Fundadora da Kievv, um e-commerce de acessórios em couro, Thaís sempre gostou de criar, desenhar, costurar, entre outras atividades. Por várias vezes, ainda adolescente, inventava alguma forma de produzir e gerar alguma renda com suas produções. “Mas um dia essa minha veia empreendedora começou a ganhar espaço. Comecei a fazer bolsas, primeiro para mim mesma, depois para as amigas e aos poucos as encomendas foram chegando. Entendi que havia uma oportunidade ali”, conta Thaís.
Mas nem tudo foi fácil na sua trajetória. Ela errou muitas vezes, e seus erros custaram caro. Porém Thaís aprendeu com seus fracassos, melhorou a gestão de suas finanças e agora está colhendo os frutos de tanto empenho. Aqui ela abre o jogo, fala de sua história como empreendedora e mostra como a capacidade de avaliar nossos pontos fortes e fracos é fundamental para recomeçar.
Qual a sua formação? Como a moda entrou na sua vida?
Thaís: Comecei minha vida universitária cursando Artes Plásticas na ECA, por ser apaixonada por desenhar, pintar e trabalhos manuais. Foi difícil pensar em um curso em que eu pudesse usar essas habilidades. Fiz dois anos e acabei trancando, pois sentia falta de algo concreto. Comecei a trabalhar em uma loja de roupas, a Modateca, na Vila Madalena onde aprendi muito e descobri que eu gostava e levava jeito com moda. Depois de alguns meses de experiência fui trabalhar em uma loja no Shopping, na época do Natal. Foi uma experiência intensa com muitos treinamentos de vendas, contato direto com uma rotina de lançamentos, tendências, fidelização de clientes e muitos checklists. Aprendi bastante também e decidi fazer faculdade de moda. Me formei Bacharel em Estilismo pelo Senac.
Explique-nos como começou sua vida de empreendedora.
Thaís: Quando eu entrei na segunda faculdade de moda, eu já estava fazendo diversas bolsas sob encomendas para minhas amigas, mas não tinha ainda um negócio desenhado. No primeiro ano do curso, em 2010, fiz um curso intensivo de Confecção e Modelagem de Bolsas em Tecido, também no Senac, que me trouxe novas possibilidades de criação e me ajudou a aperfeiçoar minhas técnicas, que até então eram bem amadoras. Em 2011 dei um passo que fez tudo acontecer: criei uma loja online. Conheci o marketplace Elo7, que é especialmente desenvolvido para produtos artesanais e comecei a cadastrar lá minhas bolsas. Quase que ao mesmo tempo entrei no Mercado Livre também. Esses dois canais foram importantíssimos e abriram muitas portas para mim. Nesse momento minha marca ainda levava meu nome (Thaís Polakiewicz) e eu não possuía empresa aberta. Comecei a receber muitas encomendas e a cada pedido personalizado eu fui chegando mais perto do que meu produto é hoje. Sempre digo que quase nada é ideia minha: nossos principais modelos são pedidos e sugestões de clientes, e aprender a ouvir os clientes foi a melhor coisa que fiz até hoje. Como eu estava em uma graduação, teria que fazer estágio, mas para mim seria impossível pois eu praticamente tinha uma empresa. Foi então que descobri que se eu tivesse um CNPJ poderia substituir o estágio pela experiência na empresa. Abri um MEI em 2013. Nesse mesmo ano fiz meu TCC dentro da linha de “Gestão de Negócios”, o que foi perfeito, pois estudei a fundo meu público alvo, nicho de mercado, desenvolvi modelos novos que são sucesso até hoje e foi também quando criei a marca Kievv, após um longo estudo de branding. Esse nome é um “pedaço” do meu sobrenome (que é muito complicado) mas essencial para mim, pois me orgulho muito de minha descendência polonesa e acho até que herdei esse jeito com confecção de meus avós poloneses, que abriram uma fábrica de tailleur quando chegaram ao Brasil e vendiam para marcas importantes. Meu avô era um artista e desenhava lindamente e minha avó criava e costurava roupas lindíssimas.
O que é a Kievv?
Thaís: A Kievv é uma marca de acessórios em couro. A sua atuação é praticamente toda online com vendas pelo site próprio e também nos principais marketplaces do Brasil: Dafiti, Elo7 e Mercado Livre. Nossos principais produtos são as bolsas carteiro e mochilas, todas de design autoral e fabricação própria em pequena escala, conservando o aspecto artesanal. As bolsas e mochilas da Kievv são peças versáteis e atemporais, feitas para durarem e para serem usadas em todas as ocasiões. Prezamos fortemente pela qualidade, escolhendo a dedo nossos fornecedores e sempre procurando o melhor acabamento nas costuras, trazendo assim peças resistentes, bonitas e que nunca saem de moda. Outro cuidado que seguimos é oferecer um atendimento ao cliente personalizado, esta é uma prioridade antes e depois da venda. E foi pensando nesta personalização que lançamos recentemente uma nova linha de acessórios que podem levar as iniciais de quem compra ou de quem vai ganhar de presente, além de ter alguns modelos de bolsas específicos que são feitos sob encomenda um a um.
