Lançar mão do aplicativo para chamar um carro se tornou um gesto quase automático de tão habitual para milhões de pessoas pelo mundo, Brasil incluído. Bem menos comum, claro, é o ato de usar o app para conseguir um lugar em um jato executivo. Essa é a experiência proposta pela Flapper, que vende assentos em voos compartilhados da aviação privada. Com sede em Belo Horizonte, a empresa faturou 6 milhões de reais em 2018 — e planeja expandir ainda este ano para outros países da América do Sul.
“A Flapper nasce como uma resposta à falta de acesso a serviços de primeira classe e aviação executiva”, diz Paul Malicki, CEO. “Por um lado, vimos que é muito difícil voar para aeroportos do Brasil que não têm aviação sistemática e, por outro, que era muito moroso contratar um serviço de táxi aéreo.”
A startup oferece dois tipos de serviços: o fretamento de aeronaves completas (helicópteros e aviões de pequeno porte) e a venda de assentos em voos fretados. Só no ano passado, a Flapper transportou 4 000 passageiros. A meta, em 2019, é dobrar este número.
“Pelo volume [de passageiros], 80% se trata de compartilhamento. Mas pelo faturamento, estamos 60% no charter e 40% no compartilhado”, diz Paul. “Ficamos bem surpreendidos com a demanda para voos fretados, mas considerando que não tem uma empresa na America Latina que agrega todas as opções de aviões e helicópteros, o mercado está muito quente para esse tipo de solução.”
Polonês radicado no Brasil desde 2013, o CEO da Flapper tem alguns negócios digitais na bagagem: atuou em startups em países tão díspares como Suécia e Filipinas, foi sócio da Easy Táxi e atuou como conselheiro do Nubank e do e-commerce de moda de luxo Farfetch. Em 2016, ele topou a aventura de embarcar na Flapper a convite dos sócios-fundadores: Arthur Virzin, 35, CTO; Iago Senefonte, 24, Full-Stack Developer; e Willian Oliveira, 28, Head de Infraestrutura.
O trio se conheceu na Qiwi, uma operadora de sistemas de pagamentos eletrônicos online (onde Arthur liderou a equipe de tecnologia para o IPO da empresa, em 2015). O fato de nenhum dos sócios ter vindo do mercado de aviação é uma vantagem, na visão de Paul:
“Para criar uma solução nova é bom ser de fora do mercado porque você acaba sendo um pouco mais objetivo”
Antes de fazer a Flapper decolar, os sócios pesquisaram marketplaces e linhas aéreas em moldes semelhantes nos Estados Unidos e Europa, como Blade, JetSuite e Boutique Air. E, claro, foram pesquisar o mercado brasileiro de aviação. “Descobrimos que o Brasil é o segundo maior mercado de aviação executiva no mundo e São Paulo é o número um quando se fala em helicópteros”, afirma o CEO.
FRETAMENTOS QUE VÃO DE RIO-ANGRA ATÉ VOOS TRANSCONTINENTAIS
Os números do mercado interno impressionam. O país tem a segunda maior frota de aviação executiva do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos). Em São Paulo, afirma Paul, há mais de 200 helipontos ativos, 40 deles usados diariamente, e a maior frota de helicópteros do mundo, com 500 unidades, quatro vezes mais do Nova York, que vem no distante segundo lugar. Rio de Janeiro (4º) e BH (6º) também integram o top ten.
Hoje, a Flapper conta com 200 aeronaves e 100 mil usuários cadastrados na plataforma. O preço de um fretamento pode variar de 3 mil reais (no trecho entre Rio de Janeiro e Angra dos Reis) a bem mais de 500 mil reais para voos transcontinentais — segundo o CEO, a empresa já realizou voos que custaram mais de um milhão de reais.
O preço dos assentos em voos compartilhados, com horário marcado, custam a partir de 950 reais. O ticket médio de compra é de 1.500 reais — e vem crescendo, segundo o CEO. “Em média, um cliente compra mais de um assento”, diz Paul. “E a recorrência é de quatro voos por cliente.”
Para usar o sistema, é preciso se cadastrar no aplicativo, escolher o voo, o assento e estar no aeroporto no horário agendado. O cadastro na plataforma é gratuito, tanto para os donos de aeronaves quanto para os passageiros.
O modelo de negócio prevê uma margem de 8% sobre o frete das aeronaves fechadas e de 20% sobre a venda de assentos, caso sejam vendidos todos os lugares. E aqui está um desafio da empresa: a venda completa não acontecer. O CEO explica:
“Quando não vendemos todos os assentos, ficamos com o prejuízo. Caso a gente venda, ficamos com 20% de margem”
E acrescenta: “A solução para não perdermos dinheiro a longo prazo é o crowdsourcing, uma ferramenta que vamos tentar lançar no final do ano, em que os clientes poderão lançar os próprios voos e compartilhar os custos entre si.”
