A dentista Alê Abdalla, 40, conheceu Rosângela Alves, 43, em um coral para mães. Mas a voz que não queria calar ia além dos versos entoados: “Quando se volta a fazer sexo normalmente após a maternidade?”. Não estamos falando de quarentena, mas sim de uma vida sexual ativa, plena e feliz. Foi em uma despedida de uma das integrantes do coral que o papo começou. Rosângela, que é mãe de Gabriel, 12, e de Heloísa, 10, fala:
“A mulher que se torna mãe ganha uma ‘santidade’. Nossa proposta é enfrentar esse tabu e fazer com que ela se encontre em seu novo corpo e na sua sexualidade”
A forma que ela e a sócia acharam para estimular isso foi sem rodeios: abrir um sex shop online voltado para mães. Na Pitaya Shop é possível encontrar vibradores (a partir de 125 reais), óleos vaginais e lubrificantes (a partir de 12,50 reais), entre outros acessórios selecionados pelas empreendedoras. Elas desenvolveram uma página de e-commerce com design discreto — que pode ser aberta na sala de casa na presença do filho ou em uma mesa de reunião com a secretária olhando. “Nossa curadoria é de produtos que, se forem encontrados pelas crianças, elas nem irão perceber do que se trata e não haverá constrangimentos”, diz Alê, mãe de Gabriel, de cinco anos. O vibrador em formato de coelho (220 reais, atualmente esgotado, mas com previsão de chegada para dia 26 ) é um dos exemplos.
Quase todo o faturamento da empresa, em torno de 6 mil reais mensais, vem da venda dos produtos, também apresentados em eventos como seminários sobre parto e em chás de lingerie e despedidas de solteira, quando um grupo de mulheres se reúne e chama uma representante Pitaya. Mas o negócio vai muito além do sex shop. “Depois de dois anos e já consolidadas no mercado, nosso principal produto é o colocar a mulher em uma posição de mais poder. É nessa linha que queremos seguir agora”, diz Alê. Mas, para isso, é preciso vencer tabus. Da sociedade, das mulheres, de si mesmas e de como fazer também da consultoria um negócio.
AS PRELIMINARES ANTES DE EMPREENDER A PITAYA
Rosângela fez carreira na indústria, e, como diz, “não era muito chegada em crianças” até que, por volta dos 30 anos, sentiu vontade de ter filhos. E teve. “Entrei em um mundo totalmente novo e não quis voltar ao trabalho antigo”, diz. Desde o primeiro dia de vida de Gabriel, ela já usava os slings (panos amplos que se amarram ao corpo para ajudar a carregar bebês sem ter de usar as mãos) para aconchegá-lo. O pediatra viu que ela levava jeito para a coisa e sugeriu que montasse um negócio para vender os produtos. Assim nasceu a Sampa Sling, uma das primeiras marcas do ramo em São Paulo (na mesma época também surgia uma no Rio de Janeiro).
Ela fala: “Desde que o Gabriel nasceu, minha vida era facilitar o colo por aí. Com a venda dos slings também passei a conviver com mulheres dentro dessa maternidade tão intensa, em contato com elas no ‘pós-parto punk’, em que a sexualidade não existe. O que existe é cuidar dos filhos, tentar dormir, sobreviver dentro desse turbilhão de emoções que é o nascimento de um bebê”. E continua:
“Chegou um momento em que precisei de colo e não tinha quem me desse. Me vi com uma necessidade de ser desejada e de desejar. Quando me dei colo e me encontrei, nasceu a Pitaya”
Alê também estava nesse mesmo momento de refletir sobre a sexualidade após o nascimento do filho e as duas embarcaram juntas na empreitada. Depois da conversa na despedida do coral, elas passaram um ano aquecendo o projeto a fogo lento. A primeira ideia era montar uma marca de lingeries voltadas às mães. “O mercado hoje tem produtos para a mulher magra ou gorda, mas não para a que passou pela maternidade, que tem um seio que amamentou. Não necessariamente é um seio grande, mas que exige mais sustentação”, diz Alê.
