E se existisse um jeito mais fácil de ajudar instituições que precisam de donativos a encontrar doadores? Ou uma forma de conectar abrigos de animais e pessoas dispostas a adotá-los? Quem sabe aproximar bancos de sangue e gente com o tipo sanguíneo necessário? Ou facilitar a consulta dos remédios disponíveis no posto de saúde?
Pois as soluções acima já foram imaginadas por alunos de escolas públicas da capital e do interior paulista. Os estudantes desenvolveram os aplicativos Walp, Petners, Doe-se e ÉSaúde no escopo do programa StartUp in School, que ensina tecnologia e empreendedorismo para jovens dispostos a resolver problemas por meio da criação de apps para celular.
O Startup in School é uma iniciativa da Ideias de Futuro, consultoria de inovação social fundada em 2015 por Jaciara Cruz. Em quatro anos, o programa trouxe mais de 3 mil soluções, atingiu 2 mil alunos de 15 a 18 anos de 30 escolas públicas, capacitou 250 professores e envolveu mais de 300 pessoas, entre jurados, facilitadores e mentores.
COMO OCORRE COM FREQUÊNCIA, O PRIMEIRO NEGÓCIO NÃO VINGOU
Jaciara, 38, é formada em Administração pela Universidade de São Paulo. Seu primeiro negócio foi uma plataforma de crowdfunding para programas de educação chamada Ideia de Futuro (assim, no singular). Em 2013, enquanto cursava o mestrado em Negócios Sociais, ela investiu R$ 50 mil na startup, com foco em dar visibilidade a projetos de impacto para que conseguissem financiamento coletivo.
“Trabalhávamos a proposta de valor, a precificação e a comunicação de cada projeto. Tudo para prepará-los para se apresentar na plataforma e conseguir a captação financeira”, conta.
Mas as horas dedicadas para estruturar cada projeto não eram remuneradas. E, sem sustentabilidade financeira, a startup não vingou. No entanto, diz Jaciara, o aprendizado adquirido naquela empreitada seria essencial para a criação do seu próximo negócio.
A VITÓRIA NO PRÊMIO MULHERES TECH EM SAMPA DEU UM GÁS NO COMEÇO
Após o insucesso, era hora de sacudir a poeira. Em 2014, Jaciara foi participar de uma edição do Startup Weekend. Ali, no evento imersivo, formatou o que viria a ser o StartUp in School, primeiro produto de sua consultoria.
“Sempre acreditei no poder da educação para melhorar o mundo e a tecnologia como potencializadora desse processo. Ao unir essas duas vertentes, podíamos levar a cultura da inovação para as escolas”
Inspirado em hackatons e no próprio Startup Weekend, o programa tinha o objetivo de fomentar competências empreendedoras e ensinar programação para os estudantes. “Dessa forma, os jovens seriam não apenas usuários de tecnologia, mas criadores de soluções tecnológicas”, diz.
Ela inscreveu o projeto na primeira edição do Prêmio Mulheres Tech em Sampa, realizado em 2015 pela prefeitura com apoio da Rede Mulher Empreendedora e do Google for Startups (então chamado de Google For Entrepreneurs). O StartUp in School tinha o diferencial de instigar os jovens a pensar soluções a partir de problemas concretos. “E eu via que esse formato de tecnologia com propósito interessava principalmente às meninas.”
O Startup in School foi um dos cinco projetos vencedores. Com os R$ 10 mil do prêmio, e em parceria com o Centro Paula Souza, que administra as Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) paulistas, a empreendedora conseguiu implementar a iniciativa em duas unidades, ETEC Pirituba e ETEC Parque da Juventude.
O SUCESSO DO PILOTO FEZ O GOOGLE INVESTIR NA EXPANSÃO DO PROJETO
O StartUp in School foi formatado para dar protagonismo aos alunos, na forma de uma competição de empreendedorismo. Os grupos tinham que identificar problemas em suas comunidades, idealizar e prototipar aplicativos, que seriam julgados por uma banca. Tudo em 24 horas, divididas em dois sábados intensos. Jaciara tocava a execução com seu sócio na época, Luis Leão, que ensinava programação para a construção do aplicativo, e mentores convidados.
A cada competição, a consultoria incluía os professores das instituições como facilitadores do programa. Jaciara explica:
“Nosso grande diferencial era o trabalho feito anteriormente, explicando aos professores as técnicas e ferramentas que eles podiam aplicar para estimular o empreendedorismo em qualquer disciplina e, assim, dar continuidade ao projeto”
Após o piloto no segundo semestre de 2015, o Google, apoiador do projeto, resolveu investir na expansão: “A gerente de políticas públicas me perguntou se dava para fazer o Startup in School em grande escala”, diz Jaciara.
Foi assim que, em 2016, a Ideias de Futuro viabilizou o programa em dez ETECs na capital e no interior paulista, engajando mais de 500 alunos. Uma reportagem do SPTV, da Globo, em outubro daquele ano, atestou os impactos da iniciativa, incluindo maior assiduidade dos alunos e a criação de uma “sala de empreendedorismo” para o desenvolvimento dos projetos.
