Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo/E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo/Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva/E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva… Tema de um comercial de tevê da Faber-Castell nos anos 1980, a canção “Aquarela”, famosa na voz de Toquinho, faz parte da memória afetiva de muitos brasileiros que estavam dando seus primeiros passos naquela década. Joni Hoppen, de 32 anos, é um deles. Nascido em Fraiburgo, no interior de Santa Catarina, o descendente de alemães se inspirou na letra na hora de nomear a sua empresa. “A inovação acontece assim: a partir de uma folha qualquer você desenha o que você quiser.”
Com sede em Florianópolis, a Aquarela atua na área de big data, prestando consultoria e oferecendo o serviço e as vantagens de sua ferramenta própria, o VORTX, uma solução cloud-based para análise de grandes volumes de dados. O Ministério do Turismo e o da Educação já estiveram entre os clientes, assim como grandes empresas do setor de tecnologia. “Hoje, o nosso maior cliente é o Governo de São Paulo. Vamos estudar a criminalidade e questões relacionadas ao zika”, diz Joni. “Recentemente, estivemos na Inglaterra apresentando o VORTX, prospectando novos clientes que agora estão testando a ferramenta.”
Internacionalizar a empresa fazia parte dos planos desde o início. Joni montou a Aquarela em 2012, após retornar de um mestrado em Tecnologia da Informação na University of Twente, em Enschede, a 160 km de Amsterdam. “Uma das razões para a decisão de estudar na Holanda foi perceber que muitas empresas daqui não são criadas com a ideia de prestar serviços para o mundo. A Holanda, ao contrário, é um país muito aberto, que não pode se apoiar só no seu próprio idioma. A Holanda me deu treinamento para que eu conseguisse ter uma visão internacional na criação do meu produto. Voltei com a ideia de criar uma empresa de espírito brasileiro, criativo e inovador, e com o perfil holandês, extremamente pragmático.”
Uma ajudinha da princesa
A história de como Joni chegou à Holanda é curiosa. “Eu estava na graduação (ele é formado em Sistemas de Informação pela Unisul) e queria estudar fora de qualquer jeito. Mas não sabia como. E não tinha grana.” O que ele sabia é que precisava aprender inglês – urgentemente. Por volta de 2002, 2003, começou a buscar formas de estudar inglês pela internet, e assim criou algumas amizades via Skype com pessoas que eram da Holanda. “Aí, um dia, contei para uns amigos que estava aprendendo inglês com holandeses, e um deles disse: ‘Ah, por falar nisso, a princesa da Holanda vai estar aqui em Florianópolis, visitando a cidade… Por que você não fala com ela para ver se consegue estudar lá?’”
Nascida na Argentina, a princesa Máxima é hoje a rainha da Holanda. Abordá-la parecia uma ideia mirabolante – e foi exatamente o que Joni fez. Vale lembrar que, na época, não existia ainda o escritório da Nuffic Neso Brazil, órgão responsável pela conexão entre instituições de ensino superior da Holanda e os brasileiros interessados em estudar lá; juntar informações sobre bolsas de estudo era muito mais complicado. A estratégia de Joni foi escrever uma carta, pedir a um dos amigos de Skype que traduzisse para o holandês – e aguardar diante do hotel. “Quando ela chegou, tinha um monte de seguranças, mas consegui entregar o documento para uma secretária, que fazia parte da comitiva. Após uma semana, a embaixada entrou em contato por carta, explicando quais os passos para se conseguir uma bolsa.”
Um pré-requisito era ter fluência no inglês comprovada com o certificado IELTS. Acelerar o domínio do idioma era fundamental. Em 2005, Joni foi passar quatro meses na Virgínia, nos Estados Unidos. Ralou como instrutor de esqui, ajudante de garçom, músico – e seu inglês continuava precário. Decidiu então investir num curso em Londres. Nos intervalos, trabalhava em um restaurante e vivia na penúria, economizando o que podia. A sorte virou quando uma família britânica, muito generosa, ofereceu um quarto onde Joni poderia morar, sem pagar aluguel ou alimentação. O mais incrível: os anfitriões viviam dentro do Kew Gardens, o Jardim Botânico Real, do qual eram diretores. Por acaso, a casa ficava em frente ao Kew Palace, também conhecido como Dutch House (Casa Holandesa). Um bom sinal.
