A gênese, a aventura, o fim e o legado. Conheça a saga da Colmeia e o que seus fundadores aprenderam na jornada

Italo Rufino - 10 dez 2015
Andre Passamani e Eduardo Camargo, sócios na Colmeia e, hoje, empreendendo juntos novamente na Mutato (foto: Kalinca Maki).
Italo Rufino - 10 dez 2015
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“Ser uma rede complexa com organismos auto organizados que dispensam um controle centralizado para agir”. Era neste sentido de colmeia que Andre Passamani, 42, pensava quando batizou a empresa, em 2007. Mas será que ser metódico e disciplinado, como são as abelhas, era algo que estava no DNA dos fundadores? A trajetória da produtora mostrou que não. A Colmeia nasceu com nome de abelha e cara de urso (uma sacada do amigo que criou o logotipo), operou de 2007 a 2013 e tornou-se referência em produção audiovisual, interativa e digital no mercado publicitário, tendo sido pioneira no uso de tecnologia e design para produzir conteúdo para grandes marcas.

Para entender a dimensão do impacto da Colmeia, é preciso levar em conta que ela surgiu quando o mundo digital era algo incipiente, a ser desbravado com muita dificuldade. Na época, por exemplo, os sites só suportavam banners (anúncios) pequenos, que reproduziam os mesmos formatos usados da mídia impressa. Os arquivos de vídeos também não tinham uma padronização definida para serem postados na internet. Além disso, a banda larga ainda engatinhava no Brasil. O país possuía apenas 2,26 milhões de acessos – ante cerca de 160 milhões hoje em dia.

O ano era 2005. Enquanto a Colmeia dava seus primeiros passos, ainda como um departamento da produtora de filmes publicitários e cinema Academia de Filmes, nasciam o YouTube e o Adobe Flash 8, a ferramenta que permitiu um grande salto nas possibilidades de criação de animações e vídeos em páginas de internet.

A saga da futura empresa teve início quando Eduardo Camargo, 41, formado em engenharia civil e ex-diretor da agência Leo Burnett, foi convidado para liderar o núcleo nascente digital da Academia de Filmes. Eduardo chamou o colega Leonardo Barbosa, que tinha trabalhado como desenvolvedor na agência F/Nazca, e este, por sua vez, recomendou Caio Lazzuri, diretor de arte que vivia fora do Brasil. Por fim, Caio indicou Andre, jornalista que atuava na área de tecnologia, para assumir a função de gerente de projetos. Este era o time e eles tinham, pela frente, um universo literalmente em expansão para desbravar.

O núcleo durou dois anos como departamento da Academia. Em 2007, com a maturação do mercado, Andre e Eduardo decidiram que era hora de ter mais independência e se uniram ao amigo Mauro Kazi,  45, que assumiria a função de diretor de operações, para criar uma nova empresa. De funcionários, eles passaram a ser empreendedores na assim batizada Colmeia. A Academia de Filmes (que investira 1 milhão de dólares na iniciativa) ficou com uma participação societária de 70% na nova empresa.

Fundadores e funcionários da Colmeia no dia do lançamento oficial da empresa, em 2007.

Fundadores e funcionários da Colmeia no dia do lançamento oficial da empresa, em 2007.

Eduardo relembra a gestação da Colmeia: “A gente tinha uma ideia fixa de não se conformar, de buscar novas trincheiras. A gente pensava o tempo todo ‘isso aqui já foi feito, isso aqui já tem concorrentes, vamos fazer algo diferente’. Logo, os parceiros e clientes passaram a reconhecer isso”.

E foram muitos clientes. Grandes marcas começaram a usar a internet para proporcionar novas experiências ao consumidor. Empresas do setor automobilístico, como Fiat e Volkswagen, por exemplo, foram algumas das primeiras a apostar na tendência e criar sites em que os visitantes podiam customizar carros e visualizá-los de diferentes ângulos – o que era uma nova forma de conhecer o produto antes do momento de compra.

A Colmeia passou a executar projetos para Skol, Nokia, Banco Real e Petrobras. Um dos trabalhados produzidos para a petroleira foi a série de dez minidocumentários Nossas Histórias. Lançados em 2009, os filmes retratavam projetos que a Petrobras apoiava nas áreas de meio ambiente, sociedade, energia e tecnologia.

Outro projeto relevante foi o game WeAtheR para o GreenPeace, realizado em parceria com a agência AlmapBBDO. O jogo online era um tabuleiro digital baseado no clássico War. No entanto, em vez de guerrear, os jogadores tinham que colaborar entre si para salvar o mundo de um cataclisma ambiental. O projeto foi a 11º peça publicitária digital mais premiada do mundo de acordo com o Gunn Report 2009.

Também foram muitos reconhecimentos à Colmeia. Somente entre 2008 e 2009 a produtora sensação da publicidade levou sete prêmios entre os mais cobiçados do mercado, como o Cannes Lions e o London Festival. A empresa também foi indicada ao Prêmio Caboré em 2009 e, em 2010, Eduardo e Andre ganharam ouro e prata no New York Festivals e no Wave Festival.

