Quando Márcia Cunha, 39, cofundadora da Plenapausa, era adolescente, viu a mãe ficar deprimida e sofrer oscilações de humor a partir dos 50 anos. Na época, não entendia o que estava acontecendo.
A mãe não estava doente. Aquilo tudo eram alguns dos sintomas mais conhecidos da menopausa, que também afeta o sono, gera ansiedade, ondas de calor, cansaço, incontinência urinária, queda de cabelo, perda da libido, entre outros desconfortos. “Como ela era a mais velha das sete irmãs, não tinha quem entendesse pelo que estava passando”, diz. E complementa:
“Esses sintomas que minha mãe sentia impactaram a família como um todo. Foi muito difícil viver e entender aquilo no lugar de filha mais nova num momento em que não se falava sobre menopausa”
Carla Moussali, 31, também teve uma experiência parecida com a mãe, que tinha endometriose e precisou induzir a menopausa com remédios para controlar a doença.
“Ela tinha o corpo de uma mulher de 30 anos, mas com todos os sintomas e consequências da menopausa. Começou a sentir calorões, teve oscilação de humor, que foi o que mais pegou na época. E a gente não entendia o que estava acontecendo, nem ela. Sentimos muita falta de uma orientação, um respaldo médico para passar por aquele momento.”
Apesar de na época as duas terem sido marcadas pelas experiências de suas mães, o tema só reapareceu em suas vidas quando a dupla decidiu empreender, em 2021, a primeira femtech brasileira com foco em mulheres de 44 a 60 anos que estão vivendo a menopausa ou o pós-climatério.
A startup segue três pilares para apoiar as mulheres nesta fase: informação, acolhimento e solução.
O assunto surgiu durante um programa de aceleração da B2Mamy, do qual Márcia participava. A economista por formação já tinha empreendido uma boutique sensual e naquele momento estava no mundo corporativo, mas tinha o desejo de voltar a empreender.
Durante a aceleração, que tinha como objetivo tirar ideias do papel, apresentou o projeto de um negócio relacionado à medicina integrativa. Mas quando o tema da menopausa surgiu nas rodas de conversa entre as participantes, Márcia decidiu mudar o projeto.
E teve o apoio de uma das mentoras do programa, Carla, que sempre esteve conectada com o universo da saúde e bem estar. Ela já empreendeu no ramo de suplementos e fundou a startup LinkFit, plataforma de IA especializada na prática de atividades físicas e reabilitadoras virtuais.
O estudo para o desenvolvimento da Plenapausa começou com a escuta do que era a menopausa e o que ela acarretava com um grupo de 30 mulheres com quem Márcia conversou diretamente. “Conforme eu ouvia os relatos fui fazendo a conexão com o caso da minha mãe”, lembra a empreendedora.
Após esta fase de escuta, que envolveu 100 mulheres, as cofundadoras realizaram uma pesquisa com mais 500 que estavam no climatério e descobriram que 61% delas não tinham informação sobre menopausa, apresentavam dificuldades de identificar os primeiros sintomas e falar sobre o assunto.
Justamente por conta da falta de conhecimento, muitas acabavam não buscando tratamentos para remediar os sintomas. Márcia afirma: “Começamos a discutir o quanto a menopausa interfere na vida delas, o quanto esses sintomas são relevantes e como poderíamos ajuda-las a lidar com este estigma”.
Não é um trabalho fácil já que a sociedade não estimula o debate sobre o tema, nem mesmo a classe médica, como conta a empreendedora.
“Algumas mulheres disseram ter ouvido de médicos que aquilo era uma ‘fase’, que a partir de agora era ‘ladeira abaixo’ e era melhor elas nem contarem para o marido. Mas que isso ‘ia passar’ e que ‘era preciso aguentar’…”
Para Carla, o principal fator que inibe essa conversa é a relação ruim que as pessoas estabelecem com o lado reprodutivo da mulher:
“Na menarca, se a menina está diferente, já dizem que é TPM. Já quando mais velha, se a mulher tem alguma questão emocional, falam que é por conta da menopausa. Até na gravidez, isso acontece. Quantas mulheres não têm medo de falar no trabalho que engravidaram…”
Nem mesmo em círculos íntimos este tema costuma entrar em pauta, diz Carla. “Nunca falei com minhas amigas sobre como será quando estivermos na menopausa. Acho que se eu não estivesse empreendendo, não teria contato com este assunto agora.”