Ela fala que, muitas vezes, as roupas íntimas para pós-parto — assim como acontece com as de grávida no Brasil — são apenas roupas tamanho GG. E não é bem disso que as mulheres precisam. E mais: “Não dava para sensualizar com aquelas lingeries”.
Depois de meses de pesquisa (o que incluiu viagem ao polo de fabricação de roupas íntimas no Rio Grande do Sul, por exemplo), a dupla não encontrou mão de obra nacional que conseguisse um preço competitivo. “Queríamos desenhar as peças, mas as confecções não aceitavam encomendas personalizadas para pequenas quantidades. E fabricar no exterior era briga com cachorro grande, não compensava”, conta Rosângela.
O estudo por outros segmentos de mercado continuou. Mas tudo que encontravam eram formas que levavam a mulher a satisfazer o prazer do outro. “Encontramos muitos cursos de strip-tease e pole dance. Mas como aprender a tirar a roupa vai fazer minha libido voltar?”, questiona Alê. Já os sites com produtos eróticos eram agressivos, como conta Rosângela:
“A maioria das sex shop online vendem produtos voltados ao prazer masculino. Queríamos voltar o olhar para a sexualidade da mulher”
Foi aí que chegaram à ideia de uma loja online com uma linguagem mais feminina. Os produtos à venda são escolhidos pessoalmente por elas no showroom de duas importadoras do ramo. Às vezes tem coisas que uma gosta e a outra, não. E tudo bem, pois a ideia da dupla é a um público variado.
Mas já aconteceu também de as duas adorarem um produto, comprarem uma boa quantidade e não vender. É do jogo. Elas buscam se diferenciar da concorrência com essa curadoria, mas o verdadeiro valor está no apoio que dão às mulheres em busca da sexualidade perdida. “O que movimenta nosso negócio e traz as mulheres são as rodas de troca, ao vivo e virtuais”, diz Alê.
COMO MONETIZAR O BATE PAPO SOBRE SEXO
Um dos grandes desafios da Pitaya atualmente é monetizar a parte do negócio em que a dupla investe mais tempo: a assistência às mulheres, por meio de atividades nas redes sociais e eventos presenciais. Para além da Pitaya online, o projeto conta com uma comunidade secreta no Facebook com cerca de 2 mil mães de todo o país — inclusive brasileiras que moram fora — que trocam experiências sobre a vida sexual após a maternidade, dúvidas, dilemas e prazeres.
Com a comunidade bombando, as empreendedoras contma com cinco moderadoras extras e algumas profissionais de apoio, como uma advogada e uma psicóloga, para casos de relatos de abusos sexuais e morais. Sim, eles acontecem.
“Quando surgem essas postagens aciono essa micro-rede que fica disposta virtualmente, ou até presencialmente, para dar uma assistência jurídica ou orientar um tratamento, se for preciso”, diz Alê. As sócias só aceitam mães na comunidade, mulheres sem filhos são recusadas. A única exceção fica por conta de profissionais que trabalham com parto e saúde feminina.
Já as rodas de conversa presenciais oferecidas pela Pitaya acontecem a cada 15 dias em espaços de cuidado ao parto, puericultura ou lazer infantil como Casa do Brincar, ComMadre, Lumus Cultural e o Serotonina Lab, todos em São Paulo, ou mesmo no consultório de dentista da Alê. Os encontros já tiveram de duas até 50 mulheres presentes. Esses eventos não são cobrados e os parceiros convidados — já houve uma narradora de contos eróticos, aula de pompoarismo, vivências corporais com uma professora de teatro e outra de dança — participam de maneira voluntária. “As pessoas acreditam muito no projeto”, diz Rosângela, que junto com Alê, já falou sobre sexualidade materna em um evento de amamentação na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para cobrir os custos dos eventos, como transporte e alimentação, normalmente elas colocam à venda produtos da sex shop no final. A dupla anda com uma mala de brinquedos sexuais Pitaya dentro do carro para qualquer eventualidade. “Estamos estudando como ter rentabilidade para além dos produtos, que é o que segura o negócio hoje”, diz Rosângela. Nesse sentido, elas já dão os primeiros passos.
