outra que saiu por R$ 5 mil.

Além de gerar renda, esse tipo de serviço impacta na autoestima de quem vive no local:

“O morador da periferia quer ver transformação na comunidade. Ter um monte de gente conhecendo a quebrada é um puta orgulho”

O relacionamento com marcas pode se dar de diversas formas. Para a Yvy, de produtos de limpeza, a Agência realizou uma pesquisa sobre a situação das empregadas domésticas em São Paulo (jovens foram capacitados em metodologias de pesquisa para tocar o trabalho).

O Itaú Microcrédito, por sua vez, fechou parceria com a Agência para oferecer oficinas de educação financeira aos participantes do Festival Percurso, em dezembro.

NA QUEBRADA NÃO TEM “PAITROCÍNIO”: ACESSAR RECURSOS É UMA DUREZA

Com armazém, restaurante, palestras, vivências, consultorias e curadoria, a Agência fatura anualmente cerca de R$ 150 mil. Thiago, porém, não gosta muito de falar em faturamento — para ele, é um número que não traduz a realidade de empreender na periferia.

“A característica do nosso negócio é diferente de um empreendimento social de Pinheiros, por exemplo. Lá, eles têm acesso a fundos internacionais e muitas vezes os pais injetam dinheiro no negócio dos filhos. É outro perfil sócio econômico”

Fundos que investem em startups e negócios criativos, por exemplo, dificilmente são acessados por estes empreendedores. Para chegar ao centro de São Paulo, o morador do Campo Limpo precisa rodar 20 quilômetros. Então, fazer uma reunião em Pinheiros, por exemplo, demanda um tempo e um gasto muitas vezes alto para os empreendedores.

“Por isso é importante trabalhar o desenvolvimento local. Fortalecer a comunidade é permitir que os empreendedores que começam um negócio por necessidade possam seguir no caminho por missão.”

DRAFT CARD

  • Projeto: Agência Solano Trindade
  • O que faz: Fomenta empreendedores do bairro Campo Limpo, em São Paulo
  • Sócio(s): Thiago Vinicius, Alex Barcellos e Cleonice Maria
  • Funcionários: 13
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2012
  • Investimento inicial: R$ 1 milhão (aporte da Secretaria Nacional de Economia Solidária)
  • Faturamento: R$ 150 mil/ano (em média)
  • Contato: [email protected]
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