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“A inteligência artificial é uma jornada de aprendizado para todas as empresas, de entender o que gera valor e faz sentido escalar”

Aline Scherer - 24 out 2024
Leila Zimmermann, CIO da Mondelēz Brasil.
Aline Scherer - 24 out 2024
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Dona de marcas como Lacta, Tang, Bis, Oreo, Trident, Bubbaloo e Club Social, a Mondelēz Internacional está presente em nove em cada dez lares brasileiros, e em 800 mil pontos de venda. Criada em 2012, com a mudança de nome da divisão de doces da antiga Kraft Foods (fundada em 1903 nos Estados Unidos), a empresa quer dobrar de tamanho até 2030 e liderar globalmente a venda de snacks – categoria de consumo que engloba lanches e petiscos industrializados como chocolates, chicletes e biscoitos. 

A companhia tem um faturamento global de 36 bilhões de dólares e está presente em 150 países. Sua maior fábrica de chocolates em todo o planeta fica em Curitiba, no Paraná, onde está sua sede no Brasil e seu centro de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento – de onde saem novos produtos como Lacta Intense, Trident Max e Bis Xtra. Outra planta fica em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, e é sua segunda maior fábrica de biscoitos no mundo. Ao todo, são 7 500 funcionários só no Brasil.

Para cumprir seu objetivo de crescimento, a Mondelēz vem apostando em projetos de precificação inteligente – em 75% do valor das vendas de chocolate da companhia em 2023, o preço dos produtos foi definido por algoritmos de inteligência artificial e aprendizado de máquina

A empresa quer protagonizar também o mercado digital, com reforço da presença no e-commerce. E uma das áreas dedicadas a essa missão é liderada pela paulistana Leila Zimmermann, CIO e diretora de serviços digitais da Mondelēz Brasil. 

Formada em administração de negócios com ênfase em análise de sistemas, com especializações em segurança da informação, marketing digital, e-commerce e gerenciamento de projetos, a executiva tem 26 anos de experiência em corporações como Johnson&Johnson, Sanofi e Whirlpool. Leia na entrevista a seguir: 


Como e por que você escolheu trabalhar com tecnologia?
Meu pai me deu o meu primeiro computador quando eu ainda era adolescente. Era extremamente caro, ele fez um consórcio para conseguir comprar um computador porque achou que a tecnologia era o futuro e queria introduzir isso para os filhos. 

Nós somos três, eu sou a do meio. Somos duas mulheres e um homem, e uma coisa legal dos meus pais é que eles nunca limitaram nossas brincadeiras, não tinha essa coisa de “é de menino” ou “é de menina”, ou “para você é boneca, para você é carrinho”. 

Eles estavam preocupados com o ensino, a educação, e em fazer com que a gente pudesse explorar, ter experiências. E nós três tivemos a oportunidade de usar o computador, mas eu fui a mais aventureira que realmente conseguiu ali sozinha aprender a mexer 

Aprendi sozinha. Depois fiz vários cursos e aí fui desbravando essa carreira, e me apaixonei pela profissão. Foi assim que cheguei à tecnologia da informação e tenho 26 anos de experiência em grandes corporações de bens de consumo e na área da saúde, voltadas à experiência com o cliente.

Como foi chegar ao C-level de uma indústria tão masculinizada – com a maioria de homens e com políticas e práticas pouco atrativas para mulheres – quanto a de tecnologia?
Eu tive a sorte de ter sido apresentada a grandes mentores. É uma carreira extremamente técnica e com dominância masculina. Mas eu tive muitos gestores homens que sempre me incentivaram, me ajudaram e também nunca me limitaram. 

Sempre acreditei que eu ia ser uma desenvolvedora de código, ia trabalhar no computador e estava feliz com isso. Mas um dos meus gestores descobriu minha habilidade de comunicação, de interligar as pessoas, de fazer conexões e muito rápido me tirou do desenvolvimento, me colocou em gerenciamento de projetos. 

