Crédito imagem: Marco Torelli
Nascida e criada no Grajaú, na periferia de São Paulo, ela se assumiu gay há 20 anos. Na época seus pais saíram de casa, e ela, recém-saída do ensino médio, se viu sozinha sem saber como gerar renda para se manter. A saída foi trabalhar como garçonete, ganhando 30 reais por dia. Enfrentou dificuldades financeiras, teve a energia elétrica de sua casa cortada, precisou durante muito tempo tomar banho no Senac, onde fazia um curso gratuito de programação. Mas o esforço valeu a pena.
Depois de enfrentar grandes batalhas, Juliana Glasser é hoje a fundadora e CEO da Carambola, uma empresa voltada para a educação de profissionais do futuro.
Sua história até parece um filme, mas é bem real. Aqui nesta entrevista ela conta o caminho percorrido até se tornar uma empreendedora bem-sucedida e fala de seu desejo de ajudar tantas outras Julianas que estão por aí.
Como você começou a empreender?
Um dia meu amigo Douglas Januário Gonçalves me convidou para ir com ele comprar um carro. Eu fiquei espantada. Perguntei: “Como você vai conseguir dinheiro para comprar um carro?”. Ele respondeu: “Estou ganhando cinco mil reais por mês”. Impressionada, questionei: “Como que eu faço para fazer o que você está fazendo e ganhar isso, também?”. Ele me indicou um curso gratuito do SENAC e eu me inscrevi. Para fazer o curso, tive que parar de trabalhar e fiquei sem dinheiro para pagar energia elétrica. Cortaram minha luz e, para estudar, passei praticamente a morar no SENAC: ia bem cedo, tomava banho lá e era a última a sair. Um dia um diretor da Microsoft passou e me disse: “Se eu não te contratar, você não vai sair daqui, né?”. Eu disse: “Isso mesmo”. Aí ele me contratou e eu comecei minha jornada na Microsoft. A partir daí trabalhei em grandes empresas e participei da Imagine Cup, uma espécie de copa do mundo da programação, onde fiquei em 3º lugar entre trezentos mil inscritos. Criei a Carambola porque acreditava que deviam existir outras Julianas que precisavam de uma oportunidade para mudar de vida.
Como nasceu a Carambola?
A Carambola começou como uma consultoria de software. Atendíamos clientes pequenos e não tínhamos orçamento para contratar desenvolvedores aos preços de mercado. Para entregar os projetos, tive que mirar em pessoas que estavam na borda do mercado e ajudá-las a complementar suas habilidades para entregar os projetos. Depois de trabalharem por um tempo conosco, estes desenvolvedores recebiam propostas de empresas maiores e saíam para trabalhar na concorrência. Muitos investidores me alertavam que este era um grande risco para meu negócio. Em 2017 a Microsoft me convidou para palestrar sobre minha jornada no evento Inspire, em Washington. Fomos eu e meu sócio, Renato Almeida Prado e, ao chegarmos lá, percebemos que a falta de profissionais de TI era um problema mundial das grandes corporações. Resolvemos, então, aproveitar nossa experiência na formação de desenvolvedores e mudar o foco do nosso negócio para a Educação. Passamos 18 meses pesquisando o mercado, em São Paulo e Los Angeles, e identificamos os principais problemas que as grandes empresas enfrentavam. Desenhamos um método para educação de profissionais que foca em geração de renda, atração de diversidade e educação baseada em projetos. Neste método, conseguimos entregar em 4 meses um profissional adequado aos requisitos exigidos pelo mercado, através de mentoria em 4 dimensões: processos, orientação para resultados, habilidades técnicas e habilidades socioemocionais.
Como funciona a empresa?
