Em 2022, eu estava passando uns dias na casa da minha mãe em Franca, cidade a 400 quilômetros de São Paulo onde cresci e de onde saí em 1999 para estudar em São Paulo.
Da varanda do apartamento acompanhei o desfile dos atletas do Franca Basquete em um caminhão do corpo de bombeiros para celebrar o título do NBB (Novo Basquete Brasil).
Considerada a capital do basquete (inclusive com o registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial feito por um torcedor fanático e doado ao clube da cidade), Franca acumulava, até aquele momento, 11 títulos de campeão brasileiro, incluindo o tricampeonato em 1997, 1998 e 1999.
Erguer a taça em 2022 – que viria a ser a primeira de um novo tricampeonato, com as vitórias em 2023 e 2024 – foi a melhor forma de dar por encerrada a crise que quase levou a equipe a fechar as portas em 2015, quando acumulava uma dívida de 6 milhões de reais.
Segundo Luís Prior, atual presidente do Franca Basquete, a situação era caótica.
“A equipe estava, literalmente, quebrada. O que tinha de patrimônio eram os troféus, os títulos e a história”
História que começou na década de 1930, quando se formaram vários times dentro das escolas da cidade. Em 1959, o professor de Educação Física Pedro Morilla Fuentes, o Pedroca, inscreveu um destes times escolares na Federação Paulista de Basquete e abriu as portas dos campeonatos oficiais.
Hoje, ele dá nome ao ginásio da cidade, carinhosamente chamado de Pedrocão, com capacidade para 7 mil pessoas e onde o Franca Basquetebol manda seus jogos. Onde, também, assisti a muitas partidas na minha adolescência, comemorei vitórias e lamentei derrotas, principalmente no campeonato sul-americano de 1998, quando o atleta do time argentino Atenas (de Córdoba) ousou cortar a cesta no final da partida.
Sou da época em que o Franca era treinado pelo Hélio Rubens Garcia, pai do Helinho, atual técnico da equipe. Hélio Rubens é um nome super importante do basquete francano e também brasileiro. Ele estava no time que conquistou o ouro no Pan em 1971 e o segundo lugar no mundial de 1970.
Hoje, Hélio Rubens tem 83 anos e a camisa número 8, usada por ele, foi aposentada pelo clube, ou seja, ninguém mais pode vesti-la.
PARA SOBREVIVER, O CLUBE PROPÔS PAGAR SALÁRIOS APENAS NO FIM DA TEMPORADA
Não é difícil imaginar que a crise de 2015 foi muito difícil para um clube com tanta tradição e vitórias. Já contabilizando os títulos atuais, são 14 campeonatos nacionais, 15 campeonatos paulistas, seis sul-americanos e um mundial, em 2023. É um legado que a cidade não queria perder.
Por isso, quando surgiu a notícia de que a equipe poderia não participar da temporada 2014/2015 do NBB começou uma mobilização de entidades e empresários para evitar que isso acontecesse.
“O período de março e abril, já no fim da temporada, foi o mais difícil. Houve várias reuniões que envolveram o prefeito na época, coincidentemente o mesmo que está hoje. Ele, inclusive, liderou essas conversas com as entidades para abraçar a causa”
Uma dessas reuniões aconteceu entre a direção e os atletas e colocou na mesa a promessa de que eles poderiam jogar porque os salários atrasados seriam pagos no fim da temporada. Lula Ferreira, na época o técnico da equipe, e Helinho Garcia (hoje treinador e, naquele momento, atleta) comandaram a conversa ao lado de Carlos Donzelli, Diretor Executivo do Magazine Luiza, e Marcelo Carraro Rocha, diretor da ACIF (Associação do Comércio e Indústria de Franca).
“Eles se sentaram com os jogadores e teve muita tensão. Mas com a palavra do Helinho e do Lula, que estavam envolvidos, e também da ACIF e do Magalu, eles acreditaram e jogaram até o último jogo.”
A equipe terminou aquela temporada em sexto lugar, o que não foi uma surpresa. Ali, o objetivo era sobreviver.
Um nome importante neste momento de “colocar a casa em ordem” foi o da empresária Luiza Helena Trajano, francana, torcedora e presidente do Conselho Administrativo do Magazine Luiza, empresa fundada por sua tia na cidade em 1957 e patrocinadora do Franca Basquete desde 2016.
Em junho de 2015, ela participou de uma reunião do conselho deliberativo do Franca Basquete, onde também estavam presentes empresários e autoridades. A reunião foi no prédio da ACIF, que fica em frente à primeira loja do Magazine Luiza, bem no centro da cidade. Ali, a empresária foi taxativa: “Ou muda o estatuto ou o Magalu está fora”.
Luís explica que a mudança do estatuto foi fazer com que as cadeiras do conselho deixassem de ser ocupadas por pessoas e passassem a ser ocupadas por entidades. O principal objetivo era aproximar o clube de uma estrutura de governança mais profissional, diminuindo o peso das interferências pessoais nas decisões.
