Nossa vida é mediada pela comida. Comemoramos aniversários e celebramos conquistas em torno de uma mesa farta, de preferência na companhia da família e dos amigos. O alimento proporciona uma dimensão social e afetiva que vai muito além da função puramente nutricional.
Para Carla Maia, 39, criadora da Escola de Cozinha Inclusiva, esse conceito sempre foi cristalino. Nascida em Resende (RJ), ela se mudou ainda criança para Passos, no sudoeste de Minas Gerais, a 350 quilômetros de Belo Horizonte. Filha de mineiros, aprendeu com a mãe, a avó e as tias a preparar o pão de queijo, o bolo de fubá, a pamonha, o tutu de feijão. Ainda estão frescos na memória aquelas receitas e as conversas e quitutes dos almoços de família.
Após a faculdade de Direito, Carla enveredou pela área de Responsabilidade Social, com trabalhos para a indústria alimentícia. Em 2013, partiu para uma pós em Portugal, mas voltou mais cedo para o Brasil — grávida de Mila, que nasceu em 2014. Com poucos meses de vida, a filha foi diagnosticada com alergias alimentares múltiplas, a trigo, leite, ovos, soja.
Carla se deu conta de que o alimento pode ser um poderoso motor para as relações pessoais — mas também um instrumento de exclusão.
“As relações entre o indivíduo e a comida são constituídas pela ambiguidade: ao mesmo tempo que são formas de conexão e memória afetiva, podem representar a prática de indiferença em relação às pessoas com restrições alimentares”
Carla ainda amamentava e teve de restringir sua própria alimentação. De uma hora para outra, vários ingredientes foram banidos de sua cozinha.
RECUPERANDO O PRAZER PELA ALIMENTAÇÃO
Estima-se que, no mundo todo, 240 milhões de pessoas sofram algum tipo de restrição alimentar. No Brasil esse grupo pode chegar a 3% da população adulta e 5% das crianças, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).
Não existe cura para a alergia alimentar. Naquele momento, em 2014, a alternativa para Carla foi reinventar sua rotina e reaprender a relação com panelas e ingredientes. A advogada abandonou de vez o Direito e passou a ser mãe em tempo integral, cuidando de Mila e mergulhando em pesquisas sobre as demandas da sua alimentação.
Foi um desafio. Carla diz que havia poucas informações disponíveis sobre o assunto. “Estudei com livros do Senac e obras estrangeiras. Fiz cursos livres em Belo Horizonte e São Paulo e investi muito em conhecer a culinária básica para aprender a estrutura das receitas.”
Como uma cientista, ela se debruçou sobre os experimentos, num processo de tentativa e erro. Carla quebrava a cabeça para “compreender a lógica dos ingredientes convencionais” e identificar substitutos. Realizava testes diversos, trocando, por exemplo, ovo e farinha por inhame e batata-doce.
Preparar um despretensioso bolo para o café da tarde passou a ser uma odisseia. Até que ela começou a acertar as primeiras receitas. “Não esqueço do primeiro bolo de cenoura com chocolate que fiz sem glúten, sem leite, sem ovos e com cacau na cobertura”, relembra. “Ficou uma delícia!”
Com a cabeça fervilhante de conhecimentos, ela criou, em fevereiro de 2015, o blog Menu Bacana. Era uma forma de compartilhar receitas com outras mães. Aos poucos, diz Carla, o blog foi se transformando num canal de acolhimento a quem vivia as mesmas dificuldades:
“As pessoas me escreviam nos comentários querendo saber como conversar na escola sobre a alimentação do filho ou como incluí-lo numa festa de criança. Elas queriam compartilhar suas angústias e precisavam de empatia”
A produção de conteúdo foi ganhando cara de trabalho. À frente do blog, Carla já recebera propostas de publicidade e postagens pagas, mas achava que esse formato de monetização não condizia com o seu propósito. Passou, então, a topar convites para dar cursos e oficinas presenciais a pequenos grupos interessados na alimentação inclusiva.
O BLOG FOI DANDO LUGAR A UMA PLATAFORMA DE CURSOS ONLINE
Nessa época, ela e a família já haviam se mudado para Belo Horizonte. A ideia definitiva de negócio veio por meio de uma amiga que trabalhava como consultora de marketing digital e sugeriu que Carla montasse um curso online com as mesmas receitas que vinha ensinando nas oficinas presenciais.
Com a mentoria da amiga e o auxílio uma videomaker, Carla criou seu primeiro curso online. Batizado, justamente, de “Escola de Cozinha Inclusiva” — que daria mais tarde nome ao negócio. A gravação foi realizada na pequena cozinha de 3 por 2 metros, em seu antigo apartamento. A chef-empreendedora investiu 20 mil reais para comprar utensílios e pagar os custos de edição.
