A Lá do Mato Saboaria usa ingredientes naturais e incentiva o “faça você mesmo” nos cosméticos

Camila Honorato - 20 dez 2017Eloísa fez oficinas de artesanato, estudou cosmetologia e aromaterapia para criar a Lá do Mato (foto: Camila Honorato).
Eloísa fez oficinas de artesanato, estudou cosmetologia e aromaterapia para criar a Lá do Mato (foto: Camila Honorato).
Camila Honorato - 20 dez 2017
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“Não passe na pele algo que você não pode comer” é um dos princípios do Ayurveda, a milenar medicina indiana. É, também, a filosofia seguida pela Lá do Mato Saboaria, um negócio focado na produção artesanal de cosméticos com ingredientes naturais que tem se mostrado uma tendência atual, em um mercado em que cada vez mais os clientes querem saber o que estão consumindo (de onde vem, para que serve etc). Por trás da pequena empresa, que acaba de ganhar um espaço físico, está Eloísa Toguchi, 32, uma ex-modelo que estudou para se tornar especialista em cosméticos naturais e, ainda, não se enxerga muito como empreendedora.

“Mais do que empreender, quero levar para as pessoas um produto de qualidade, feito com carinho e que, no final das contas, faça bem para a saúde física, mental e espiritual delas”, afirma ela, que divide o espaço físico que chamou de Casinha Lá do Mato, no bairro paulistano de Perdizes, com outros empreendedores criativos, sendo 90% deles mulheres.

Os sabonetes são o carro-chefe da Lá do Mato. Artesanais, é possível ver a marca do corte da massa. Os sabonetes são o carro-chefe da Lá do Mato. Artesanais, é possível ver a marca do corte da massa.

Os sabonetes são o carro-chefe da Lá do Mato (cada um custa 18 reais). Artesanais, é possível ver a marca do corte da massa.

A ligação de Eloísa com o universo da beleza vem de longe. Aos 14 anos, ela deixou a casa da família em Tremembé, no Vale do Paraíba (SP), para se tornar modelo – ofício que exerceu até os 21 e que a levou a morar em países da Ásia. Do Oriente, ela guarda as lembranças de Hong Kong, a cidade chinesa que a fascinou, e principalmente da Índia, país que a surpreendeu pela intensidade de contrastes. “A desigualdade social de lá assusta muito mais do que aqui. É uma pobreza escancarada, sem máscaras. Em um restaurante, há pessoas aguardando os restos do seu prato para terem o que comer”, diz. Para além da miséria, do fedor das cidades e do assédio sofrido pelas mulheres, Eloísa fala da beleza dos traços das indianas e da relação delas com a vaidade. “Os sáris são lindos, as cores dos tecidos dos vestidos delas. E elas são aficionadas por maquiagem. Usam kajal (tintura preta nos olhos) desde criança.”

De volta ao Brasil, Eloísa tinha contatos na Dior e recorreu a eles quando deixou de trabalhar  como modelo. Por oito anos, esteve à frente do departamento de treinamentos da gigante de cosméticos francesa que, segundo ela, lhe ensinou muito sobre as formas de produzir e lhe despertou a paixão por ensinar. Neste mesmo período, porém, ela sentiu na pele como o excesso de trabalho desperta uma ansiedade que ela até então nunca havia sentido – o que a fez questionar as formas de trabalho que predominam na sociedade:

“Trabalhar das 9h às 18h e bater ponto é um sistema extremamente ultrapassado. É nítido que as pessoas não estão mais felizes com isso”

Foi de uma ideia reprovada pela diretoria que brotou a coragem para romper com a própria rotina — em mais de um sentido. Eloísa pediu as contas, cortou o cabelo e se matriculou em um curso de aromaterapia, área que a fascinava em suas viagens pela França, para onde ia  visitar diversas plantações para conhecer os princípios ativos naturais das linhas da marca. “Esse contato com a natureza, somado à minha vontade de aprender mais sobre o assunto para ensinar as pessoas, que me levaram a estudar aromaterapia”, conta.

COMO TRANSFORMAR UM CONCEITO NATURAL EM UM NEGÓCIO VIÁVEL

Depois do curso, Eloísa formou-se também em cosmetologia e passou a produzir os próprios cosméticos em casa. No começo, não era um negócio. Ela simplesmente presenteava amigos e pessoas próximas com os itens que fazia. Com o aumento da demanda, brotou a ideia de comercializá-los e, com a mesma força, a de transmitir esse conhecimento. Ela ministra o curso online Maquiagem Artesanal: como criar seus próprios produtos de beleza, disponível na plataforma EduK por 19,90 reais a 29,90 reais. Eloísa diz seu preço é mais acessível que o de cursos similares, e conta que promove workshops gratuitos “pelo menos uma vez por mês”. Ela fala sobre a sua maneira diferente de pensar em produto, preço e valor:

