Quando teve sua história contada no Draft pela primeira vez, no final de 2014, a Hand Talk já havia sido reconhecida pela ONU como um dos melhores negócios sociais do planeta. Na época, a startup, que ajuda surdos a se comunicarem por meio de um aplicativo de celular, já havia impactado 1,5 milhão de pessoas.
Hoje, dois anos depois, os números cresceram: o aplicativo ultrapassou a marca de 1 milhão de downloads e tem 150 mil usuários ativos por mês. Graças a uma parceria com o MEC, também está presente em milhares de tablets da rede pública de ensino, auxiliando na educação de alunos surdos por todo o Brasil.
Considerando os mais de 5 000 sites que a Hand Talk ajudou a tornar acessíveis para deficientes auditivos, o negócio já impactou mais de 6 milhões de pessoas até hoje.
Olhando para trás, Ronaldo Tenório, CEO da Hand Talk se diz satisfeito com os resultados da empresa, ciente complexidade dos desafios que ainda enfrenta. “Ser uma startup significa que você está sempre a um passo do fracasso e a um passo do sucesso. É muito delicado. Foi bom ver que se passaram dois anos e a gente continua firme e forte, crescendo e impactando pessoas”, diz. Ao mesmo tempo, reconhece que algumas coisas foram bem mais difíceis do que eles pensavam: “Se a gente soubesse o tamanho do desafio talvez não teria coragem de enfrentá-lo”.
“A ingenuidade no começo foi importante para que a gente mergulhasse de cabeça. É bom não enxergar os limites: isso encoraja”
O aplicativo da Hand Talk, que conta com a ajuda do Hugo (um interprete virtual 3D) surgiu com a intenção de ser uma ferramenta de tradução capaz de conectar ouvintes e surdos. E de fato ele faz isso. Com o tempo, porém, a Hand Talk percebeu que poderia ser mais do que isso. “Percebemos uma pegada mais educativa porque vimos que o aplicativo estava sendo usado não apenas pelos surdos, mas também por ouvintes que queriam aprender a língua brasileira de sinais, ou Libras”, conta.
A versão mais recente do aplicativo, lançada há quatro meses e disponível para o sistema Android, já inclui a nova funcionalidade. “Incluímos uma função chamada Hugo Ensina, na qual é possível aprender os sinais de determinados grupos temáticos, como esportes, estados e cidades, etc.” diz Ronaldo. Em breve a nova versão estará disponível também para iOS.
TUDO MUITO LINDO, MAS NÃO DAVA GRANA
Além dos prêmios que a Hand Talk recebeu os últimos anos, a startup também contou com ajuda de mentorias e acelerações de várias organizações no Brasil e Estados Unidos. Entre elas estão a Artemisia, o Instituto Quintessa, o Inovativa Brasil e mais recentemente a Launchpad Accelerator – a aceleradora de Startups do Google.
Aos 31 anos, além da alegria de estar esperando o primeiro filho, Ronaldo recebeu uma outra grande notícia no ano: em outubro, foi premiado pelo MIT como um dos 35 jovens mais inovadores do mundo. Foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio.
Mas, aos fatos: apesar de todo o reconhecimento, a verdade é que o aplicativo por si só não dava retorno financeiro para a Hand Talk. Ter um negócio social que ajuda o mundo a ficar melhor é lindo mas, se não for algo lucrativo, o sonho dura pouco. No ano que passou eles precisaram, portanto, encontrar um modelo de negócio que fizesse sentido tanto para os surdos como para as empresas que pudessem vir a ser clientes.
A saída foi desenvolver um plugin que traduz websites para a linguagem dos sinais tornando o conteúdo acessível aos deficientes auditivos. Hoje, este é o carro chefe da Hand Talk. Já são mais de 5 000 sites adaptados no país.
Para assinar a ferramenta, após um período de testes em que é gratuita, os planos partem de 49 reais mensais.
O Tradutor de Sites está presente hoje em sites de grandes empresas e é representado por um botão de acessibilidade que fica do lado direito da tela. “Quase 70% dos surdos têm dificuldade de compreender o português e, até então, a internet era inacessível para eles”, conta Ronaldo.
Quando ativado, o Hugo traduz os textos selecionados pelos visitantes para Libras, automaticamente. Entre os clientes da Hand Talk estão marcas como Magazine Luiza, Avon, Natura, Pinacoteca e Catraca livre. Outro produto oferecido pela empresa são os totens de acessibilidade. Hoje existem sete, espalhados em shoppings pelo Brasil.
PARA CRESCER, É PRECISO FALAR INGLÊS. E ATRAIR DÓLARES
Agora, Hugo se prepara também para falar inglês. Tornar o aplicativo uma ferramenta global sempre esteve nos planos da Hand Talk e, embora isso tenha se mostrado mais complexo do que eles imaginavam, agora esse sonho está mais perto de se tornar real. Ronaldo conta que desde o início de 2016 eles vêm se reunindo com parceiros e interpretes para adaptar o software para a Língua Americana de Sinais (ASL, na sigla em inglês).
“A língua faz parte da cultura. Da mesma forma que a língua oral existe de forma diferente em vários países, a língua dos sinais também. Cada país tem a sua e este é um desafio grande. Não se trata de apenas replicar uma fórmula”, diz. Segundo Ronaldo, a maior dificuldade está em encontrar os parceiros ideais em cada país para adaptar a plataforma. A expectativa é que até o final deste ano o aplicativo seja lançado nos Estados Unidos. A partir daí, ele acredita que será mais fácil escalonar para outras línguas e países.
Para este ano de 2017, A Hand Talk também pretende abrir uma nova e mais robusta rodada de investimentos. “Isso deve nos ajudar a dar esse salto para levar o Hugo a outros países”, diz Ronaldo.
A expansão inclui ainda um aumento no time do escritório de São Paulo, que tem hoje duas pessoas e em breve terá uma terceira. “Estamos concentrando nossa equipe de vendas e marketing em São Paulo, que é onde estão mais de 90% dos nossos clientes”, afirma. Segundo o CEO, a empresa pretende dobrar o time até o final do ano.
E eles não param. Depois de fecharem 2016 com um crescimento de 100% em relação a 2015, Ronaldo conta que a empresa está trabalhando em um laboratório de inovação e desenvolvimento de novos produtos. “Temos algumas ideias ainda em sigilo, mas posso dizer que em 2017 queremos lançar um produto novo”, diz. Qual será? Só sabemos que os sinais são positivos.
Jéssica Cardoso sofreu preconceito ao oferecer seu trabalho de intérprete de Libras como autônoma. Ela então decidiu criar uma rede de profissionais negras para tornar eventos e empresas mais acessíveis e lutar contra o racismo estrutural.
Milhões de brasileiros têm algum grau de surdez e sofrem para se comunicar. Saiba como a Hand Talk apoia essa população por meio da tecnologia (e como adaptou suas soluções para incluir também a comunidade surda dos EUA).