Na época eu fiquei frustrada, mas ele me explicou “você tem esse potencial, eu vou te dar essa oportunidade”, e cheguei a pensar “Será que ele está achando que por eu ser mulher, ou por eu ser jovem eu não sirvo para desenvolver? Será que eu estou fazendo alguma coisa errada?”. Na verdade, não estava 

Depois, lá na frente eu fui entender que realmente, além das características técnicas, eu tinha algumas características de soft skills que ajudavam nessa questão de entender a necessidade de quem busca tecnologia e traduzir isso para o time técnico converter numa solução. 

Fiz por muito tempo esse trabalho, fui gerente de projetos e programas corporativos. Tive a oportunidade de viajar o mundo, implementando SAP e outras soluções. Também aprendi sobre cultura e a questão de ser mulher. Passei por Turquia, Ucrânia, El Salvador, países bem diferentes. 

E isso me ensinou a ser mais empoderada, a liderar, e também a entender que na condição de mulher, ou de qualquer sexo, você consegue, desde que estude, se prepare e se coloque nesse papel. Trabalhar em outras culturas foi importante porque me ajudou nesse processo 

Depois de passar por grandes programas, veio a chance do meu primeiro cargo gerencial em tecnologia e a partir daí eu fui passando por diversas áreas até que consegui a minha primeira posição como CIO,  justamente por ter essa visão mais holística de tecnologia.

A Mondelēz é uma empresa de bens de consumo, cujos produtos são destinados ao consumidor final, mas é uma empresa B2B, que vende para outras empresas, geralmente supermercados e restaurantes. Como vocês estão utilizando a inteligência artificial para entender as preferências dos consumidores? E como isso era feito até pouco tempo atrás?
A Mondelēz é uma empresa com DNA de inovação e tudo que a gente faz, o consumidor está no centro das decisões para que possamos gerar experiências. Esse é o nosso posicionamento. 

Para facilitar o consumo desse snack no momento certo, na ocasião correta, do jeito certo, ter esse contato com a cadeia de valor é muito importante. Então, começa dessa relação com os nossos clientes, nossa cocriação, colaboração e trabalho de parceria. 

Através dos nossos clientes também conhecemos os nossos consumidores, escutamos o mercado, e entendemos o que está acontecendo. Mas também não nos limitamos a isso. 

Globalmente, a Mondelēz tem investido em projetos que a gente chama de Consumer First Party Data

Através de campanhas e ações de marketing, com consentimento dos nossos consumidores, eles se relacionam com a marca por querer saber mais e trocam informações. Isso retroalimenta os nossos pipelines de inovação, de marketing, e conseguimos extrair ideias e entender como o nosso consumidor está evoluindo; também temos olhado para a questão da personalização da experiência 

Todas as empresas grandes têm atuado com o social listening, investigando e entendendo o que comentam das marcas e dos produtos nas redes sociais. Isso também nos ajuda a trabalhar a melhoria contínua e a inovação. 

A aplicação da inteligência artificial, em cima desses dados, atua na forma de entendermos o que são as oportunidades; ela é uma consequência de você entender o que está acontecendo e ter esses dados da melhor forma e qualificados para trabalhar.

A Mondelēz não vem produzindo projetos de inteligência artificial de larga escala no momento; estamos focados em casos de uso em que faz sentido a aplicação de AI. Estabelecemos um comitê interno para tratar de todos os projetos que envolvem IA, que passam por crivos de aprovação e avaliação para entender o impacto, a relevância e como isso se associa à marca e ao negócio. 

Dentro desses comitês, também temos as políticas internas que estão relacionadas com esses temas de compliance, de diversidade, de respeito, transparência da IA, e treinamentos para as pessoas internas para garantir que o uso da IA seja feito da forma e com a aplicação correta 

Nesse sentido, primeiro, estamos estruturando frameworks. E os casos de negócios são amostras para realmente confirmar o benefício, o resultado e, isso feito, damos escala. A IA é uma jornada de aprendizado para todas as empresas, de entender o que gera valor e faz sentido escalar. 

Então antes havia uma equipe de pessoas que organizava e categorizava esses dados, enquanto agora quem faz isso é a IA, com aprendizado de máquina?
Temos aplicado casos de uso em larga escala dessa forma. Antes, tínhamos muita tratativa de dados manuais e não conseguíamos ter uma abrangência tão grande como agora com o uso das tecnologias. 