“Minha ideia com o negócio não é simplesmente vender os meus produtos e lucrar, mas também dar a oportunidade das pessoas de produzirem o que elas consomem”

Eloísa diz que uma das principais inspirações para o seu negócio é a marca belga Anina Soap, que também utiliza ingredientes naturais e receitas familiares na feitura dos sabonetes. O investimento inicial na Lá do Mato, em 2015, que ela estima em aproximadamente 6 mil reais, veio de suas economias acumuladas no período pós-Dior. O mais caro, diz, foi a compra de matéria-prima, já que ingredientes naturais e de origem orgânica têm um preço geralmente mais alto (e seus sabonetes são veganos, o que significa que não há banha nem nada de origem animal na lista de ingredientes). O desenvolvimento do site, hoje o principal canal de vendas da marca, foi feito pelo ex-namorado, que é designer.

Mão na massa, banca na praça: a vida de empreendedora-artesã consiste em trabalhar de ponta a ponta.

Mão na massa, banca na praça: a vida de empreendedora-artesã consiste em trabalhar de ponta a ponta, da produção à venda dos itens da Lá do Mato.

A escolha do nome veio casualmente, conta ela, e fixou-se por resumir de maneira simples o conceito da marca: é lá do mato mesmo que tudo vem. Umbandista por influência dos pais, Eloísa acredita que os conhecimentos adquiridos sobre os efeitos (calmante, relaxante e de limpeza) dos ingredientes que usa na Lá do Mato estão em sintonia com a filosofia da religião, que é proporcionar boas sensações a quem chega até ela.

A linha de sabonetes de laranja, lavanda, alecrim e capim limão é o carro-chefe da loja e vende 300 unidades por mês, a 18 reais cada. Os sabonetes estão na “linha fixa” da marca, produzida em maior escala (há receitas vendidas esporadicamente, apenas como edições especiais). Para além do sabonete, a Lá do Mato também vende shampoo sólido, máscaras de argila, hidratante, esfoliante e desodorante.

Até a abertura da loja física, que acaba de ocorrer, o faturamento vinha de três fontes: as vendas do e-commerce, as vendas em feiras (de produtos naturais e artesanato, geralmente em São Paulo apenas) e as vendas em um espaço físico em Amsterdã, capital Holanda, que é conduzido por uma amiga. O faturamento mensal do e-commerce é de cerca de 5 mil reais. Além disso, Eloísa tem como rendas extras o valor recebido pelos cursos e, também, as vendas nas feirinhas.

O negócio é pequeno, então o “artesanal” está também na administração: o irmão de Eloísa atua como administrador das contas e ela costuma consultar o pai, que é químico, sobre as receitas desenvolvidas para os produtos e seus impactos na saúde das pessoas.

AOS POUCOS, UM MERCADO VAI SE FORMANDO

Assim, sem muita pressa e tratando de cuidar de cada etapa do trabalhoso processo que é empreender em algo artesanal, Eloísa diz que, a cada mês, nota um acréscimo nos números obtidos tanto nas vendas como na busca das pessoas por “um conceito diferente”, como diz:

“As coisas acontecem muito naturalmente. As pessoas vêm até mim, o que reflete o aumento da demanda por produtos caseiros e de origem natural”

A rotina atual de Eloísa hoje está bem longe do formato tradicional de trabalho, que ela já experimentou e considera não ser o melhor. Mas há uma verdade inescapável: trabalhar com o que faz sentido para você não significa trabalhar menos. É antes o contrário. Eloísa manipula os produtos em seu ateliê de duas a três vezes por semana. Essas horas como artesã geram a produção da massa dos seus sabonetes e demais produtos, em quilos, que será depois cortada, embalada, armazenada e separada para a distribuição.

Também é ela quem faz o contato direto com os clientes, quem sai para comprar matéria-prima em dias alternados, elabora as embalagens e contata motoboys para realizar a entrega de produtos vendidos pelo e-commerce. Isso sem falar na organização do site, na edição de imagens de divulgação do trabalho e na organização de cursos e oficinas ministradas. Apesar da rotina puxada, ela afirma que se sente muito mais feliz e realizada do que quando trabalhava na sua antiga empresa, principalmente por estar tocando um projeto que vai de encontro ao que acredita. “Trabalho para disseminar o natural e dar autonomia para as pessoas”, diz.

COMO É ATUAR EM UM MERCADO DOMINADO PELA INDÚSTRIA TRADICIONAL

É um clichê, mas não há como escapar: nem tudo são flores para quem quer viver de vender sabonetes naturais. Como pequena empreendedora no ramo de cosméticos, Eloísa relata uma série de dificuldades e burocracias enfrentadas, por exemplo, para se adequar às regras nem sempre inteligentes estabelecidas pela Anvisa. Para produzir e vender cosméticos, a vigilância sanitária cobra a regulamentação de um espaço físico, que deve atender a normas que vão da metragem até a cor da parede, diz. Além disso, os artesãos precisam fazer um registro formal para cada produto a ser vendido — o que custa entre 1 mil e 2 mil reais. “Produtos naturais e orgânicos podem demorar até cinco anos para passar pela legislação, o que desanima novos produtores”, diz.