Quando a situação da Kievv começou a complicar?
Depois de um tempo fazendo tudo sozinha comecei a terceirizar parte de produção para dar conta do volume de encomendas e dessa forma consegui também começar a vender a pronta entrega bem como aumentar a variedade de produtos na loja. Em 2015, recém-saída da casa de meus pais, precisei contratar uma contadora pois havia ultrapassado o limite de faturamento do MEI, o que é um bom sinal, pois as vendas estavam indo incrivelmente bem. Neste ano minha empresa deixou de ser MEI e se transformou em uma ME. Acredito que foi nesse ponto que comecei a descuidar (ou não aprendi a cuidar) da empresa como um todo. As novas responsabilidades de ter que manter uma casa somadas às novas responsabilidades, custos e burocracias de sair do MEI pesaram bastante nas finanças, mas eu não percebi logo de cara.
Além de dividir o aluguel com meu marido, fazer compras para casa, ter mais contas para pagar, com o ME o trabalho também ficou bastante mais complicado: muitos impostos, mensalidade da contabilidade, certificados digitais e burocracias. Até então tudo bem: eu estava vendendo bastante e tinha dinheiro guardado, então mesmo quando precisava tirar dinheiro de aplicação para cobrir contas da empresa eu achava que estava “investindo”. Comecei a produzir cada vez mais, já que nessa altura toda a minha produção era terceirizada, criei modelos novos com mil variações de cores e materiais e fui tocando as coisas sem perceber a bola de neve que estava virando, sem fazer contas, sem planejamento, sem saber se minha empresa estava de fato dando lucro. Eu separava minha conta de pessoa física da jurídica, mas ainda assim misturava as coisas e faltava planejamento.
Entrei em 2017 com uma bomba prestes a estourar, ainda tomando decisões erradas, sem foco e justo nesse ano de recessão a conta começou a chegar. Acho que um dos meus grandes erros foi não saber administrar os recursos que os bancos oferecem. Usei o cartão de crédito para a empresa como se não houvesse amanhã (tinha uns 3 cartões com limites altíssimos e isso pode ser um tiro no pé se você não se organizar), uso de cheque especial, enfim, o fato é que num momento de baixa das vendas essas contas começaram a chegar altíssimas e claro: eu não estava preparada.
Nessa época eu tinha um casal de amigos que prestavam serviços freelancer para a Kievv. Eu achava que por ter mais duas pessoas trabalhando comigo a empresa iria crescer, mas eu só via acontecer o contrário e não entendia. Era muito frustrante. Eventualmente nós nos encontrávamos para discutir assuntos da empresa e em algumas dessas reuniões meu amigo me deu alguns toques (e broncas) que foram muito importantes. O fato é que além de faltar planejamento, eu não tinha foco: queria fazer um pouco de tudo, queria criar coisa nova toda hora e acabei deixando de lado os produtos que eram os mais importantes da loja.
E como você saiu desta crise e se reorganizou?
Thaís: O primeiro passo que precisei dar para reerguer minha empresa e retomar o controle financeiro foi focar no que era importante. Tenho dois ou três modelos que são os “carros-chefes” da Kievv. Ainda assim, as dificuldades já estavam instaladas. Com o ano de crise a concorrência aumentou rapidamente, já que muitas pessoas perderam seus empregos e começaram a empreender também. O momento era de se diferenciar, se destacar. Nesse turbilhão de coisas acontecendo eu descobri, através da minha fornecedora de embalagens, a Ideia Crua, a Feminaria. Elas saíram em uma notícia no G1 que falava sobre o crescimento da empresa e logo eu quis saber mais. A gente que trabalha sozinha precisa ouvir pessoas de fora, opiniões, críticas e também poder falar com alguém que entenda tudo o que está acontecendo com a sua empresa. Foi assim com a Feminaria: me abri e percebi que não estava sozinha, que meus erros são mais comuns que imagino e minhas dúvidas e medos também!
Como tem sido essa retomada da trajetória empreendedora?
Thaís: Esse encontro com a Feminaria foi crucial: eu precisava não só organizar a Kievv, mas reinventá-la.
“Em tempos de e-commerce e redes sociais crescendo exponencialmente, é preciso estar presente em tudo, é necessário ter conceitos agregados à marca, o atendimento torna-se mais importante que nunca”.
Agora estou trabalhando passo a passo na Kievv, fazendo um diagnóstico da empresa, desenhando público alvo, estudando cada produto e repensando as estratégias a partir de ferramentas de administração que antes eu desconhecia.
Quais seus maiores desafios?
