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A brutal diferença entre ser um consumidor no Brasil e nos Estados Unidos

Adriano Silva - 17 jan 2017
Às vezes uma camiseta é só uma camiseta. Às vezes, ela revela um jeito de olhar, de pensar e fazer negócios em um determinado lugar e em um determinado tempo – ou seja, uma ética empresarial.
Adriano Silva - 17 jan 2017
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Situação 1.

Ganho uma camiseta com uma estampa da Marvel. De uma dessas lojas para geeks que temos hoje no país. Decido trocar.

(De uns anos para cá, esse tipo de vestimenta pop virou clichê. Esse é um dos poucos campos da vida em que sou early adopter. Gostava de comprar camiseta de super-heróis antes disso virar moda. Então sou exigente. Me permitam a postura um pouco antipática que resulta disso. Não é qualquer herói que me representa. E não é qualquer estampa que considero digna de ser envergada. Hoje qualquer garoto ou garota usa qualquer coisa, sei lá, do Capitão América, sem ter a menor ideia de quem é Sharon Carter ou Sal Buscema. Nesse território, peço desculpas novamente, a chatice dos conoisseurs me é inevitável.)

Entro no site da loja e encontro itens que me agradam. Vou a uma loja da rede, num shopping, trocar meu presente. Não há, na loja, nenhum dos itens que me agradaram no site. E nenhum dos itens existentes na loja me encanta. A moça da loja me diz, na ordem, e em tom de ordem, assim que anuncio a necessidade da troca:

1. Só posso trocar por um outro item existente na loja.
2. Não posso trocar por um item mais barato. Só posso trocar por um item de igual preço ou de preço maior, pagando a diferença.
3. Ela não tem como checar em outras lojas da rede se têm algum dos itens de que gostei. Não tem acesso aos outros estoques da rede. E também não pode ligar e checar pessoalmente. (São dois ou três pontos, contando com o escritório central…) Eles não trabalham assim.
4. Ela não tem como encomendar ao escritório, que gere o site onde encontrei os itens que me interessaram e que gere o estoque central da marca e da rede. Pergunto a ela se não informa à central quando acaba um produto muito procurado. Ela me diz que não. Não tem como. Perde vendas. Só recebe aquilo que lhe mandam. E bota nas prateleiras. E ponto.

Desacorçoado, saio da loja com meu item para troca debaixo do braço. Sinto como se tivesse tomado um pontapé no traseiro. Entro no site, pego o telefone da marca e ligo para lá. Uma moça simpática me atende, me ouve, pede desculpas pela marca ao ouvir o relato do que me acontecera, e me pede um e-mail para enviar as instruções para a troca.

No dia seguinte, seguindo as instruções, vou até o Correio, coloco a camiseta num Sedex, e passo o número de rastreio para a moça, por e-mail. Ela, no dia seguinte, me confirma o recebimento e diz que em breve me informará sobre as próximas ações.

Uma semana depois, sem receber nada de lá, envio novo e-mail perguntando sobre o status da troca. Sem resposta. Mais uma semana, ligo de novo na central. A moça me diz que estavam em conferência de estoque e pediu mais alguns dias para me enviar novas informações.

Isso foi ontem.

 

Situação 2.

Me dou de presente uma camiseta com estampa da Hanna-Barbera, para lá de cool. (Fiquem com a Marvel e com a DC, massa ignara, que nunca leu um gibi na vida nem conhece o grande Shang Chi de Paul Gulacy nem o espetacular Nick Fury de Jim Steranko. Eu vou de HB!)

A loja, Skreened, americana, está na rede de parceiros da Amazon, onde efetuo a compra.

Recebo a camiseta em casa uns 10 dias depois. Tamanho XS – para crianças grandes. Confiro meu pedido na Amazon e o erro foi meu. Sou XL, um adulto grande, e pedi XS. Escrevo da própria plataforma da Amazon para a Skreened. Explico o erro e peço instruções para a troca.

