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A Com.Pot, da Sheila Mann, tem a missão de promover a cultura da paz através da culinária

Fernanda Cury - 31 out 2018
A ideia de compartilhar uma refeição com um desafeto", ou com o "outro" que não pensa como eu, é algo universal e pode aproximar as pessoas e amenizar os relacionamentos", conta Sheila.
Fernanda Cury - 31 out 2018
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A empreendedora Sheila Mann é judia e nasceu em um país árabe, o Líbano. Morou durante cinco anos em Israel, onde terminou seus estudos, e em 1973 partiu para o Brasil. E aqui ela começou a empreender e abriu a Com.Pot, uma fábrica de hummus (aquela pasta de grão de bico deliciosa, sabe?). Mas desejando contribuir para um mundo mais justo e solidário, ela foi além e criou, em paralelo, o projeto POT- Peace On the Table. Seu objetivo? Promover atividades relacionadas com a culinária pela paz!

Acompanhe este bate-papo sobre empreendedorismo, sim, mas também sobre respeito, aceitação e poder de transformação.

O que você fazia antes de se tornar empreendedora?

Sheila: Antes de iniciar a fábrica da Com.Pot, eu era artista plástica, tendo feito vários cursos de pintura, desenho, história da arte, crítica de arte, filosofia, desde a minha chegada ao Brasil.  Cheguei a participar de diversas exposições no Brasil e no exterior. Na realidade não tenho nenhuma formação empresarial. É aqui que entra a competência do meu sócio, Marcos Shayo, ele sim um empresário com muita experiência. 

Como nasceu a Com.Pot?

Sheila: O projeto POT- Peace On the Table, antecedeu a fábrica de hummus Com.Pot. Ele nasceu quando eu me dei conta, como uma árabe judia, que a questão do conflito Israel/Palestina, não fazia nenhum sentido para mim: como conheço profundamente as duas culturas, e sou fluente nas duas línguas, o árabe e o hebraico, eu só via semelhanças entre as duas culturas e não diferenças. Principalmente na culinária que é a minha paixão! Aí tive a ideia de usar o meu talento na culinária libanesa para aproximar as duas partes. Assim nasceu o projeto Pot em 2010. Como eu sentia que eu precisava fazer algo mais impactante e de maior alcance, resolvi eleger um prato que simbolizasse os dois lados em conflito, e assim escolhi o hummus (pasta de grão de bico) muito difundida no Oriente-Médio, e que faz muito sucesso em Israel. Para você ter uma ideia, o hummus se tornou um prato nacional também por lá; o israelense o consome em todas as refeições e adora. Assim surgiu a ideia de abrir uma fábrica de hummus e nasceu a Com.Pot em 2016.

Como funciona o negócio?

Com seus hummus em diversos sabores, a Com.Pot se propõe a disseminar a cultura da paz.

Sheila: Quando pensei uma fábrica de hummus, tinha consciência de que essa questão sobre o conflito entre árabes e israelenses, não fazia muito sentido aqui no Brasil, estamos muito longe desta realidade. Mas considero que o meu trabalho pela paz não tem só esse ponto como foco, minha proposta na verdade é amenizar qualquer tipo conflito. A ideia de compartilhar uma refeição com um “desafeto”, ou com o “outro” que não pensa como eu, é algo universal e pode aproximar as pessoas e amenizar os relacionamentos.

Então como adaptar isso à realidade brasileira? Estamos vendo o país dividido e antagônico em vários contextos, escolhi focar nos conflitos religiosos e na questão de gênero. Compartilhei com o meu sócio essa necessidade de empoderar a mulher: então pedi que a fábrica admitisse somente mulheres e que fossem de religiões diversas para trabalharem juntas, se respeitando apesar das diferenças.  Como eu e meu sócio (descendente de libaneses nascido na Argentina) somos imigrantes no Brasil, sugeri também que admitíssemos refugiadas sírias e ajudássemos na sua integração. O nosso diferencial, além dessas questões sociais, é ter desenvolvido uma linha de hummus com sabores de legumes assados, fugindo um pouco do produto étnico, relacionado somente a uma iguaria de origem árabe, e passar a ser olhado como produto saudável, podendo substituir margarina e maionese. Como o hummus combina com tudo, desde acompanhamento de grelhados, base para sanduíches, aperitivo, queremos ampliar suas possibilidades de uso.

Como é a sua atuação na empresa?

Sheila: A parte que me cabe na empresa é o desenvolvimento de novos produtos, e como artista, acompanhar a apresentação visual. Além disso, sou responsável pelas visitas a novos clientes sugerindo novos usos do hummus, propondo receitas. E o mais importante: na fábrica me preocupo em zelar pela harmonia entre as funcionárias, fazendo reuniões periódicas onde o tema da aceitação das diferenças é ressaltado. 

Quais estratégias têm dado melhor resultado nesta trajetória?

Sheila: A gestão da equipe tem se mostrado muito assertiva, principalmente no que se refere às nossas reuniões, quando agradeço as funcionárias pelo seu trabalho, pelos resultados alcançados, e explico que elas lidam com alimentos que seguem para a mesa das pessoas e que a energia e o amor que elas colocam no seu trabalho vão direto para o corpo dos nossos consumidores. Acho essencial engajar o time na missão do negócio. Percebo, também, que na abordagem de novos clientes, quando levo amostras dos nossos produtos e conto um pouco da proposta da empresa em termos sociais, as pessoas se sentem mais interessadas, elas gostam de saber que há uma história por trás do nosso empreendimento.

