A turma que nasceu nos anos 30 está indo embora.
Jô Soares, há poucos dias. Antes, Chico Anysio. João Gilberto.
Seguem conosco Luis Fernando Verissimo, Ziraldo, Mauricio de Sousa, Renato Aragão.
Essa turma desfila pela oitava década. E desafia o fluxo implacável. E amplia a fronteira
Como Fernanda Montenegro, nascida nos anos 20, que reinventa o aniversário de 90 anos com um sorriso sábio e sereno. Ou Dalton Trevisan. (Ao citá-los, lembro de Tom Jobim, que bem que poderia estar por aqui ainda tomando um chope ao piano. E de Rubem Fonseca, que se retirou esses dias. E de Lygia Fagundes Telles, que esticou até os 103.)
Agora é a vez da turma que nasceu na década de 40 celebrar 80 anos. Esse marco maravilhoso e assustador. Aplausos e bis.
Caetano. Gil. Chico. Roberto.
Gabeira. Ruy Castro. Nelson Motta. Pelé.
Meus ídolos.
Loas a tudo que realizaram. À obra que construíram, com a qual inscreveram seus nomes na história.
No entanto, ao vê-los em ação, me dou conta de que seu maior legado não está no que fizeram – mas em continuarem fazendo.
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Eu olho para essa gente que me formou. Com amor e gratidão.
E celebro as vidas que viveram. Mas ainda mais o fato de se manterem ativos, criativos – vivos de verdade.
Jô disse em uma de suas últimas entrevistas: “Eu não tenho medo de morrer. Eu tenho medo de ficar improdutivo.”
Ou Chico Anysio, anos antes: “Eu não tenho medo de morrer. Eu tenho pena.”
Eu celebro essa sede de vida, esse brilho no olho, essa energia vital – e, ao mesmo tempo, essa tranquilidade diante da ampulheta
Não importa se a mão treme, se uma ou outra palavra escapa, se a voz não é mais a mesma, se as costas doem, se é preciso fazer tudo mais devagar porque o corpo não tem mais a mesma agilidade, e tudo parece cansar.
Importa caminhar. Não parar. Manter-se em movimento.
Não importam as intempéries lá fora, nem os obstáculos do caminho, nem as agruras da existência – e do próprio envelhecimento. Importa seguir.
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Eu celebro Caetano no palco com seus filhos. E Gil na TV com seus netos. E Chico compondo – de novo – o hino da redemocratização brasileira.
(Mick Jagger em turnê, dançando e cantando melhor que Beyoncé, com a mesma cintura que tinha aos 20 e poucos anos, reinventa muito mais coisas, revoluciona muito mais conceitos, hoje, do que com tudo o que fez nos anos 60. Bowie – cadê você?)
Eu celebro esses caras que recusam verbos no passado – e fincam o pé no presente, e querem saber o que está rolando hoje, e vertem toda sua verve para o próximo projeto.
Essa turma está reinventando a terceira idade. Dando um novo sentido à longevidade. Em tempo real. Para quem quiser ver
Isso me ensina muito. Isso fala comigo. Cala minhas angústias. Ameniza minha ansiedade. Arrefece minhas melancolias. Desarma minha nostalgia.
A dor de existir – e a tristeza de deixar de existir – é de todos, não é privilégio de ninguém. Isso é o que está dado. O que não é possível alterar.
A diferença está em como lidamos com isso.
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A única coisa que podemos fazer diante da morte é viver. A única saída para a nossa própria finitude é aproveitarmos bem cada segundo do curto tempo que temos.
Inclusive o último terço da vida, que nós comumente ignoramos. São anos para os quais não temos muitos planos. Ou pior: para os quais desejamos justamente a improdutividade.
É preciso continuar fazendo. Continuar na estrada. Continuar potente. Continuar criando
Porque é possível. Porque é fundamental que seja assim. Porque não termina antes do fim.
A grande disrupção da geração que revolucionou um bocado de coisas nos anos 60 está acontecendo agora. Essa turma está desconstruindo a ideia que fazíamos do que é ficar velho. Estão nos ensinando que a velhice não é determinada pela idade.
É possível, afinal, ser jovem para sempre.
Quem continua curioso, interessado pelo novo, pelo mundo, pelas pessoas, amando a vida, achando graça nas coisas, morre menino – independente da idade que tiver quando a indesejada chegar.
Viva.
Adriano Silva, 51, é jornalista, fundador da The Factory e publisher do Projeto Draft, do Future Health e de Net Zero. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV, A República dos Editores e Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.
Quantos anos de trabalho você ainda tem pela frente? Entenda por que a métrica para se determinar a fatia economicamente ativa da população está defasada – e por que deveríamos inverter já o nosso conceito de longevidade.
Antigamente, nossos ídolos desfilavam toda semana nos gramados do país. Hoje, os craques nem chegam a criar um vínculo com a torcida e já vão fazer carreira no exterior. Mas será que isso é algo ruim?