A partir desses estudos, as sócios da Plenapausa entenderam que o primeiro pilar da femtech deveria ser a informação. Com a ajuda de especialistas, digitalizaram o índice menopausal Blatt-Kupperman, que avalia em que fase da menopausa a mulher está e a intensidade dos sintomas — e é usado como protocolo clínico.
Elas então disponibilizaram no site da empresa essa avaliação gratuita para ajudar as mulheres a identificar os sintomas e tratá-los.
A avaliação consiste em um questionário com 32 perguntas de múltipla escolha que englobam histórico familiar, doenças existentes, hábitos e estilo de vida, além dos sintomas que a mulher apresenta. O protocolo, conta Márcia, leva em conta 17 dos principais sintomas — mas existem mais de 30 relacionados à menopausa.
“Depois de descobrir em que fase está, a mulher tem conhecimento sobre sua saúde e o poder de escolher o melhor tratamento para o alívio dos sintomas após consultar um especialista”
Mais de 2 700 mulheres já realizaram a avaliação da Plenapausa, que também disponibiliza no site conteúdos validados sobre o tema escritos por seis especialistas parceiros e por uma profissional de mídia da empresa.
A partir daí, entra o segundo pilar da startup, o de acolhimento, com o Prosas & Pausas.
Carla explica a proposta:
“Realizamos uma roda de conversa virtual para trocas de experiências. Lá, a mulher pode expor suas dúvidas e medos com segurança para a especialista convidada e para outras participantes. Neste encontro, ela vê que não está passando sozinha por isso.”
As rodas são gratuitas e reservadas (não são transmitidas ao vivo nem gravadas), ocorrem mensalmente — até o momento foram cinco — e costumam reunir em média 100 mulheres.
Os temas abordados são escolhidos de acordo com as dúvidas que o público traz nas redes sociais da Plenapausa e não têm necessariamente a ver com a menopausa, mas com a maturidade. Para 13 de maio, por exemplo, estava agendada uma roda sobre “Empreender e reinventar-se nos 50+”.
MAS E DEPOIS DE INFORMADA… O QUE FAZER PARA CONTROLAR OS SINTOMAS?
Quando a mulher já está informada e se sente acolhida em relação à menopausa, o próximo passo é amenizar os incômodos causados pelas mudanças fisiológicas e hormonais.
É nisto que se concentra o terceiro pilar da femtech, que desenvolveu, com a ajuda da ginecologista parceira Natasha Machado, um kit com três fórmulas fitoterápicas de suplementos, produzidos por um terceirista.
As formulação levam em conta as cinco principais queixas das mulheres que preencheram a avaliação: cansaço ou desânimo; alterações de humor constantes; dificuldade para dormir; ansiedade ou depressão; e baixa libido.
Os produtos foram lançadas em janeiro deste ano e a ideia inicial era vendê-los como kits pelo e-commerce da empresa, mas por causa da demanda de algumas clientes, que não sentiam a necessidade de usar as três opções, as sócias passaram a oferecer os suplementos também de forma avulsa.
Duas fórmulas (a PlenaAtive e a PlenaLuna) podem ser encontradas no mercado com outros fornecedores, mas as empreendedoras contam que potencializaram essas formulações com outros ativos combinados. Já a terceira formulação é exclusiva da marca (PlenaVita).
A PlenaAtive leva mana cubiu e maca peruana e promete auxiliar no vigor físico e mental, no bem-estar-estar sexual e libido e no controle da absorção de gordura. O pote para um mês custa R$ 94,40.