Agora em junho farão um workshop no Sesc Santo André. “O Sesc tem um projeto sobre maternidade e buscava alguém que falasse sobre sexualidade para essas mulheres e nos indicaram”, diz Alê. Para o segundo semestre, elas programam um retiro fora da cidade com oficinas de conexão com o corpo e troca de experiências, que será pago.
QUEBRAR TABUS É AINDA MAIS DIFÍCIL QUE VENDER
Fora saber colocar preço na consultoria, muitas vezes as duas ainda enfrentam dificuldades ao explicar o que fazem. Rosângela fala mais a respeito: “Às vezes as pessoas olham pra mim e dizem: ‘Ah, você tem uma sex shop, deve entender tudo de sexo’. Dá até a impressão de que a gente virou profissional do sexo, que sabe todas as posições do Kama Sutra”. Ela ainda diz:
“Estou fazendo um movimento em que as mulheres se permitam vivenciar a sexualidade. É uma questão de saúde da mulher”
No caso de Alê, ela teve antes de mais nada que quebrar os próprios tabus. Vinda de uma família tradicional, a dentista demorou a se expor como co-criadora da marca até para o marido, que hoje é apoiador da ideia. “Levei um ano pra contar para ele, só falei no dia da festa de lançamento da marca e porque a gente ia expor alguns produtos, senão, não tinha contado até hoje”, brinca. Ainda assim, ela teve que enfrentar comentários como “Você vai vender pinto de borracha na internet?” quando acabava de explicar o projeto a conhecidos. “Vou fazer muito mais que isso, mas se é isso que você entende…”, costumava responder.
As duas acreditam também que se colocarem a Pitaya no primeiro plano, o negócio crescerá mais rapidamente. Um dos próximos passos para isso será terceirizar a comunicação dos produtos para alavancar vendas. “Às vezes estou cuidando da comunicação da loja, uma mulher me chama na comunidade no Facebook e eu paro tudo para atender. Virou mais missão de vida do que negócio, mas que não nos sustenta para conseguirmos largar nossos trabalhos”, diz Alê.
Por enquanto, Rosângela ainda se dedica mais à Sampa Sling e Alê ao seu consultório dentário. Mas sem separar tanto as coisas. Nas feiras de parto, o estande de carregadores para bebês se divide com a venda de vibradores e afins. Já Alê acaba vendendo alguns produtos Pitaya no consultório. Sim, a paciente vai tratar de dentes e, conversa vai, conversa vem, acaba levando para casa um vibrador! “No começo, fiquei com medo de perder algumas clientes quando elas soubessem, mas foi o contrário”, diz. A secretária do consultório dentário, virgem e evangélica, como Alê conta, é também uma das assistentes de venda Pitaya em feiras. “Ela é a melhor vendedora, pois dá todas as informações técnicas dos produtos.”
A dupla brinca que Alê é a Pitaya concretizada, pois desabrochou, se transformou de dentro para fora com o projeto. Antes tinha um visual mais conservador. Na foto do batizado do filho, ela mostra que pintava e alisava os cabelos. Hoje está com os cachos e os fios brancos libertados. O nome Pitaya, aliás, foi inspirado na fruta homônima, como sugestão da designer que criou a marca. “Tínhamos pensado em algo como ‘florescer’, mas ela achou horroroso”, conta Alê. As sócias, então, explicaram o que desejavam: “Mostrar delicadeza e, ao mesmo tempo, sexualidade. O mistério da flor, do erótico, afrodisíaco, mas sem ser vulgar”. Ficou Pitaya, cuja flor, exótica, dificilmente desabrocha, mas quando acontece, gera uma fruta que dizem ser afrodisíaca…
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