OS JURADOS, VOLUNTÁRIOS, AJUDAVAM A ABRIR PORTAS COM NOVOS CLIENTES
Na época, o Google era o único cliente. A equipe da consultoria se resumia a Jaciara, Luis (que depois deixou a sociedade) e uma funcionária trabalhando em um coworking na zona sul de São Paulo. Enquanto instrutores e facilitadores eram contratados por job, os mentores e jurados atuavam como voluntários e ajudavam nas conexões para bater em novas portas.
Quem ajudava a dar uma força era Oswaldo Cruz, 34, engenheiro e irmão da fundadora. Em 2017, ele entrou como sócio, atuando também como diretor de operações e incumbido de conquistar outros potenciais clientes e apoiadores. Ele conta:
“A Ideias de Futuro ainda não tinha garantia de ser uma empresa. Mas a partir daí, passamos a vislumbrar um caminho promissor. As bancas de jurados, com especialistas de mercado, eram pontos de contato para projetos futuros”
Enquanto coletava feedbacks de alunos que superaram o medo de tecnologia e de jovens recém-formados no Ensino Médio que conseguiram trabalho ao colocar no currículo o certificado do seu curso de inovação, a Ideias de Futuro começava a conquistar novos clientes: Grupo Telefônica, Instituto Ayrton Senna e escolas particulares como Colégio Vértice, Humboldt e Alef Peretz.
A CONSULTORIA DESBRAVOU NOVAS FRENTES E CRIOU UM BRAÇO SOCIAL
A Ideias de futuro encerrou 2017 com faturamento de R$ 500 mil, e um ticket médio em torno de 500 reais por aluno em cada programa. O Startup in School permanece até hoje como carro-chefe, mas a consultoria foi desbravou outras frentes, como o desenvolvimento de programas para empresas.
Exemplos são o The Schools Challenge, do JP Morgan, que foca na carreira de jovens de escolas públicas, envolvendo 100 voluntários do banco; o App Legal, em parceria com a Sabesp; e o Startup Varejo, realizado com o Instituto Center Norte e a e a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.
A consultoria também criou um braço social, o Instituto Ideias de Futuro, que faz mentoria e pré-aceleração das startups surgidas dos seus programas, colaborando no desenvolvimento da parte jurídica, marketing, administração e programação.
O Instituto participa de projetos de empreendedorismo na periferia realizado por meio de editais públicos. Em parceria com a Ade Sampa, executa o Fábrica de Negócios, que atua na capacitação de empreendedores iniciantes; e o Aceleração VaiTec, que apoia empreendimentos tecnológicos das periferias da capital. Há também uma parceria com a USP para a realização do StartUp in School em três escolas próximas à Cidade Universitária, no Butantã.
A FUNDADORA HOJE VIVE NA CALIFÓRNIA, MAS SEGUE PRESENTE
Hoje a consultoria tem uma sede própria, na Vila Mariana. Jaciara, porém, atua remotamente: desde abril de 2018, ela vive em Sunnyvale, na Califórnia, conhecendo de perto o ambiente de inovação do Vale do Silício.
“A intenção é que a gente aprenda com essa cultura e leve as ideias para o Brasil. Uma delas, por exemplo, é a aproximação das famílias nos projetos escolares. Estamos pensando em como incentivá-las a participar dos nossos programas”
Mesmo à distância, ela continua responsável pela estratégia, desenvolvimento de produtos e parcerias. Oswaldo cuida a gestão do trabalho em campo e medição de indicadores e resultados. Além da equipe fixa de seis funcionários, a consultoria mantém um rede de 40 instrutores e mentores, muitos deles ex-alunos do projeto.
Neste ano, o Google nacionalizou o Startup in School com edições presenciais (em escolas públicas de São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Recife e Manaus) e uma edição online; uma nova edição online será aberta em outubro a alunos do Ensino Médio de todo país.
Em novembro, as cinco equipes vencedoras de cada região e os premiados da edição online participarão de um Day Camp de aceleração no Google for Startups Campus, em São Paulo. Vão passar por mentoria, workshops e apresentarão seus projetos para a banca de jurados, encarregada de escolher o vencedor da edição Google Brasil.
OS SÓCIOS AGORA PROJETAM NOVOS CAMINHOS PARA O CRESCIMENTO
O desafio agora é o crescimento. Com a experiência nacional, os sócios planejam novos cenários para ampliar o alcance e o impacto. Oswaldo já vislumbra:
“Quem sabe teremos hubs da Ideias de Futuro em outros estados e trilhas online de empreendedorismo tecnológico com diferentes abordagens, duração e temas, de acordo com a região? Aí, focaremos na formação de multiplicadores para replicar a metodologia”
Uma das ideias para expandir é criar programas de empreendedorismo e tecnologia que poderiam ser aplicados à grade curricular do Novo Ensino Médio, aprovado pelo MEC. Além das matérias comuns definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as escolas ofereceriam itinerários formativos com atividades profissionais.
Para Jaciara, essa iniciativa se encaixa perfeitamente no propósito idealizado pela startup de educação, lá no início. “Acreditamos que usar metodologias empreendedoras dentro da escola promove o protagonismo e ajuda não só a mudar a realidade dos jovens brasileiros, como a formar uma nação mais inovadora.”
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Lourenço Bustani, da Mandalah, Wellington Nogueira, do Doutores da Alegria, e Marcel Fukayama, do Sistema B, falam da experiência de participar da corrida eleitoral e da importância de se engajar na política.