A Skreened, no dia seguinte, me responde perguntando se pode enviar a mesma camiseta, tamanho XL, para o endereço informado anteriormente. E me diz que posso ficar com a camiseta XS.

Respondo a ele afirmativamente, mas digo que faço questão de devolver a camiseta que eu encomendei equivocadamente. Peço um endereço para efetuar o envio. Eles me respondem que posso dar a camiseta XS para alguém de quem eu goste.

Escrevo a eles agradecendo, outra vez, e dizendo que vou lhes comprar um outro item, para compensar a generosidade e o bom atendimento com que me agraciaram.

Isso também foi ontem.

 

Provavelmente receberei a camiseta gringa, que vem da Califórnia, a 10 000 quilômetros de distância, sem qualquer custo adicional, antes de a loja brasileira, cujo escritório fica aqui mesmo em São Paulo, nos Jardins, a 10 quilômetros da minha casa, me enviar as informações sobre como vamos proceder a troca da minha camiseta – num processo que já me custou muito em termos financeiros e muito mais em tempo e em desgaste emocional.

A Skreened ganhou uma venda extra ao “perder” um item comigo. Eu dificilmente comprarei qualquer coisa da loja brasileira.

É apenas um caso, claro. Não dá para generalizar e estabelecer um juízo sobre o caráter nacional a partir disso. No entanto, está longe de ser um caso isolado. Pense no modo como você é tratado pela operadora do seu celular, pelo seu plano de saúde, pelo seu banco, pela sua imobiliária, por sua empresa de energia elétrica, por sua empresa aérea… Às vezes uma camiseta é só uma camiseta. Às vezes, ela revela um jeito de olhar, de pensar e fazer negócios em um determinado lugar em um determinado tempo – ou seja, ela revela uma ética empresarial.

No Brasil, é preciso que se diga, também temos, às vezes, simpatia e mimos no atendimento como não há noutros lugares. Mas, quando isso acontece, parece muito mais fruto de uma gentileza pessoal, no nível indivíduo/indivíduo, do que no nível empresa/indivíduo. Ou seja: para sermos bem atendidos, precisamos contar com o bom humor do atendente da vez, e inclusive com o seu desejo de lutar, junto com o consumidor, contra o sistema instalado. No nível institucional, de modo geral, a máquina está montada para ignorar o comprador.

Aí podemos falar de loja física versus loja virtual, do futuro dos shopping centers ou das lojas de rua versus o mundo do e-commerce, da evolução do marketing e dos meios de pagamento, das novas formas de publicidade e da mídia programática, de como o mobile vai modificar o varejo, podemos falar de design e de arquitetura de loja, das zonas quentes nas prateleiras e gôndolas, marcadas pelo olhar do consumidor, podemos falar de CRM, de database, de Big Data, podemos falar de desenhar bons produtos, de produzir bom conteúdo de marca, de construir uma marca cool, podemos ficar aqui reclamando da crise, do governo, dos impostos…

Nada disso, mas nada mesmo, vai nos salvar enquanto continuarmos tratando clientes a pontapés, enquanto o comprador dos nossos produtos ou serviços for tido e havido como o trouxa que paga a conta, como a última das nossas prioridades e o primeiro problema que a gente empurra com a barriga e enfia embaixo do tapete e joga para o fim da fila.

Falar de ferramentas sofisticadas de venda e conversão e fidelização, enquanto não acertarmos essa infraestrutura conceitual e emocional básica, das relações humanas que se dão no dia a dia de um negócio, será como plantar orquídeas delicadas na areia quente de um deserto.

A Skreened apostou que iria ganhar mais dinheiro comigo facilitando a solução do meu problema. Acertou. A loja brasileira apostou que iria ganhar mais dinheiro comigo, ou iria perder menos dinheiro comigo, complicando meu caminho para a solução do problema. Errou.

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