Depois de cinco anos trabalhando no ecossistema de tecnologia, o administrador sul-mato-grossense Guilherme Junqueira, 33, finalmente encontrou o match perfeito para a carreira — dele próprio e de mais 30 mil pessoas.
Apaixonado por educação e empreendedorismo, Guilherme criou, em 2016, a Gama Academy, uma startup que capacita mão de obra especializada para tecnologia e que já certificou mais de 30 mil profissionais. Ele afirma:
“Empreendedorismo e educação são os dois ‘E’ mais poderosos em termos de impacto para mudar vidas, gerando emprego e renda e ressignificando o dia a dia das pessoas”
Os cursos são online, embora a Gama ofereça também atividades presenciais sob demanda para clientes corporativos. Em 2021, parte do negócio foi adquirida pela Ânima Educação, por 34 milhões de reais — hoje, a startup é a principal empresa de tecnologia do grupo.
A tecnologia nunca foi uma opção óbvia para a carreira de Guilherme, o fundador da Gama Academy.
Nascido em Campo Grande e filho de mãe solteira e funcionária pública concursada, ele atribui a ela a valorização do trabalho e do estudo. Tanto que foi incentivado a trabalhar desde cedo: aos 14 anos, carregava caixa de legumes no Ceasa.
Já na faculdade de administração, começou a demonstrar boas habilidades em oratória e talento para comunicação. Decidiu naquela época que um dia trabalharia na área de educação.
Guilherme emendou a graduação com uma pós. Enquanto isso, se inscrevia em programas de trainee. Em 2009, passou em um dos mais difíceis da época, o da Ambev. Lá, aprendeu sobre processos, gestão e cultura — mas a vontade de empreender falou mais alto e, em um ano, Guilherme deixou a companhia.
“Todo mundo me chamou de doido porque [a Ambev] era uma empresa onde eu poderia crescer… Mas fui apreciando o sentimento de resolver problemas. E o primeiro que busquei solucionar foi o de gerar economia local em bairros, tentar ajudar as lojinhas de bairro a não quebrarem”
Assim, em 2010 ele empreendeu o ClickBairro, um guia de bairros online, uma espécie de telelista. Logo no primeiro ano, a empresa chegou a 500 mil reais de faturamento e 12 funcionários. No segundo, porém, quebrou por falta de gestão financeira.
“Foi um ‘grande MBA’, mais barato e mais rápido”, diz Guilherme. “Quebrar uma empresa não é algo que a gente está preparado na vida empreendedora.”
Depois da primeira aventura como empreendedor, Guilherme voltou para a vida de CLT, gerenciando uma equipe comercial em uma empresa desenvolvedora de sistemas de gestão, onde aprofundou o contato com o universo da tecnologia.
Com a expertise, decidiu empreender novamente. Em 2012, foi sócio de uma desenvolvedora de software para terceiros. Imerso no mundo da tecnologia, migrou para fundar algumas startups em uma venture builder (que hoje, já encerrou suas operações).
Além de empreender, em 2013 Guilherme passou a atuar como o diretor-executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), então recém-fundada.
“Meu trabalho era fomentar um ecossistema que não existia ainda, fortalecer os associados e criar projetos para atender essas empresas de maneira que proporcionasse acesso a mercado, talentos e capital”
Como diretor da ABStartups, participava de eventos de startups e benchmarkings com empresas estrangeiras. E foi em uma das oportunidades que ele teve o insight para empreender a Gama Academy.
Numa dessas visitas, em 2015, Guilherme foi à sede da General Assembly, em Austin, no Texas. A startup tinha um modelo de capacitar mão de obra em tecnologia por meio de cursos intensivos, os bootcamps, e entregá-la diretamente para empresas parceiras como Microsoft, IBM, PayPal e SalesForce.
Conhecendo as dificuldades do mercado brasileiro em encontrar e formar mão de obra, propôs aos americanos que estendessem a operação para o país.
“Todo mundo reclamava que não encontrava talento, que não era na faculdade que eles estavam, que tinham de formar [esses profissionais] ‘em casa’… Eu via esse problema muito crônico. Havia acesso ao mercado, ao capital, mas faltava acesso a talento”
Com um sonoro não à proposta, Guilherme voltou inconformado para o Brasil. Ainda no avião, rascunhou em um papel que guarda até hoje: “Já que não vou ter a GA deles, vou criar a minha própria GA”.
A INSPIRAÇÃO PARA O NOME DA STARTUP VEIO DO UNIVERSO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Guilherme tinha clareza sobre qual seria o modelo de negócios da sua futura empresa: praticamente um CTRL+C, CTRL+V da General Assembly.
Mas logo percebeu que deveria levar em conta as diferenças de cultura, classes sociais, processos de vendas, precificação e metodologia entre os dois países. Era preciso “tropicalizar” a fórmula dos americanos.
