Entre tantas outras consequências negativas, a pandemia também pode estar acirrando o preconceito etário, ou ageísmo.
No primeiro semestre de 2020, foram demitidos 65 mil profissionais com mais de 65 anos, alta de 25% em comparação ao mesmo período de 2019, segundo levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.
Na faixa dos 50 aos 64 anos, foram 756 mil demissões (alta de 9%); em comparação, as demissões entre jovens de 25 a 29 subiram só 2,3%.
Para Mórris Litvak, 37, fundador da Maturi, o fator “grupo de risco” — aliado ao corte nas empresas de trabalhadores com mais tempo de casa (geralmente os mais velhos e com maiores salários) — vem influenciando os tomadores de decisão.
“Podemos estar dando alguns passos para trás com relação a uma evolução que era lenta, mas vinha acontecendo, de o mercado olhar para essas pessoas [maduras]”
Sua startup busca reinserir os maduros 50+ no mercado de trabalho, oferecendo aperfeiçoamento (profissional e pessoal) e conscientizando as empresas sobre a importância da diversidade etária.
A AVÓ FOI UMA INSPIRAÇÃO PARA TRABALHAR COM O PÚBLICO MADURO
Mórris fundou a Maturi em 2015, então com o nome de MaturiJobs (ele rebatizou a empresa já em 2020, entendendo que o negócio oferecia mais do que vagas de emprego).
Seu interesse pelo tema da longevidade foi se aprofundando ao longo dos anos. Uma inspiração foi a avó, dona Keila, que trabalhou até os 82 anos como secretária e tradutora de uma importadora:
“Todo dia, ela pegava ônibus e metrô para chegar ao trabalho. Só que, um dia, a caminho, caiu na calçada e se machucou. Não quebrou nada, mas houve um impacto visual no rosto — e ela resolveu parar de trabalhar de um dia para o outro”
O neto viu a saúde da avó decair após sua aposentadoria. “Ela desenvolveu Alzheimer e faleceu em 2013, com 91 anos.”
Esse exemplo em família se somou ao contato com outros idosos num trabalho voluntário em 2011, junto à Liga Solidária, e levou Mórris a querer se inteirar mais sobre a questão.
CONVERSAS COM IDOSOS RECÉM-DEMITIDOS COMOVERAM O EMPREENDEDOR
Então prestes a vender uma empresa de tecnologia que mantinha com o pai, ele passou a estudar empreendedorismo de impacto e participar de iniciativas que envolvessem o público maduro.
Em 2015, enquanto a crise política e econômica se aprofundava, Mórris conversou com idosos recém-demitidos. E diz que aquilo mexeu com ele:
“Essas pessoas estavam ficando deprimidas e doentes… E me lembraram a história da minha avó. Só que elas eram mais novas, não tinham nem 60 anos e ainda não eram aposentadas. Fui pesquisar e vi que faltavam iniciativas para ajudá-las a encontrar trabalho”
Ele identificou ali uma oportunidade de negócio social. Sem investimento inicial, contou com suas economias durante um ano e meio, até que o negócio começasse a gerar receita. Foi só em 2019 que a empresa recebeu um aporte de 300 mil reais do fundo Kaleydos e de dois investidores-anjos.
COMO SENSIBILIZAR AS EMPRESAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS MADUROS
Hoje, a Maturi tem 1 100 empresas e 150 mil pessoas maduras cadastradas em sua plataforma. O empreendedor conta que, até aqui, a startup intermediou cerca de 1 500 contratações (a maioria para cargos operacionais).
O público não paga para pesquisar vagas. A idade média dos usuários que acessam a plataforma é 58 anos; apenas 30% são aposentados.
As empresas que anunciam contratam pacotes entre 200 e 800 reais (dependendo do número de vagas e filtros selecionados) e também podem recorrer à Maturi para serviços de consultoria e seleção.
Para engajar empresas a admitir profissionais maduros, diz, é preciso conscientizá-las:
“Fazemos palestras para mostrar a importância social e estratégica: colaboradores 50+ trazem diversidade ao time e trocas intergeracionais. Além disso, eles ajudam a empresa a se comunicar melhor com esse público consumidor — que será cada dia maior”
Mórris também destaca a experiência e o comprometimento dos mais velhos como pontos positivos desses profissionais. E cita um estudo da PwC, segundo o qual, em 2040, 57% da força de trabalho do Brasil terá mais de 45 anos.
“As empresas precisam estar preparadas para essa inversão da pirâmide etária. A força de trabalho será cada dia mais velha.”
UMA NOVA PLATAFORMA ESTIMULA OS MADUROS A ATUAR COMO AUTÔNOMOS
Mórris sabe que, mesmo conscientizando as empresas, o número de vagas ofertadas ainda é escasso. E a tendência é que isso piore (não só para os maduros).