Nosso método de educação é disruptivo. Baseados nas necessidades de nossos clientes, selecionamos os profissionais, de acordo com uma matriz de habilidades técnicas e socioemocionais. São trios de desenvolvimento onde pelo menos 1/3 dos profissionais vêm de uma minoria em termos de representatividade no mercado de trabalho da Tecnologia da Informação. Durante 4 meses, desenvolvemos um projeto do cliente e nosso time complementa suas habilidades, mensurando suas tarefas de forma a demonstrar ao final do programa sua curva de crescimento. Assim o cliente pode observar, na prática, a capacidade de entrega do profissional, permitindo que aquele que antes não teria chances em um processo seletivo da empresa possa ser avaliado. Ao final do programa a empresa tem a opção de contratar um profissional que já compreende os processos e o negócio.
Como é a sua atuação?
Sou fundadora e CEO da Carambola. Minha função é garantir que estejamos sempre na direção correta.
Como foi o início da Carambola?
O início foi muito desafiador. Conquistar credibilidade no mercado não é fácil. Tive que focar em nosso diferencial, que é a habilidade de trazer e incluir efetivamente um profissional diverso, diferente da foto tradicional do mercado de TI: homens brancos, heterossexuais de classe média alta. A chegada de meu sócio, Renato, ajudou a abrir portas que antes eu não conseguia abrir sozinha: ampliamos a rede, atraímos investidores com alta credibilidade no mercado e nos aproximamos da alta gestão das empresas. Porém, o preconceito das áreas operacionais constituiu o próximo desafio: provar a performance das pessoas. Para isso, desenvolvemos uma plataforma que mede constantemente as tarefas e habilidades técnicas e socioemocionais dos desenvolvedores.
Teve algum momento em que você pensou em desistir?
Não tenho medo de trabalhar e meu sonho é tão grande que os desafios, por maior que sejam, parecem pequenos perto da visão de um mercado de TI com mais equidade e diversidade.
Quais estratégias têm dado melhor resultado?
Focamos muito nas pessoas. São as pessoas que fazem os negócios. Formamos profissionais que entram nas empresas com a missão de transformar sua cultura, ou seja, sair da visão antiquada de escassez, homogeneidade e competição para uma visão do futuro, que incentiva a abundância, diversidade e colaboração.
E quais caminhos foram deixados de lado?
Abandonamos a consultoria em desenvolvimento de software pois nossa percepção é de que as empresas precisam das pessoas. Nosso foco, hoje, é preparar e entregar estes profissionais que são demandados pelo mercado.
Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?
Os desafios. A alta gestão das empresas e do mercado de investimento ainda é predominantemente masculino. Fazem piadas e adotam posturas que criam barreiras para a inclusão. A mulher empreendedora, além de vencer todas as dificuldades do empreendedorismo, ainda tem a tarefa de quebrar estas barreiras.
Qual seu maior objetivo?
Tornar a Carambola a maior empresa de educação do Brasil e, assim, contribuir para a diversidade e a geração de renda.
Qual foi a sua maior conquista até aqui?
A Carambola é meu maior sonho e minha maior conquista. Nossa estratégia é ser um unicórnio genuinamente brasileiro: uma empresa que nasceu para resolver problemas locais e expandiu sua tecnologia para o mundo.
Qual é o seu sonho? O que ainda falta realizar?
A Carambola é uma empresa de uma vida inteira. Eu e meu sócio colocamos tudo nesta jornada e não vamos desistir até que o mercado de TI se torne mais equânime, com oportunidades para todos.
Qual sua dica para quem está querendo empreender?
Sonhe grande e realize seus sonhos em passos pequenos, porém completos: não adianta sonhar em fazer uma Ferrari e começar construindo uma roda. Ao invés disso, construa uma bicicleta que te permita começar a rodar. Com a trajetória e experiência, vá melhorando e buscando excelência em tudo que faz, sempre procurando encantar os clientes.
Para saber mais
O que faz: Educação para o Profissional do Futuro.
Sócios: Juliana Glasser e Renato Prado.
Sede: Av. Dr. Dante Pazzanese, 120 – Galpão 1 – Sala D – São Paulo, SP.
Início das atividades: 2013
Contato: (11) 94742-5941
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
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