Foram sete meses na capital inglesa, entre 2006 e 2007, até conseguir o IELTS e se sentir com o inglês suficientemente afiado para encarar o ritmo puxado do estudo na Holanda. De volta ao Brasil, Joni deu entrada nos procedimentos para pleitear uma bolsa, seguindo o passo-a-passo descrito na correspondência que recebera da embaixada. Era hora de escrever cartas, apresentar notas, traduzir documentações… No fim, conseguiu duas das principais bolsas de estudo do país na época: Huygens Scholarship Programme e Shell Centenary Scholarship Fund. Joni optou pela primeira, que leva o nome de um célebre físico e astrônomo do século 17. A bolsa dava direito a um valor mensal de cerca de 1 000 euros. “Tudo o que eu precisava para poder me focar nos meus estudos foi concedido.”
Espírito de empreendedorismo
A Holanda, explica Joni, se divide basicamente em quatro regiões: norte, protestante; sul, católico; oeste, onde ficam as duas províncias mais poderosas, Holanda do Norte e Holanda do Sul (“seriam o Rio e o São Paulo de lá”); e o leste, mais agrícola. Foi no leste – ou, para ser exato, no noroeste – que ele chegou para fazer o mestrado, em setembro de 2008, aos 26 anos. “Era uma região forte nos anos 1970, com a indústria têxtil. Quando acabou o carvão e houve a entrada dos produtos chineses, essa economia sumiu. Aí foi feito um investimento pesado do governo em universidades, na atração de talentos internacionais para desenvolver alta tecnologia. O que resultou em uma ‘grande fazenda’ com várias vaquinhas e gente do mundo inteiro desenvolvendo tecnologias para o mundo inteiro”, brinca.
A “fazenda” é a University of Twente, uma das principais do país. O campus ocupa uma área verde de 140 hectares, o equivalente a 140 campos de futebol. “É bem interessante. Você tem muito silêncio e tranquilidade para se focar na sua educação.” O ensino superior da Holanda é um dos melhores do mundo, com 12 universidades entre as 200 melhores do ranking Times Higher Education. Além da calmaria, Joni encontrou um ambiente que estimula a aplicação prática das ideias e o intercâmbio cultural. Essas qualidades se traduzem na profusão de associações de estudantes; ele mesmo ajudou a criar uma, a L.A. Voz, reunindo universitários de origem latino-americana. “A própria universidade pagou para que a associação fosse criada, contribuindo para desenvolver o espírito de empreendedorismo.”
Joni descolou abrigo dividindo um apartamento com um holandês e um rapaz de Curaçao, a meio caminho entre a universidade e o núcleo urbano de Enschede, cidade de 158 mil habitantes. Com provas bimestrais, sua rotina era puxada – mas deixava tempo para natação, futebol e knotsball (jogo em que é preciso acertar a bola com um taco semelhante a um cotonete gigante). Para relaxar, tocava piano. Também frequentava a igreja protestante, e lá conheceu Dini e Henk Bosman; com os filhos já criados, o casal “adotou” o jovem catarinense – e o acudiu quando ele se machucou jogando bola e precisou de muletas. Nos fins de semana, Joni visitava os Bosman. A única exigência deles era que as conversas fossem em holandês. “Era muito legal ouvir as histórias, eles viveram a Segunda Guerra!”
Rede HAN Brazil
Nas férias de verão, em 2009, Joni aproveitou para fazer turismo em Roma (“pus a mochila nas costas, fui na rua, levantei o braço e comecei a pedir carona”) e praticar francês na Suíça, onde se engajou na organização de um festival de música. Nos últimos quatro meses do mestrado, cumpriu estágio na agência de inovação TNO. “Desenvolvi um projeto para o governo holandês na área de inteligência de dados para melhorar os serviços públicos holandeses.” O objetivo era gerar ideias para a criação de uma plataforma que integrasse automaticamente os sistemas governamentais, permitindo ao cidadão encontrar respostas personalizadas às suas demandas. Segundo Joni, o projeto não saiu do papel, mas os conceitos seguem valendo. “Foram os primeiros insights para a criação da Aquarela.”
Joni retornou ao Brasil em setembro de 2010, mas se mantém ligado à Holanda. Ajudou a criar a HAN Brazil, uma rede de ex-alunos (hoje, são mais de 3 mil) que trocam experiências e indicações profissionais, e até janeiro deste ano atuava como embaixador do ensino holandês no Brasil. Nessa função, entre as medidas para divulgar o país, Joni fez uma dublagem caseira de um vídeo sobre as ciclovias da Holanda. Publicado em 2011, o vídeo viralizou e já tem mais de 58 mil visualizações. “Era o tipo de conhecimento que queria passar para o máximo de pessoas possível. Joguei na internet e isso replicou em muitos lugares, foi bem legal, consegui fazer vários contatos importantes através dele.”
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