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A missão da Jobecam: eliminar a discriminação que prejudica candidatos a emprego e sabota a diversidade nas empresas

Bruno Leuzinger - 16 jun 2020
Da esq. à dir.: Karina Miranda (sócia da Jobecam), Dayana Patrocinio, Ana Claudia Caetano (efetivada na Oracle por meio de recrutamento às cegas) e a fundadora Cammila Yochabell.
Bruno Leuzinger - 16 jun 2020
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A moça da ponta-direita da foto acima, com blusa vermelha de flanela, é a empreendedora Cammila Yochabell, natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Há alguns meses, ela estava participando de um evento quando uma jovem se levantou, pediu para falar e começou a agradecer Cammila por ter criado a Jobecam.

“Eu comecei a chorar. E perguntei: ‘Por quê?’. Ela era da periferia [de São Paulo] e contou que tinha participado de vários processos seletivos para empresas grandes e nunca tinha sido olhada [de verdade]. E disse: Só consegui esse emprego porque a Jobecam fez com que eu participasse do processo às cegas.”

Fundada por Cammila em 2016, a startup de recrutamento digital usa recursos de vídeo para facilitar a seleção de novos colaboradores. A entrevista pode ser às cegas ou não — fica a critério da empresa.

A motivação da empreendedora é convencer mais clientes a adotar essa modalidade, eliminando assim os vieses inconscientes que prejudicam candidatos a emprego e sabotam a diversidade corporativa. 

O PRÓPRIO SOTAQUE DESPERTOU CAMMILA PARA O TEMA DO VIÉS INCONSCIENTE

Ser qualificado muitas vezes não basta. Em 2014, recém-casada, Cammila trocou Mossoró por São Paulo. E conta que penou para arranjar trabalho. 

Para ela, dois motivos influenciaram. O primeiro seria a sua graduação. De olho na indústria petrolífera, forte em Mossoró, ela cursou Petróleo e Gás na Universidade Potiguar. Com o tempo, migrou para RH; essa transição de carreira era “ignorada” pelos recrutadores. 

“Toda a experiência eu que tinha em Recursos Humanos era ‘abafada’. O que valia era o meu diploma. Precisei fazer um MBA para ‘ocultar’ a minha formação”

O segundo fator, porém, Cammila em tese não poderia ocultar nem se quisesse: o seu sotaque “arretado”. “Eu nunca sofri preconceito, mas sentia que o viés inconsciente era presente.”

A IDEIA NASCEU NA NOVA ZELÂNDIA, DURANTE UM MINI-SABÁTICO

Com o MBA, Cammila conseguiu uma “entrada mais brilhante”, como diz, na área de RH. 

Atuou em duas multinacionais de tecnologia, Sage e Concentrix, e descobriu um mundo diferente, digital.

Em 2016, para melhorar o inglês, ela deixou o trabalho e foi passar cinco meses morando em Brisbane, na Austrália, e Auckland, na Nova Zelândia. 

No último mês, começou a procurar emprego aqui no Brasil, pela internet. O país mergulhava na crise. “Pensei: ‘como posso fazer para destacar o meu perfil em meio a tanta gente boa?’”

Cammila teve então a ideia de fazer um vídeo currículo. Procurou uma plataforma específica, mas não encontrou. E daí veio a sacada que a levou a empreender.

“Passei três dias sem dormir desenhando a plataforma, pesquisando como poderia fazer para mudar a realidade de tanta gente desempregada querendo ser vista — e de tantos recrutadores com um fluxo de processo seletivo tão massificante”

De volta ao Brasil, ela chegou a conseguir emprego numa empresa de tecnologia. Três meses depois, pediu demissão. A ideia era se focar 100% no projeto da Jobecam.

ARRANJAR SÓCIOS PARA EMBARCAR NO PROJETO FOI UM PERRENGUE NO COMEÇO

O negócio começou num esquema totalmente bootstrap. Entre 2016 e 2017, Cammila investiu 600 mil reais de suas economias para desenvolver e validar seus MVPs. O objetivo era criar “a melhor plataforma de vídeo-recrutamento do Brasil.”

Equipe da Jobecam na Estação Hack from Facebook: agora cada um no seu home office.