Em comparação com a regulamentação de empreendedores na Europa, ela cita a unidade de Amsterdã como exemplo. “Minha amiga desenvolve as receitas a partir da matéria-prima ofertada lá, que é muito mais barata. Para empreender no setor de cosméticos, eles exigem apenas um químico responsável e uma firma aberta”, compara.

Sobre a venda de produtos naturais e artesanais das terras tupiniquins, ela exemplifica o tamanho do problema com os preços praticados no sabonete que comercializa: “Meus sabonetes são tabelados de acordo com os valores de compra dos ingredientes e pela mão-de-obra, que chegam ao preço final de 18 reais, enquanto um sabonete industrializado custa em média 2 reais. Lá na Europa, a diferença entre um produto da indústria e o artesanal é bem menor”, afirma. Para ela, um dos principais desafios dos novos empreendedores de cosméticos é, justamente, bater de frente com as normas estabelecidas para uma indústria que antes não tinha concorrentes:

“Com o aumento da conscientização do consumidor, a indústria já enxerga o natural como uma possível ameaça, sobretudo com a busca crescente pelo artesanal, de apelo exclusivo, em detrimento do que é químico e industrial”

A seu ver, as pessoas aos poucos vão tomando consciência sobre os benefícios de comprar com um produtor natural, “que geram bons impactos sociais e ambientais e formam uma rede de contato que estimula a economia criativa”.

Chia, laranja, capim cidreira, lavanda: os ingredientes da Lá do Mato são conhecidos de qualquer um.

Chia, laranja, capim cidreira, lavanda: os ingredientes da Lá do Mato são conhecidos de qualquer um.

Eloísa chama atenção, por exemplo, para o que considera ser um tratamento desigual entre grandes e pequenos produtores de cosméticos. “Novas tecnologias e ingredientes vão para o mercado sem haver tanto conhecimento quanto aos efeitos. O resultado é que alguns compostos químicos demoram anos para serem desvendados, como foi o caso do parabeno, um conservante barato para a indústria e que hoje está atrelado ao desenvolvimento de problemas dermatológicos e até do câncer de mama em algumas mulheres”, diz.

Ela fala que entre os componentes químicos nos produtos de prateleira há muitos itens de descarte, que são reaproveitados pela indústria. “É o caso do petróleo, da glicerina animal, do silicone e de muitos outros resíduos”, afirma. Ela cita o desodorante como um dos produtos “mais prejudiciais para o corpo humano”, sobretudo por causa da inclusão de sais de alumínio em sua composição e pelo desenvolvimento de fórmulas que procuram conter a transpiração, bloqueando os poros, o que é antinatural para a pele e gera efeitos colaterais no organismo. Em contrapartida, conta, o desodorante da Lá do Mato, que ela usa todos os dias, tem uma fórmula simples: é feito da diluição de leite de magnésio com óleos essenciais.

SUA PELE PODE SER SEU MELHOR HIDRATANTE

“Na Lá do Mato, a filosofia é justamente ser um contraponto às práticas da indústria tradicional e fazer produtos naturais, com receitas caseiras e ingredientes que todo mundo sabe o que são”, diz. Há também uma alquimia que consiste em usar substâncias produzidas pelo corpo humano para atingir o efeito desejado, como acontece com o hidratante: ele é feito com óleo essencial e gordura vegetal (azeite, óleo de coco, manteiga de cacau e cupuaçu) e seu uso estimula a produção dos ácidos graxos naturalmente presentes na pele.

O sabonete, carro-chefe da marca, também é feito com gordura vegetal em conjunto com um álcali, ingrediente que dá a “liga” para que se forme a pedra. “Eu utilizo soda cáustica porque é difícil produzir de outra forma aqui em São Paulo. Para quem tem acesso a lareiras e forno a lenha, por exemplo, é mais fácil utilizar uma quantidade generosa de cinza e queimar madeiras específicas dentro de um determinado padrão de PH”, conta Eloísa, que segue entre plantas, sais e óleos buscando criar e espalhar pelo mundo experiências de bem-estar. Com cheiro de mato.

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  • Projeto: Lá do Mato Saboaria Natural
  • O que faz: Sabonetes, shampoos e hidratantes naturais, orgânicos e veganos
  • Sócio(s): Eloísa Toguchi
  • Funcionários: 3 (incluindo a fundadora)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 6.000
  • Faturamento: R$ 5.000 por mês (no e-commerce)
  • Contato: ola@ladomato.com.br
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