A Coorte é uma produtora de eventos de impacto social – e também um laboratório de vida das fundadoras

Bibiana Maia - 1 ago 2018
Amanda, Fernanda, Carol e Luna criaram projetos para o Dia das Boas Ações e até para a ONU, mas depois a grana encurtou e elas contam como tiveram de reavaliar o sonho, à luz da realidade.
Bibiana Maia - 1 ago 2018
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Ao repensarem suas carreiras e a motivação de suas vidas, quatro amigas embarcaram na Coorte, uma empresa voltada à produção de eventos e projetos com impacto social ou criativo. O time, formado por Luna Pizzato, 29, Fernanda Bertol, 32, Amanda Barpp, 31, e Ana Carolina Zurcher (a Carol), 38, buscava mais paixão em suas trajetórias profissionais — mas, claro!, nem tudo saiu como planejado. Agora, elas estão desacelerando para encontrar o melhor caminho.

Apesar da sede da empresa ser no Rio de Janeiro, as quatro sócias não são cariocas e se conheceram através de amigos em comum. Gaúchas, Luna e Fernanda se mudaram há cinco anos do Rio Grande do Sul, mesmo estado de Amanda, que chegou à capital fluminense há oito. Já Carol é mineira e veio para o Rio ainda criança.

Ser de regiões diferentes tornou o laço entre as amigas intenso, a ponto de elas se declararem uma “família carioca”. Cada uma também vem de áreas distintas de atuação: Luna se formou em Jornalismo pela PUC-RS, Fernanda em Publicidade e Propaganda pela ESPM, Carol em Nutrição na Unirio e, depois, em Marketing pela Univercidade, e Amanda fez Turismo no IPA-RS.

QUANDO A DEMISSÃO É UMA LIBERTAÇÃO

Todas contam que seguiam bem sucedidas em suas áreas — ainda que insatisfeitas — até que aconteceu o que elas chamam de “crash”, em 2015. Carol, que trabalhava com marketing na área de moda, e Amanda, que tem experiência no financeiro dentro do turismo, foram demitidas. Foi a deixa para que Luna, que atuava em produção cultural, e Fernanda, que tinha carreira em agência de publicidade, decidissem pedir demissão para investir no sonho do negócio próprio juntas.

Carol fala mais sobre este momento: “Revi toda a minha vida para saber o que é prioridade, o que realmente quero, o que é essência ou o que as pessoas acham que você deveria ser. Teve essa ruptura que fez com que a gente percebesse que não queríamos ser milionárias”. E continua:

“Hoje, a gente quer ter qualidade de vida, fazer o melhor, deixar um legado, inspirar pessoas. É muito mais rico do que trabalhar dez horas por dia”

Elas tiraram uma tarde para fazer um brainstorm: “Tentamos nos classificar no que éramos e como tínhamos parado nessa empreitada. Das mil ideias que tivemos, pesquisando no Google, a Amanda chegou em Coorte, que em Estatística é a classificação para um grupo de pessoas que tem em comum um evento que se deu no mesmo período (por exemplo, nascidos entre 2000 e 2010)”, diz Luna.

O Second Hand foi o primeiro evento da Coorte e teve duas edições. O foco é economia circular e sustentável na moda.

O primeiro projeto da empresa, em setembro de 2015, foi o Second Hand. O evento de moda e sustentabilidade teve investimento de 1.200 reais e se propunha a buscar roupas doadas na casa das pessoas, fazer uma curadoria e colocar as peças à venda, com uma comissão de 25%. Além do bazar, havia espaço para cozinheiros e artistas em início de carreira mostrarem seu trabalho.

O local escolhido para a estreia das empreendedoras foi a casa de um amigo no Humaitá, zona sul do Rio. Cerca de 70 pessoas compareceram, o que foi considerado um sucesso, visto que rolou em um domingo de chuva e, como diz a música, cariocas não gostam de dias nublados – que dirá chuvosos. Entre os convidados estava Daniel Morais, um dos diretores do Atados. Depois da boa repercussão do Second Hand, que teve até segunda edição em novembro, as sócios foram convidadas para fazer o lançamento da plataforma que conecta ONGs a voluntários na capital fluminense.

UM EVENTO PUXOU O OUTRO E ELAS FIZERAM PROJETO ATÉ PARA A ONU

Surgia, então, uma parceria sólida, que dura até hoje. A Coorte produz no Rio, com o Atados, desde 2016, o Dia das Boas Ações. Criado em 2007, em Israel, o evento o acontece em mais de 90 países para promover o engajamento em causas sociais. Para elas, a experiência de produzir com estrutura de palco, no Parque Garota de Ipanema, foi um “grande salto” e possibilitou que entendessem que realmente faziam bem aquele trabalho. Também foi uma reconexão com o passado, quando voluntariavam em creches e casas de repouso, como conta Luna:

“Com a Coorte, de alguma forma, estou ajudando os outros a terem acesso à educação, à cultura e a oportunidades. Hoje, em tudo que faço, tento trazer alguma transformação”

O outro projeto que a empresa tocou, em paralelo, foi o Pechakucha uma espécie de happy hour criativo, que nasceu no Japão e acontece em mais de mil cidades pelo mundo com o objetivo de promover networking. Para isso, são selecionadas pessoas anônimas para promoverem palestras sobre um mesmo tema com duração de 6 minutos e 40 segundos (tempo suficiente para 20 slides e o público não dispersar). Foram cinco edições, com assuntos como autoconhecimento e gênero. Para fazer dar certo, elas buscaram parceria com um espaço onde o evento pudesse ser realizado e com um fornecedor de cerveja. A entrada foi cobrada em sistema colaborativo “pague o quanto quiser”. 