A aplicação da inteligência artificial acontece desde a publicidade, para entregar o conteúdo certo para a pessoa certa. Tem uma preocupação em estabelecer governança para agir com ética e compliance sobre como essas informações são utilizadas.

Tudo isso hoje ainda é muito exploratório em casos de negócio. Por exemplo, na precificação inteligente estamos entendendo a demanda e a necessidade do mercado em tempo real para muito rapidamente chegar ao melhor preço para aplicar, seja em alguma região, seja em algum ponto de venda 

Às vezes, em determinado momento, é interessante fazer uma promoção, ou uma ativação, e é preciso saber onde e como aplicar isso. Esse sistema utiliza dados externos, de mercado, e internos, de venda aos distribuidores e de lucro ou prejuízo, para definir o preço ideal de acordo com os objetivos de negócio. 

Os algoritmos procuram o posicionamento de preço ideal e definem o possível impacto de determinadas ações de precificação. Além disso, ajuda a entender o que acontecerá no mercado se a companhia ou seus concorrentes fizerem algum movimento. 

Procuramos constantemente retroalimentar esses modelos para que possamos tomar decisões certas e que o nosso produto possa ser consumido, olhando todas essas oportunidades e garantindo que o nosso cliente consiga crescer de maneira sustentável, mas o nosso consumidor também consiga ter acesso aos nossos produtos. 

No ano passado, a Mondelēz Brasil aplicou o smart pricing de forma efetiva em 75% do valor vendido, com destaque para a categoria de chocolates. 

Quais são os riscos nesse processo de coleta de dados, de aprendizado de máquina e a IA generativa quanto à informação do consumidor?
Todos na indústria têm essa preocupação. Primeiro, temos que respeitar todas as leis vigentes, como a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados]. 

Segundo, garantir a transparência da informação que se está coletando, que precisa ser consentida. O consumidor precisa saber o que está sendo coletado e ter a opção de autorizar ou não.

A forma de usar os dados também tem que ser transparente. Estamos usando para criar uma inteligência para atender melhor aos gostos do consumidor e conseguir trazer novidades que fazem sentido para a sua rotina 

Quando trabalhamos esses dados, temos que nos preocupar com aspectos de cybersecurity, garantir que temos os parceiros corretos para nos ajudar a ter esses dados protegidos, bem tratados e processados.

Em que momentos os consumidores autorizam ceder seus dados pessoais e que tipo de informações de consumidores poderiam ser violadas no caso de uma empresa de chocolates e biscoitos?
Sobre os tipos de dados não temos informação de coisas que afetam a privacidade das pessoas, não temos dados críticos que causem um grande impacto ou associação com  relação ao consumidor. E sobre a coleta dessas informações, hoje as formas de ativação são muitas. 

Temos campanhas das marcas: o consumidor recebe notificações e pode optar por participar ou não de uma determinada campanha que dá um brinde, que oferece um game – cada marca tem sua identidade. Temos ações no ponto de venda, que também pode optar por participar ou não. Por isso que a gente fala dessa cocriação, desse trabalho em conjunto. 

Somos uma empresa B2B e a forma de conhecer nossos consumidores para aprender mais sobre eles está nesses touchpoints, de pontos de contato com a marca. Mas, qualquer empresa está suscetível à captura de dados, sejam informações de funcionários, sejam informações relacionadas ao próprio negócio

O tema da segurança da informação permeia toda a organização, é mais amplo. Em muitos ataques de segurança da informação se consegue parar uma planta produtiva e a empresa para de produzir o seu produto, para o trabalho dos funcionários, não consegue realizar o negócio do dia a dia e fazer com que o produto chegue na ponta.

Como é o perfil de pessoas na área de tecnologia da Mondelēz hoje, em termos de diversidade?
Estou há quase um ano, é pouco tempo ainda para mudar alguma coisa. Nós temos cerca de 30 pessoas no time direto no Brasil, além dos indiretos que estão nas  empresas que atuam em parceria. 

Dentro desse universo, temos preocupações com relação à inclusão de mulheres em tecnologia, de ter um equilíbrio, e temos uma proporção muito boa de homens e mulheres. 