“Querendo ou não, as pessoas podem se perpetuar e também se sentem um pouco donas, o que não é algo sadio. Quando tem a entidade, se a pessoa que foi nomeada não cumprir o combinado é só nomear um novo representante”
Poucas semanas após essa reunião, Luís assumiu a presidência do Franca Basquete. Empresário local, ele trazia a experiência de ter ajudado a Santa Casa a sair de uma de suas crises.
O primeiro passo foi fazer um empréstimo bancário e honrar aquele acerto feito com os atletas para seguirem atuando na temporada sem receber os salários. E Luís foi o avalista do crédito de 900 mil reais que resolveu parte do problema.
Parte porque, enquanto honrava o compromisso com os atletas, ele descobriu que havia muitas outras dívidas que chegavam a 6 milhões de reais.
“Até pelo fato de não ter uma gestão profissional, só soubemos dessa dívida depois de assumir. Conseguimos negociar muitas coisas, inclusive descontos, e, se não não fosse a pandemia, com certeza não teríamos mais dívida nenhuma”
Pagar salário era parte fundamental e inquestionável do trabalho, mas também era preciso tornar o clube sustentável, o que só aconteceria seguindo a regra básica da economia: equilibrar receitas e despesas.
No caso de um clube esportivo, um dos grandes gastos é com as contratações. E o Franca Basquete adotou um modelo que alia as chamadas “contratações cirúrgicas” com um importante trabalho de base. Isso significa trazer jogadores bem estudados para as posições carentes e pinçar na base os garotos que se destacam.
O objetivo, afirma Luís, é ter no máximo nove adultos e o restante trazer da base – um time de basquete tem 12 atletas. Com isso, ele acredita que o projeto se torna sustentável:
“Como aqui temos que estar sempre brigando na parte de cima da tabela, é preciso aumentar o orçamento todos os anos. E isso pode ficar insustentável. Por isso, somos 100% razão na hora de tomar essas decisões. Se não tem orçamento para contratar, não contratamos”
Por questões de confidencialidade ele não divulga o orçamento, mas diz que é um dos mais altos do NBB. “Acredito que seja o segundo, porque o Flamengo deve ter o maior orçamento”.
Um momento importante nessa história de reconstrução foi a entrada do Sesi como parceiro.
Isso começou em 2016, pelas categorias de base. Pelo fato de Franca ser uma cidade com muitas indústrias de calçados, existe um bom trânsito dos empresários com o Sesi e, assim, veio a parceria para o treinamento dos atletas de base.
A equipe foi campeã da Liga de Desenvolvimento de Basquete e o Sesi aceitou a ideia de investir na categoria adulta em 2017. O resultado foi que em 2018 veio o primeiro título dessa nova fase com o campeonato paulista.
Legalmente, o Sesi não é um patrocinador, mas um parceiro. E atua lado a lado com a Netshoes (empresa do grupo Magalu) que é a patrocinadora master.
“Toda mão de obra, do mordomo ao técnico, são registrados no SESI. A Netshoes contribui para o SESI a parte dela, porque eles estão com a maior despesa”, diz Luís. “E o Franca Basquete ficou com toda a logística, que é viagem, uniforme, hospedagem, alimentação e toda a parte operacional.”
Embora não se considere um torcedor fanático, como boa parte dos francanos, Luís sempre acompanhou basquete e, agora, claro, acompanha muito mais. Ele ocupou a presidência do clube entre 2015 e 2020 e retornou em 2023, no mandato que vai até 2026.
Para ele, 70% do trabalho para manter uma equipe de pé acontece nos bastidores e inclui suprimir a paixão para não comprometer a sustentabilidade, além de saber receber as críticas de uma torcida apaixonada que quer ver resultado.
Na temporada 2016/2017, o Franca Basquete foi desclassificado nas quartas de final. Era a primeira temporada de Helinho como técnico e a torcida dava sinais de que o queria fora. Mas não era esperado que a conquista de um campeonato viesse logo no primeiro ano. Havia o desejo, mas a diretoria sabia que era preciso tempo e bancou manter o técnico no clube.
“Ele precisava ganhar experiência com o treinador. Tanto que na temporada seguinte fomos campeões paulista”
Hoje, Helinho está em Paris para as Olimpíadas como auxiliar do técnico Aleksandar Petrovic.
Claro que o Franca Basquete não vai ser campeão em todas as disputas. Ter governança em clube esportivo significa saber que derrotas virão e estar preparado para isso, mesmo que o clube não seja uma empresa, mas uma associação sem fins lucrativos, como é o caso do Franca Basquete. Pelo menos por enquanto.
“Estamos atentos aos novos tempos de SAF [Sociedade Anônima de Futebol]. Mas, por enquanto, somos uma associação.”
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