Desde 2016, a Coorte realiza, em parceria com o Atados, o Dia das Boas Ações. O evento acontece simultaneamente em 90 países.

Para diminuir custos neste período de dedicação total, de 2015 a 2017, Luna, Fernanda e Amanda decidiram viver realmente como uma família, sob o mesmo teto. O que não foi um problema: “Para o estilo que nós queremos levar, pessoal e profissional se entrelaçam muito. Nossos maiores contatos de trabalho a gente fez no carnaval”, diz Luna. Elas contam que foi um aprendizado deixar os horários tradicionais e ter a flexibilidade de realizar uma reunião de trabalho no café da manhã, além de conviverem intensamente: “A gente ficava até menstruadas juntas, é o ciclo natural né”, fala, aos risos, Carol.

Já com certo portfolio, o quarteto foi convidado pela abeLLha, uma incubadora de projetos sociais – cujos sócios elas conheceram em um bloco – a produzirem um hackathon para a ONU, que aconteceu em mais oito cidades do mundo, em 2017. O objetivo era aproximar a juventude dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030. Mesmo sem saber muito bem do que se tratava uma maratona hacker, mergulharam de cabeça. “Tirando o Dia das Boas Ações, foi o evento que teve mais aprendizado, mas teve momentos em que falei ‘não quero mais, chega!'”, conta Carol.

APESAR DA DEDICAÇÃO, VEIO O APERTO FINANCEIRO. COMO LIDAR?

Mesmo com experiências marcantes, o dinheiro não dava para remunerar as quatro e as reservas foram acabando. Se em 2016 elas faturaram 80 mil reais, viram a cifra cair para 50 mil, em 2017. A solução foi cada uma ir atrás de outros trabalhos e deixar de pegar projetos “por amor”: “Isso é uma questão foda de não entenderem que tem um valor o que a gente está fazendo”, afirma Luna, a única que não tem emprego fixo.

Em um bloco de carnaval, as sócias da Coorte conheceram os fundadores da incubadora abeLLha. Do networking surgiu a chance de realizarem um hackathon para a ONU.

Ela conta que antes todo mundo fazia um pouco de tudo, com uma espécie de job rotation, mas hoje quem está com mais tempo e disposta pega o trabalho. E os critérios para aceitarem uma proposta estão ainda mais ligados a propósitos.

Neste período, ainda houve uma surpresa: Amanda descobriu que estava grávida. “Muitas mudanças aconteceram. De casa, de pensamentos e de objetivos. Trabalhei até o oitavo mês de gravidez, o que foi maravilhoso pois me senti forte, vibrante e produtiva”, diz.

As sócias já tiveram até apoio de mentoria, mas confessam que não se empenharam em buscar um investidor ou aceleradoras. “A gente teve esse embasamento no início para entender que precificar não é nada errado. Mas, meu receio com as aceleradoras é que, de modo geral, elas visam a geração de resultados, mesmo que isso te descole do seu propósito. Meu medo é nos transformarmos em uma commodity”, fala Carol. Luna ainda complementa:

“Se é para vir algo que não está alinhado com meus propósitos, prefiro trabalhar para outra pessoa que dá muito menos dor de cabeça do que trabalhar para si”

Hoje, elas não estão prospectando. Aproveitam os frutos gerados pela rede que criaram desde 2015 e preparam o retorno para o segundo semestre do Pechakucha, com edições mais descentralizadas, e com novos temas e locais. O evento deve ainda ganhar um formato “in company”, pois elas acreditam que a metodologia serve para treinar storytelling, pitch, além de ser um trabalho de team bulding.

Já na vida pessoal, Carol, Luna e Fernanda continuam dividindo o mesmo teto. Amanda está envolvida com o que chama de “o maior empreendedorismo” de sua vida: é mãe de Aurora, de dois meses: “Quando temos filhos vemos o mundo de outra forma. Deixamos egoísmos de lado, temos um sentimento muito grande de melhorar o mundo. Até o início do ano que vem vou focar na maternidade, mas acho que agora, mais do que nunca, só pegando projetos que realmente fazem sentido”, diz ao referir-se aos trabalhos futuros.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Coorte
  • O que faz: Produz eventos e projetos criativos de impacto social
  • Sócio(s): Luna Pizzato, Fernanda Bertol, Amanda Barpp e Ana Carolina Zurcher
  • Funcionários: 4 (as sócias)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: Setembro de 2015
  • Investimento inicial: R$ 1.200
  • Faturamento: R$ 50.000 (em 2017)
  • Contato: [email protected]
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