Por isso, a Maturi incentiva esse público a empreender. Há seis meses, a startup disponibilizou uma plataforma de freelancers, a MaturiServices, para que os 50+ ofereçam seus serviços para empresas ou outras pessoas, de forma pontual.
“Há algum tempo a gente entende que a saída para boa parte dessas pessoas será empreender e trabalhar como autônomo. Ainda mais agora, com a pandemia”
Hoje a ferramenta é gratuita; a ideia é testar, adiante, um modelo em que o público maduro pague uma comissão por cada serviço contratado pela plataforma.
Por enquanto, diz, a fase é de entender melhor o tipo de serviços oferecidos pelos profissionais. “Até o fim do ano vamos começar a divulgar melhor e trazer possíveis clientes.”
A PANDEMIA OBRIGOU A EMPRESA A LEVAR SEU EVENTO PARA O DIGITAL
No início da pandemia, a procura dos clientes caiu 80%, diz Mórris. Desanimar não era uma opção. Nesse novo cenário, a empresa se mobilizou para realizar, em julho, de forma online, o MaturiFest, seu evento sobre trabalho e empreendedorismo para o público 50+.
Segundo o empreendedor, o resultado surpreendeu. Na versão presencial, eram esperadas mil pessoas em São Paulo. Com a mudança para digital, foram 8,5 mil inscritos para 50 palestras e 25 horas de transmissão ao vivo nos quatro dias do evento.
A empresa aproveitou a ocasião para lançar a MaturiAcademy, uma plataforma de conteúdos sobre carreira e empreendedorismo para o público 50+, com vídeos sobre autoconhecimento, tecnologia, storytelling e recolocação, por exemplo.
Ao se inscrever no MaturiFest, os participantes automaticamente ganhavam acesso à MaturiAcademy. Por enquanto, tudo está aberto de forma gratuita.
“A ideia é que empresas possam oferecer a MaturiAcademy como benefício corporativo para funcionários que estão perto de se aposentar, para prepará-los para uma nova fase da vida e da carreira”
Mórris ainda vislumbra vender assinaturas para o consumidor final. Por enquanto, o foco é abastecer a plataforma com mais conteúdos, inclusive cursos ao vivo (o empreendedor está ministrando aulas sobre ferramentas tecnológicas).
UMA PESQUISA PARA ENTENDER A REAÇÃO DO PÚBLICO MADURO À PANDEMIA
Em maio, uma pesquisa da Maturi coletou respostas de 4 200 pessoas maduras sobre os impactos (psicológicos e financeiros, por exemplo) da pandemia sobre esse público.
Segundo a empresa, 77% estavam saindo de casa apenas para tarefas como compras de supermercado e farmácia. Outros 12% não colocavam o pé na rua em hipótese alguma, 9% seguiam trabalhando em escritórios e só 2% saíam de casa para atividades não essenciais.
Saudade (43%) e ansiedade (41%) foram dois sentimentos apontados pelos respondentes. A maioria (67%) se disse mais cuidadosa com a saúde, enquanto 19% manifestaram medo. Apenas 5%, porém, se disseram depressivos.
Ainda segundo a pesquisa, a Covid-19 vem impactando negativamente as finanças de 53% do grupo. Entre as estratégias para dar conta do momento, essas pessoas vêm reduzindo gastos (60%), procurando emprego (30%), recorrendo à poupança (26%), renegociando dívidas (20%) e começando o seu próprio negócio (13%).
Como as pessoas acima de 60 anos percebem a expressão “grupo de risco” — e a sua inclusão no mesmo? Foram 4 052 respostas. Para 60%, o critério faz sentido; outros 39% discordaram, afirmando que, mais do que a idade, é o comportamento de risco que deveria ser levado em conta.
VIDA PÓS-CARREIRA NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE PARAR DE TRABALHAR
Das 11 pessoas que compõem o time da Maturi, cinco são 50+. Mórris acredita que aposentar-se em definitivo será algo cada vez mais raro, seja por falta de condições financeiras ou pelo desejo de se manter ativo.
“A gente fala muito da vida pós-carreira e fora do mundo corporativo, mas isso não é necessariamente parar [de trabalhar]”, diz Mórris.
Seguir trabalhando não significa que não se possa reduzir o ritmo. Mas como se preparar para esse momento? A indicação é que a pessoa se planeje financeiramente para uma vida longeva, sabendo que precisará se desapegar talvez de alguns luxos.
“Também recomendamos que se tenha um plano B antes de chegar nessa fase — talvez um hobby”, diz Mórris. “Além disso, é importante ter uma rede de contatos: não só de networking profissional, mas de amigos. E claro, se manter curioso, aprendendo coisas novas e em contato com outras gerações.”
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