Thaís: O maior desafio no momento é a administração do tempo. Com a reestruturação da empresa as tarefas se multiplicaram, e estou dando mais importância a cada procedimento, desde o planejamento até a produção e vendas, sempre estudando como melhorar e planejando os próximos passos. Além disso o ritmo de vendas, encomendas e orçamentos aumentou bastante (como esperado, claro) e já estou buscando ajuda, pois começa a ficar impossível dar conta de tudo sozinha. Acho que o maior medo que tenho no momento é “dar um passo maior que a perna”. Fico com receio de repetir os erros do passado e até quando as vendas têm algum aumento inesperado fico um pouco assustada. Tenho também um pouco de medo de crescer e não estar preparada tal, ou seja, de perder o controle que tenho hoje de todos os processos da empresa. Procuro superar esses receios com muita atenção a tudo o que está acontecendo, sempre procurando entender os cenários e, claro, trabalhando no planejamento para o futuro.
Quais as principais lições que você tirou dos seus fracassos?
Thaís: Hoje tenho um controle muito maior do financeiro da Kievv. Uso apenas um cartão de crédito para poder parcelar compras maiores de matéria prima e o restante é quase todo pago à vista. No começo foi difícil, mas desta forma tenho mais consciência do que acontece e evito acumular faturas ou ter surpresas no mês seguinte. Uso planilhas separadas para registrar o dia a dia das contas da empresa e de pessoa física, bem como para prever futuros débitos e créditos e dessa forma poder saber exatamente quanto terei em caixa num determinado dia. A respeito da produção, só invisto em modelos novos depois de estudar e testar a receptividade de cada um e tenho também focado em um nicho de produtos mais restrito, procurando manter o foco nos mais importantes. Tomando esses cuidados a Kievv conseguiu faturar mais que o dobro do que estava faturando por mês no ano passado. Estou trabalhando para organizar todos os processos da empresa, inclusive para aprender a delegar e poder tirar parte das tarefas da minha responsabilidade, e ter tempo para me dedicar mais ao planejamento.
Qual foi a sua maior conquista até aqui?
Thaís: Ano passado, apesar das dificuldades foi um ano muito especial para a Kievv: ganhamos o Prêmio Elo7 Criativo 2017 (junto com mais 2 lojas). Esse prêmio tem um significado enorme pois foram considerados diversos critérios como: agilidade no atendimento, satisfação dos clientes, originalidade, entre vários outros. Foi uma experiência incrível!
Qual é o seu sonho? O que ainda falta realizar?
Thaís: Eu sonho com a Kievv como uma marca reconhecida, e que ela cresça e seja rentável sem perder a exclusividade nem o atendimento personalizado pelos quais prezamos tanto. Quero poder continuar me dedicando 100% à empresa e ter tranquilidade financeira para poder viajar com a família, fazer planos para o futuro e viver confortavelmente. Tenho muito trabalho pela frente, e estou procurando estruturar o negócio de forma que não esteja sempre na correria ou tendo que dar conta de tudo sozinha. Atualmente a empresa está organizada da seguinte forma: a confecção é terceirizada (parte de corte e costura apenas, pois a criação é autoral da Kievv). O atendimento, vendas, fotos, conteúdos, sou eu mesma que faço. Tenho também a contabilidade que é um escritório contratado, e há pouco comecei uma nova parceria de prestação de serviços, especificamente de gestão de lojas online, que vem otimizando as lojas, fazendo análise de SEO, controle de estoque, automatizações e redes sociais. Essa parceria está sendo importantíssima para alavancar a Kievv e é meu braço direito na gestão da loja.
Se pudesse voltar no tempo e refazer uma decisão, corrigir algum momento de sua trajetória, o que seria?
Thaís: Eu voltaria em 2015, quando as coisas estavam indo aparentemente bem e eu me acomodei. Naquele momento eu deveria ter ficado mais atenta para o cenário que estava se formando e que acabou virando uma bola de neve.
Se pudesse dar apenas uma dica para quem está querendo empreender, qual seria?
Thaís: Encontre a sua essência e coloque-a em tudo o que você faz! Seja diferente. E o mais importante: dedique-se muito!
Quais seus planos para o futuro?
Thaís: Considero abrir minha própria confecção e possivelmente sair de São Paulo e ir para o interior. Pretendo formar uma equipe para tocar a Kievv e fazer com que a marca seja amplamente conhecida pela sua qualidade.
Para saber mais:
O que faz: Marca de bolsas, mochilas e acessórios em couro (e-commerce)
Sócios: Thaís Polakiewicz e Fernando Citroni
Sede: São Paulo – SP
Início das atividades: informalmente, em 2005. Formalmente, em 2013.
Contato: 11991508874 / [email protected] / www.kievv.com.br /
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
Os empreendedores por necessidade são os mais atingidos em momentos de crise, e os impactos com as medidas de contenção da pandemia do novo coronavírus se tornam inevitáveis. Veja como enfrentar esse período.