A MUDANÇA CONSTANTE COMO CULTURA

Durante sua trajetória, a Colmeia teve vários formatos de produto, que mudavam conforme as tecnologias eram aprimoradas e novas tendências surgiam no mercado. No início, o foco era nos vídeos interativos. Depois, games. No terceiro ano, passaram a produzir vídeos de live action para o YouTube. Na sequência, investiram em produção de documentários. Na fase final, a empresa se voltou para programas de TV transmitidos pela internet. Eduardo conta sobre essa dinâmica:

“Por buscar estar sempre à frente do tempo, tínhamos que correr o máximo possível para tornar uma ideia viável e, de fato, entregar coisas concretas”

Para conseguir viabilizar tantas demandas, teve um momento que a empresa chegou a montar uma equipe com dez programadores. Um ano depois, não havia necessidade de tanta gente de tecnologia. Nisso, os gestores passaram a reinventar funções – e um programador podia atuar como um diretor de cena, por exemplo. “Era como apertar um Control+Alt+Del e começar a fazer projetos do zero”, afirma Andre.

Imagem do premiado jogo online, desenvolvido pela Colmeia para o Greenpeace, no qua era preciso colaboração global para salvar o planeta.

Imagem do premiado jogo online, desenvolvido pela Colmeia com a AlmapBBDO para o Greenpeace, no qual era preciso colaboração global para salvar o planeta.

A Colmeia chegou a ter 40 funcionários em seu auge. Gente bem diversa: engenheiros, arquitetos, fotógrafos, jornalistas, músicos, designers, tipógrafos, figurinistas e mais várias pessoas sem a graduação completa. Os sócios consideram que o auge da empresa se deu em 2011, quando o faturamento cresceu 30%. O negócio continuaria promissor, já que no primeiro trimestre de 2012, cresceria 20% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Nessa fase, além da Petrobras, a Colmeia atendia também Google e Itaú.

O INÍCIO DO FIM

Como numa obra literária, a Colmeia teve início, clímax e desfecho. Antes, porém, houve o conflito. Conforme crescia, já a partir de 2009 a empresa começou a atuar num modelo similar ao de uma agência. Na visão dos fundadores, este movimento não foi intencional – era natural que, ao ganhar relevância no mercado, as marcas passassem a procurar diretamente a Colmeia sem recorrer a um intermediário. Com isso, aos poucos, a Colmeia começou a se distanciar da estratégia da Academia de Filmes, que a oferecia como uma prestadora de serviços extra aos seus clientes.

Outro fator também ajudaria a azedar a relação. “Na época, havia um conflito de interesse quando a Colmeia realizava trabalhos diretamente para marcas que poderiam ser clientes de outras agências e não da Academia de Filmes”, afirma Eduardo.

Ao mesmo tempo, o mercado começou a não depender de intermediários para realizar ações de comunicação – e as empresas que queriam produzir conteúdo relevante para engajar o público passaram a contratar ainda mais a Colmeia. “Hoje esse conflito entre qual é o papel das produtoras e qual é o papel das agências já não existe. Não tem mais lógica. Muitas produtoras já elaboram e oferecem projetos exclusivos para as marcas, que estão cada vez mais preocupadas em gerar conteúdo. Mas nós sofremos com isso exatamente por ser pioneiros”, diz Eduardo.

Em abril de 2012, Andre, Eduardo e Mauro decidiram deixar a Colmeia após divergências sobre os rumos que a empresa deveria seguir. Dois meses depois, o Grupo Ink (controlador da Academia de Filmes) promoveu João Ramirez, até então líder da unidade de negócios convergentes, ao cargo de CEO da Colmeia. Em um ano, a Colmeia deixou de existir formalmente. Andre, que tatuou o logo da Colmeia no braço três anos após o fechamento da empresa, conta que ele, Eduardo e Mauro fizeram questão de não procurar saber as causas do encerramento:

“A empresa era muito ligada a nós. Acreditávamos em coisas que os outros sócios não gostavam. Eles seguiram por um caminho e não deu certo. Mas não ficamos olhando para trás, pois já rola um saudosismo muito forte”

Um dos legados que os empreendedores acreditam que a Colmeia deixou foi a experiência positiva e cultura marcante aos funcionários e parceiros. Alguns empregados seguiram a carreira na área de comunicação. Fernando Cury, por exemplo, que era responsável por estratégias de redes sociais, hoje atua na agência Wieden+Kennedy. Outros se tornaram empreendedores, como Thiago Godoy, que era diretor de atendimento e novos negócios e fundou a marca de picolés saudáveis Naked em janeiro de 2015.

O RECOMEÇO E NOVOS DESAFIOS

Após um hiato de seis meses, Andre e Eduardo retomaram a parceria e fundaram Mutato (que significa mudança em latim), uma agência de brand content que realiza projetos em diversas mídias e plataformas, como mobile, internet, cinema e TV. Agora, a sociedade é com a J. Walter Thompson Brasil, agência de publicidade multinacional que pertence a holding WPP. Logo de cara, a Mutato arrebatou dois grandes clientes, Coca-Cola e Google.

A nova empresa seria uma continuação da Colmeia? Com a palavra, Eduardo:

“A Colmeia nasceu, teve uma evolução bacana e morreu. Ao mesmo tempo em que acabou, ensinou um monte de coisa para nós. Agora estamos em outra encarnação. Mas a cultura da mudança continua. O grande valor é mudar rápido, não ter medo. Essa é a nossa expressão”

Com a página virada, fica o aprendizado. Na visão de Eduardo e Andre, o fracasso ainda é tabu para os brasileiros. Mas não para eles, que não tinham medo de assumir riscos quando ainda eram intraempreendedores.

“Oficialmente, nós só fracassamos uma vez. Mas gostaríamos de ter fracassado outras dez vezes. Assim teríamos enxergado infinitas novas possibilidades e vivido experiências enriquecedoras”, afirma Eduardo. E bola para frente. A mudança é contínua e, como disse o poeta Paulo Leminski, “só o erro tem vez”.

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