Com mais de 20 horas “recheadas de receitas de bolos, pães, doces e comidas em geral produzidas a partir de ingredientes “naturais” e “não convencionais”, o curso foi hospedado na plataforma Hotmart e lançado em abril de 2017. Uma coprodutora ajudou a fazer a divulgação por email, Facebook e pelo blog (que na época já tinha quase 2 milhões de usuários únicos).
Em três dias de venda, o curso online (497 reais) foi adquirido por mais de 300 pessoas.
“Fiz uma parceria em que dividia os lucros com a coprodutora e pagava uma porcentagem da venda dos cursos para a Hotmart. Apesar de parte do faturamento estar comprometido em razão desse modelo, o arranjo foi fundamental para os primeiros passos”
O negócio ainda era incipiente. Carla precisou se estruturar com rapidez para conseguir dar suporte aos alunos. “Contratei temporariamente pessoas que faziam parte dos meus grupos nas redes sociais e entendiam do assunto para me ajudar no atendimento.” Aos poucos, ela foi lançando novos cursos, específicos, ensinando a preparar salgadinhos e bolos de festa sem glúten, sem leite e sem ovos, brigadeiros sem leite, pão de queijo vegano…
Em dois anos, a Escola de Cozinha Inclusiva atendeu 4 127 alunos e faturou mais de 1 milhão de reais. A chef passou a gravar suas aulas em uma cozinha-estúdio, com estrutura profissional. E o perfil de alunos mudou. No começo, eram apenas mães e familiares de crianças alérgicas, hoje a plataforma é procurada por pessoas que desejam empreender negócios inclusivos e empresários de alimentação que querem ampliar sua oferta. Há seis cursos online em oferta, com valores que variam de 77 reais a 697 reais. Durante 12 meses, os usuários têm acesso ao conteúdo e suporte, inclusive por WhatsApp. A Escola também oferece cursos presenciais (de 650 reais a 2 mil reais) e consultorias corporativas.
O faturamento mensal gira em torno de 50 mil reais. Carla hoje conta com uma funcionária administrativa, além de parceiros na produção dos cursos e uma agência que cuida do marketing digital. Entre os planos, vislumbra montar uma loja online para venda de utensílios específicos:
“Tem algumas fabricações que pedem navalhas e espátulas especiais porque as massas sem ovos e leite são mais pegajosas e difíceis de manipular”, diz.
Em dezembro, ela encerrou o blog Menu Bacana. Hoje, além da página da Escola de Cozinha Inclusiva, mantém o site Chef Carla Maia, que apresenta conteúdos, cursos e serviços de consultoria, e as páginas do Facebook, com mais de 150 mil seguidores, e do Instagram, com 73 mil. Um dos desafios é alcançar esse público de forma mais eficiente.
“A gestão é um processo de aprendizagem constante. A internet é muito dinâmica e demanda expertise e rapidez nas ações implementadas. Se o Instagram alterar o algoritmo de exposição de anúncios, por exemplo, o nosso negócio todo se altera abruptamente”
A médio prazo, a empreendedora planeja atrair mais professores para sua escola, abrindo o escopo para abranger um público com outras restrições alimentares, como diabéticos e pessoas com intolerância ao glúten ou à lactose e alérgicos em geral. “Precisamos dialogar com todos que se sentem excluídos e possuem uma dificuldade real de se alimentar”, diz Carla.
Chef-professora e empreendedora, ela gosta de dizer que o diferencial da sua Escola é apresentar uma cozinha afetiva, que “abraça todos nós”:
“Qual é o valor de uma mãe poder oferecer uma festa de aniversário para seu filho que possui uma condição alimentar especial?”, pergunta. “É disso que estamos falando quando abordamos o tema da Cozinha Inclusiva.”
Como poupar seu bebê dos corantes, aromatizantes e açúcares adicionados sem enlouquecer no dia a dia? Leonardo Afonso e a esposa empreenderam a Papapá, que fabrica papinhas saudáveis e biscoitos para a fase da dentição.
Cada vez mais brasileiros sofrem com restrições alimentares. De olho nesse mercado, Manoela Braghini e Carolina Yamamoto fundaram uma escola online de confeitaria inclusiva que ensina as receitas e como criar o seu negócio do zero.
A Páscoa está chegando e, com ela, aquela vontade louca de comer chocolate. À frente da Super Vegan, Juliana Salgado produz 5 toneladas da guloseima vegana por mês, e vem atraindo aportes de investidores da indústria plant-based.