O serviço de fretamento de aeronaves pode ser feito para todo o planeta, a depender da negociação com as empresas. No caso do compartilhamento, existem, por ora, poucas rotas disponíveis: São Paulo x Janeiro; São Paulo x Angra dos Reis (nos fins de semana) e Rio de Janeiro x Búzios (nos feriados); além de voos para 14 cidades de Minas Gerais saindo do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte.
A CRISE PODE TER SIDO UM EMPURRÃOZINHO NECESSÁRIO
Paul conta que foi dureza começar o negócio em 2016, ano em que o Brasil entrou em forte crise financeira. Convencer as pessoas, naquele momento, a gastar mais dinheiro para viajar não era uma tarefa simples.
Por outro lado, a crise ajudou a fazer com que as empresas de táxi aéreo vissem na Flapper uma oportunidade:
“Com a crise, a demanda da aviação executiva caiu 30% no Brasil. E a gente estava com uma solução que permitia oferecer o mesmo serviço para várias pessoas por um preço reduzido”
Com recursos próprios, os sócios fretaram uma aeronave e colocaram assentos à venda. O objetivo: provar a viabilidade do modelo de negócios de compartilhamento para o mercado de aviação.
“Em torno de 20% a 30% de voos no mercado de táxi aéreo no Brasil voltam vazios, o que a gente chama de ‘empty legs’. Para convencer a operadora a aceitar esse tipo de solução tivemos que bancar o custo inteiro para vender dois ou três assentos. E provamos que esse modelo fazia sentido.”
Em três anos, um milhão de reais foram injetados na startup, entre recursos próprios e de investidores. No início, os sócios se dividiam entre a Flapper e atuando como consultores em outras empresas, para garantir uma renda enquanto construíam o negócio.
O antídoto contra o desânimo vinha da análise dos números do mercado de aviação. “Víamos que havia demanda, operadoras, clientes e rotas. Acreditávamos na solução porque todos os dados mostravam que havia demanda para isso”.
A alardeada facilidade do brasileiro para adotar serviços compartilhados teria ajudado a ideia a sair do chão. Paul diz:
“Acreditamos que o Brasil é o único país onde, com facilidade, você pode criar um serviço compartilhado de táxi aéreo. Países como México e Colômbia, por exemplo, ainda não têm tantas pessoas de classe média alta que aceitam se juntar em um voo”
Na comparação com outros países latino-americanos, o CEO da Flapper destaca uma combinação de fatores favoráveis do Brasil. Entre eles, uma classe média de mais de 100 milhões de pessoas, ávida na adoção de ferramentas digitais, e a concentração atual dos voos privados num raio de 1 000 km de São Paulo (facilitando o desenvolvimento da aviação privada, que privilegia trajetos curtos.
O FUTURO SERÁ A BORDO DE DRONES AUTÔNOMOS
A Flapper conseguiu se estabilizar e oferecer mais regularidade nas rotas compartilhadas a partir de 2018. Agora, a empresa começou a aceitar pagamentos em Bitcoins. Os sócios acreditam que as criptomoedas se tornarão mainstream e assumem a missão de ajudar a popularizar as novas tecnologias e formas de pagamento.
O futuro da Flapper aponta para o transporte de passageiro com drones autônomos — na opinião de Paul, a única forma de fazer com que os voos fiquem mais acessíveis e ganhem escala. A startup planeja oferecer uma rota entre São Paulo e Guarulhos até 2022.
“Atualmente, 40% de preço de um voo executivo é gasolina e não há espaço para diminuir este custo. Isso só vai acontecer com uma nova tecnologia, como drone autônomo com bateria elétrica”
Dubai, por exemplo, já testa a alternativa dos táxi-drones. Paul acredita que a operação pode vir a ser mais simples do que a de carros autônomos, porque em tese não requer tantos algoritmos para controlar elementos externos, como semáforos, sinalizações, outros motoristas e pedestres atravessando a rua. “No caso do drone, ele sobe, voa e desce, ou seja, é muito mais fácil desenvolver um algoritmo do que no caso de um carro.”
Uma vez consolidada a tecnologia, diz, será apenas uma questão de conectar uma plataforma de venda de voos autônomos com a empresa responsável pelo desenvolvimento do drone homologado. E a infraestrutura já estabelecida de helipontos nas grandes metrópoles brasileiras deve ser uma vantagem a mais.
Faltam só três réveillons até 2022. Para o CEO do Flapper, o céu parece mesmo o limite — e o futuro está logo ali.
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