Na composição do PlenaLuna (R$ 89,60), a mulher encontra L-Triptofano e magnésio, que ajudariam a melhorar o sono e o humor, além de aliviar a ansiedade e potencializar o nível de concentração.
Formulação exclusiva da marca, o PlenaVita tem em suas cápsulas ativos como a amora miúra, entre outros. O objetivo é aliviar os calorões, a irritabilidade, o ressecamento e as dores no corpo. O frasco custa 116 reais.
As empreendedoras reforçam, claro, que os kits não fazem “milagre”:
“Os suplementos são feitos baseados em estudos sérios, mas a gente não promete que a mulher vai ter os resultados esperados, porque não tem como prever isso nem com tratamento hormonal”, diz Carla. “A melhora dos sintomas envolve também toda uma mudança de estilo de vida.”
As cofundadoras investiram 500 mil reais no negócio, investidos em desenvolvimento da avaliação gratuita, plataforma de conteúdos, desenvolvimento de produtos, testes, primeiro estoque e ações de marketing.
Elas mantêm em segredo o faturamento e o número de suplementos vendidos, mas afirmam que as vendas crescem 40% ao mês. E, para o segundo semestre, elas planejam criar um plano de assinatura freemium.
Hoje, a mulher acessa a plataforma, faz a avaliação gratuita e acessa o resultado na hora, mas não tem isso documentado para levar a um especialista. A ideia, neste novo modelo, é que a avaliação seja registrada na plataforma, com o consentimento da usuária, e que ela possa ir refazendo o questionário a cada seis meses para ter um histórico em mãos da evolução dessa jornada por fases e níveis de sintomas. Segundo Márcia:
“Entendemos que o resultado da avaliação é um retrato daquele momento, pois os sintomas são dinâmicos e vão acompanhar a mulher por dez anos, no mínimo, entre o climatério e a pós-menopausa. Por isso, a gente quer registrar essa jornada e assim personalizar os conteúdos e soluções oferecidos”
A Plenapausa também planeja entrar no B2B, oferecendo a empresas conteúdo educacional, com palestras e cartilhas.
“Quando se fala em equidade no mundo corporativo, é preciso colocar em pauta as especificidades de cada gênero e seus desafios. E a menopausa é um desafio para a mulher madura, porque impacta diretamente na sua rotina.”
Márcia aponta que o compilado das avaliações feitas na plataforma mostrou até agora que 56% das mulheres se sentem menos produtivas — não por questão de entregas de tarefas, mas pelo impacto dos sintomas.
COMO SEGUIR A PRÓPRIA JORNADA SEM SE COMPARAR
No dia a dia da operação, dizem as empreendedoras, muitas vezes elas se pegam questionando se estão no caminho certo e se comparando com outras femtechs que já receberam aportes. A solução para isso, diz Carla, é manter o foco:
“Sabemos que as femtechs estão num hype muito grande e o quanto os fundos estão olhando para isso. Vemos muitos negócios extremamente capitalizados entregando soluções de nicho, mas que de repente começam a perder o foco para aproveitar a onda. O problema disso é que acabam criando negócios não sustentáveis a longo prazo”.
Segundo Márcia, o principal desafio continua sendo o mesmo que motivou a criação da empresa: tornar a menopausa um tema amplamente discutido pelas mulheres e pelos especialistas.
“O Reino Unido tem ações do governo em prol da menopausa, com cartilhas registradas dentro do programa de saúde. Portugal também está neste movimento, enquanto aqui no Brasil a gente não tem protocolo definido para a menopausa no SUS”
Crescer, claro, também é sempre um desafio. As empreendedoras sabem que amadurecer um negócio leva tempo — mas vale a pena quando se tem um propósito:
“Queremos ser referência para a mulher madura entregando informação, acolhimento e soluções, desmistificando uma fase tão importante que pode ser vivida com qualidade e bem-estar”, diz Márcia. “A menopausa é uma vírgula, e não um ponto final.”
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