Também temos programas para sermos mais inclusivos nos processos seletivos para que possamos compor um time rico e de alta performance. Hoje, na alta liderança da Mondelēz, tenho orgulho de falar que temos mais mulheres do que homens

E temos programas de todos os tipos, como geracionais e voltados para a etnia: 17% da nossa liderança é composta por pessoas pretas e pardas, e 6% dos funcionários são PCDs – e esse nosso último índice é superior à cota legal brasileira.  

Além disso, a empresa integra o Mover [Movimento pela Equidade Racial], e faz parte do Pacto Global ONU. 

O impacto ambiental da tecnologia é um tema que vocês estudam?
Nós temos uma área corporativa de ESG que tem um olhar holístico por todas as áreas da corporação e cuida do impacto na sociedade e no planeta, como métricas específicas estabelecidas para toda a organização. 

Até 2030, [vamos] reduzir em 35% as emissões de CO2 de ponta a ponta, reduzir em 15% o desperdício de alimentos nas operações industriais e em 50% na distribuição; e reduzir em 10% o uso de água em locais de alto risco hídrico. Temos programas importantes voltados para a questão do consumo consciente, de embalagens e da própria fabricação, da redução de emissões de carbono. 

Na seleção de fornecedores, avaliamos questões sobre como o parceiro está atuando e se está alinhado com nossas métricas de sustentabilidade. Na área de TI, a Amazon e a Microsoft podem ser citados como os principais aliados, garantindo a redução da emissão de CO2 com consumo de cloud. Na minha área de tecnologia, que chamamos de Digital Services, temos programas específicos hoje que estão voltados para redução e ganho de eficiência no consumo de energia. 

Também o descarte de dispositivos: cada vez mais temos pensado em novas formas de fazer isso, como doação de equipamentos tecnológicos que, às vezes, não servem mais para nós, mas podem servir para alguém que precisa. Recentemente, doamos 1,6 mil unidades para instituições sociais 

Não temos somente uma área dedicada à inovação: todas as áreas têm responsabilidade por pensar em inovação, e temos cinco programas de inovação, como um de parcerias e desenvolvimento com startups que se chama Desembala, criado em 2022, está na na terceira edição, com foco em soluções inovadoras para nossa fábrica de Pernambuco.

Esse programa vem gerando frutos em áreas específicas, como desenvolvimento de produtos, supply chain e vendas. E atua também nos temas de marketing, tecnologia, ESG e jurídico. São 11 milhões [de reais] investidos no Desembala para acelerar 11 projetos até agora e mais três a serem escolhidos neste ano.

Além disso temos o TECeM, um Programa de Empreendedorismo e Inovação, em parceria com a Porto Digital, parque tecnológico no Recife, que vai acelerar dez startups nordestinas lideradas por mulheres, com apoio ao desenvolvimento de produtos, revisão do modelo de negócio, aprimoramento dos discursos de venda e parcerias, e a qualificação para captação de recursos.

Quais novas tecnologias vocês estão usando, além da IA?
Mesmo dentro de IA, tem outras disciplinas, como aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural. 

Um tema interessante que temos aprendido é sobre como extrair informações através do reconhecimento de imagem e vídeo, por exemplo, no ponto de vendas, para entender se os produtos estão com uma boa disposição nas prateleiras para chegar da forma correta ao consumidor 

Corporativamente, em transformação digital, temos inúmeros outros casos. Na nossa cadeia produtiva, tem muitas tecnologias sendo aplicadas para gerar eficiência, produtividade, e produção com qualidade. 

Na força de vendas, cada vez mais estamos investindo para aumentar a eficiência e a produtividade do time que está no campo, através de tecnologia e acessibilidade.

Um dos projetos mais importantes está voltado para que consigamos trabalhar em uma organização orientada a dados. Primeiro o esforço de coletar e centralizar dados, e aí tê-los em uma base central, trabalhar a governança de dados na companhia e, toda a questão do letramento, capacitação e habilidades que precisamos para o futuro 

O mercado vai mudar completamente e precisamos nos preparar. Hoje, um dos projetos mais inquietantes para mim, em parceria com o time de gente e gestão e com o time de gestão de mudança, é apoiar a organização a ter esse letramento digital e de dados, para garantir que consigamos entender e usar isso da melhor forma possível.

* Entrevista realizada durante o IT Forum Praia do Forte 2024. A repórter viajou a convite da organização do evento.

 

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