“Fizemos um espelho do que as empresas queriam e precisavam e desenhamos a sala de aula. O mercado guiou a metodologia de ensino [da Gama Academy]. A gente brinca que a nossa ementa educacional é reflexo do job description que as empresas parceiras buscam”
A Gama Academy foi lançada oficialmente em abril de 2016. A inspiração para o nome (com as mesmas iniciais de General Assembly, quase uma provocação) veio dos gibis: é por efeito dos raios gama que Bruce Banner se transforma no Hulk e ganha força e poder para encarar os desafios.
Rapidamente, a Gama fez o seu primeiro MVP, a partir de um investimento anjo de 50 mil reais de um grupo de “FFFs: friends, family and fools” (amigos, familiares e tolos), brinca Guilherme.
Com essa grana, em dois meses a Gama conseguiu formular um curso, recrutando professores freelancers e voluntários, e também fechar parcerias com as empresas. Escolheram Belo Horizonte por ser um ambiente com uma oferta e demanda de emprego mais controlada do que São Paulo.
A primeira turma da história da Gama Academy teve 100 alunos e mais de 30 professores em um curso de formação gratuito. Com as empresas parceiras, o combinado era que pagassem à startup o valor correspondente ao primeiro mês de trabalho de cada funcionário contratado.
O resultado foi um sucesso imediato: em 30 dias, 100% dos novos profissionais já estavam contratados em empresas de tecnologia como Sympla, Sambatech e Maxmilhas, que patrocinaram o curso.
“Tivemos grandes casos de sucesso, como foi o caso de um ex-aluno que foi contratado pela Méliuz. Atualmente ele é sócio e diretor de uma spin-off do grupo”
Com o êxito, o “branding boca a boca” da Gama Academy ganhou força. “Em menos de 30 dias fechamos uma segunda turma em São Paulo com 100% de indicação, sem nenhum [investimento de marketing.”
A GAMA AMPLIOU PARA O B2C E HOJE OFERECE CURSOS PAGOS E PLANOS DE ASSINATURA
Os resultados do MVP possibilitaram amadurecer o modelo de negócios da Gama Academy.
De uma proposta totalmente B2B, em que empresas parceiras bancavam cursos de formação gratuitos para os alunos, a startup expandiu para mais três produtos: cursos pagos, formações em que os alunos só começam a pagar quando conseguem emprego e uma plataforma de assinatura.
“Com o tempo fomos evoluindo, captando investimento, aprendendo como fazer e o que fazer. Hoje não somos apenas um serviço. Somos uma plataforma digital para formação de habilidades em tecnologia voltadas para hard e soft skills”
O nanodegree Gama Experience dura seis meses e custa 12 mil reais, que podem ser pagos depois que o profissional conseguir seu emprego.
Por sua vez, a plataforma de assinatura oferece 70 cursos e duas opções de planos, de 499 reais e 1 299 reais (este inclui mentorias, masterclasses e jornadas exclusivas de formação profissional).
Hoje, em termos de faturamento, a balança ainda pende para o B2B, que responde por 60% do resultado.
Essa frente, aliás, também evoluiu. Em 2018, a Gama Academy percebeu que poderia atender empresas em crescimento acelerado, com um volume de contratação entre 40 a 80 alunos por turma.
Eram marcas como Nubank, Magalu e iFood, que não se contentavam em participar das rodadas normais de formação.
“A nossa metodologia era sensacional, mas precisava crescer em volume e personalização. Nasceu então o modelo de Academy as a Service, ou education recruitment. A empresa paga para formarmos turmas de 30, 40 [pessoas] até mil profissionais”
O valor dessas formações varia, segundo Guilherme. “Nossos produtos são personalizados. O período, a complexidade e o volume impactam no preço”, diz o empreendedor. “Não cobramos por preço de formação – no caso do education recruitment –, só nos treinamentos in house.”
Cabe à Gama Academy o trabalho de organizar o processo seletivo, o treinamento, a jornada educacional… “Tudo gratuito para aluno que foi selecionado, que no final tem oportunidade de ser contratado.”
PARTE DO GRUPO ÂNIMA EDUCAÇÃO, A STARTUP AGORA TAMBÉM OFERECE PÓS-GRADUAÇÕES E CURSOS TÉCNICOS
De um time inicial de apenas três pessoas, a Gama Academy encorpou e soma hoje mais de 100 funcionários e 450 professores (a maioria freelancer).
Guilherme fala sobre o impacto da Covid-19 em seu negócio:
“A pandemia exigiu que a Gama se reinventasse. Como já tínhamos um modelo definido de entrega de valor, os primeiros meses foram difíceis, mas logo vimos uma crescente de procura por profissionais — e consequentemente de pessoas querendo acelerar suas carreiras”
A empresa, agora parcialmente adquirida pela Ânima Educação, passou a oferecer pós-graduações e cursos técnicos regulados pelo Ministério da Educação, por meio da Gama University. A primeira turma começou em dezembro de 2021; mais três devem ser abertas neste ano.
Mesmo com as conquistas e a certeza de finalmente ter encontrado seu propósito, Guilherme ainda sonha alto:
“Empreender é também gerir utopia. E a utopia é legal porque quanto mais se aproxima dela, mais você se afasta… Minha meta de vida agora é acelerar 1 milhão de carreiras, e não vou sossegar até chegar lá.”
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