Na sua opinião, o que o empreendedorismo feminino tem de diferente?

Sheila: Acredito que o empreendedorismo feminino foca muito nos relacionamentos humanos, e sabe dar lugar à intuição, que é na verdade uma energia criadora e cuidadora. O empoderamento da mulher no século 21 é algo irreversível, uma revolução nos costumes, mas ela só pode se legitimar se ela não procurar imitar o modelo masculino. Nós, mulheres, podemos nos afirmar como empreendedora e empresária sendo nós mesmas.

Qual seu maior objetivo?

Sheila: É poder influenciar o maior número possível de pessoas e inspirá-las nesse caminho pelo entendimento e a paz.  E claro ampliar a linha de produtos da Com.Pot, chegando à mesa de todos os brasileiros.

Qual foi o maior desafio que enfrentou na vida empreendedora?

Sheila: Como não tenho formação empresarial nem administrativa, tive obviamente várias dificuldades no início, até aprender a ter visão global do empreendimento, como abordar clientes e as questões relacionadas aos custos e gestão. Mas o meu sócio, que é meu genro também, é uma pessoa muito calma, paciente e preparada para gerir um negócio. Nós dois formamos uma ótima dupla, cada um na sua área de atuação, ele na parte financeira e administrativa e eu na parte criativa e idealizadora/conceitual.

Como é o Projeto POT?

Sheila: Nosso objetivo é incentivar a convivência pacífica por meio da culinária, levando adiante várias propostas: uma muito importante foi a criação em 2012 de um grupo de mulheres árabes e judias que tem por propósito se encontrar só para compartilhar uma refeição juntas e estreitar laços de amizade, respeito e confiança. O grupo começou com doze mulheres, seis árabes muçulmanas e seis judias.  Num dado momento senti a necessidade de ampliar o grupo e convidar as árabes cristãs a participarem também. Hoje estamos em quase sessenta mulheres. Espero ter a adesão cada vez maior de mais mulheres interessadas nesse diálogo, e quem sabe formar grupos em outras cidades no Brasil e fora também. Uma outra meta do POT, é a publicação de um livro de culinária, onde essas mulheres poderão contribuir cada uma com uma receita de família e contar sobre suas origens, como chegaram ao Brasil e o porquê, qual é a herança que trouxe junto no que se refere à culinária. Quase todas as mulheres árabes do grupo ou são nascidas no Líbano ou são descendentes de libaneses e sírios. O POT, a culinária pela paz, tem o projeto de promover jantares unindo líderes das duas religiões para compartilhar uma refeição e dialogar sobre os temas que os opõem, no mesmo modelo de um jantar que foi promovido na minha casa em torno do embaixador do Brasil que ia para Palestina. A Com.Pot quer apoiar eventos que promovem o diálogo participando como co-patrocinadores, por exemplo na vinda de um grupo de dança israelense-palestino que traz na dança o hummus como o lugar onde as duas culturas podem se encontrar.

Com.Pot é um negócio social?

Sheila: A Com.Pot é um empreendimento social sim, na medida que a empresa admite refugiadas e procura integrá-las à sociedade brasileira. Se propõe também a promover o diálogo entre as diversas religiões, reconhecendo e respeitando o lugar de cada uma delas é parte da missão da empresa. A questão de gênero tão atual é levada muito a sério na nossa empresa, tudo foi pensado para facilitar o manejo das máquinas levando em conta o trabalho braçal pesado. E também tem como cláusula no contrato social da empresa a obrigação de doar 10% dos lucros a entidades que trabalham pelo bem-estar social e pelos direitos humanos dos brasileiros, não somente em relação aos refugiados. No momento estamos trabalhando com uma ONG do Rio, a Amaivos, que promove o diálogo inter-religioso.

Qual foi a maior conquista até aqui?

Sheila: Acredito que a nossa maior conquista até aqui foi conseguir entrar no mercado brasileiro com um produto conhecido por poucos e conseguir agradar com os nossos vários sabores, vencendo o preconceito de que hummus só pode ser de um jeito só, o tradicional.

Qual é o seu sonho? O que ainda falta realizar?

Sheila: O meu sonho é poder popularizar o hummus, para que ele esteja presente na mesa de todo brasileiro. E a partir do momento que a marca Com.Pot, se tornar conhecida e apreciada pela sua qualidade e projeto social, poder lançar uma linha de vários outros produtos, e conseguir chegar em todo o Brasil e na América Latina.

E por que não inspirar outros países a seguir esse exemplo de aceitação do estrangeiro e dar um lugar maior para as mulheres?  O meu sonho também é que todos tenham lugar assegurado na nossa sociedade, independente das diferenças religiosas ou étnicas.  É preciso sonhar para avançar, é o que nos move para frente.

Se pudesse dar apenas uma dica para quem está querendo empreender, qual seria?

Sheila: A minha dica para quem está empreendendo é acreditar, ter fé naquilo que está se propondo a fazer, e saber que a persistência e a tenacidade são necessárias para desbravar o mercado, principalmente com novos produtos.

Quais seus planos para o futuro? 

Sheila: Ampliar a linha de produtos e o alcance da marca, propondo sempre novidades no mercado. Tenho vários produtos sendo testados no momento, para serem lançados.

 

Para saber mais

Com.Pot

O que faz: Indústria de alimentos

Sócios: Sheila Mann e Marcos Shayo

Funcionários: 10

Sede: Rua dos Americanos 430/ Barra Funda – SP

Início das atividades: 2016

Contato: [email protected]

 

Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!

 

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