No início, diz, era só ela. 

“Quando tive a ideia da Jobecam, eu pedia ‘pelo amor de Deus’ para alguém ser meu sócio, e ninguém queria”, brinca. “Não conseguia trazer ninguém para o meu sonho como ‘cofounder’ de fato: vamos colocar grana, vamos colocar todas as energias e seguir…

Até que os sócios foram aparecendo. O analista de sistemas Diogo Felizardo, também mossoroense, foi o primeiro a embarcar no projeto. Hoje, estão com ela também Eugênio de Carli, CTO [Chief Technology Officer], e Karina Miranda, que pilota o marketing. 

O “DEAL” DO SHARK TANK NÃO SE CONCRETIZOU. MAS OS APORTES VIERAM

A Jobecam tinha mais ou menos um ano e meio quando a empreendedora participou do Shark Tank

“Foi uma adrenalina. Me preparei por 15 dias, parei a minha vida para estudar os ‘tubarões’. Consegui fisgar a [investidora] Camila Farani. Depois acabamos não seguindo com o deal, mas tenho contato com ela até hoje”

Se aquele investimento acabou não rolando, nos anos seguintes entraram dois aportes.

“Em 2018, recebemos um aporte da People+Strategy”, diz Cammila. “Inicialmente seria um investimento-anjo, mas a People acabou se envolvendo muito mais, nos ajudam no dia a dia, e hoje tem uma pessoa do time deles trabalhando part-time conosco.”

No ano passado, novo investimento. Desta vez da BRQ, empresa de soluções digitais, junto com o Harvard Angels, fundo de investimento-anjo de ex-alunos brasileiros da universidade americana (devido a um acordo de confidencialidade, Cammila não revela o valor).

ELA CORREU ATRÁS DE ACELERAÇÃO. E SE VIU NA CASA DO FUNDADOR DA ORACLE

Em busca de aceleração, a empreendedora foi atrás da Oracle. Diz que perdeu as contas de quantas vezes esteve em eventos, mandou-emails… Até conseguir uma vaga no programa de aceleração da empresa. A insistência valeu a pena. 

“Depois de mil tentativas ‘batendo na porta’, a Jobecam conseguiu entrar no programa da Oracle em 2018. E em 2019 eu estava na casa do [cofundador] Larry Ellison como a startup destaque da América Latina. Por isso eu digo: se foque, queira, ‘perturbe’. Uma hora você vai conseguir, vai estar na casa do dono!”

Essa “visitinha” se deu durante o Oracle Open World, encontro global da companhia, em San Francisco. E a aceleração abriu outras portas. 

Em seguida, a Jobecam passou seis meses na Estação Hack from Facebook, num esquema de residência, sendo acelerada pela Artemisia

“Foi sensacional, transformador”, diz Cammila. “Mais recentemente, passamos pelo Google for Startups, e agora estamos usando o Google para melhorar o nosso machine learning de voz.”

PARA SE DIFERENCIAR, A EMPRESA INVESTIU NUMA PLATAFORMA 100% RESPONSIVA

Cammila enfatiza que a Jobecam não é um ATS (Applicant Tracking System, ou sistema de rastreamento de candidatos).

Uma decisão estratégica foi direcionar suas energias para o recrutamento por vídeo. A entrevista pode ser pré-gravada pelo candidato ou se dar ao vivo, num ambiente próprio de videoconferência. 

“Um diferencial nosso é que o recrutador pode ‘taguear’ os termos que ele julgue serem relevantes. O sistema faz automaticamente a transcrição da resposta do candidato e gera um match entre o que ele ou ela disse e o que o recrutador pediu”

Os aportes, diz Cammila, ajudaram a incrementar a ferramenta. “Investimos muito em tecnologia e hoje vemos que valeu a pena.” 

O principal desafio foi fazer com que a plataforma da Jobecam fosse 100% responsiva. 

“Alguns concorrentes fazem um pouco do que a gente faz, mas em geral é preciso instalar um plugin ou baixar um aplicativo para gravar o vídeo, o que interfere muito na experiência do candidato.”

MAIS DE 50 MIL PESSOAS JÁ PARTICIPARAM DAS ENTREVISTAS GRAVADAS

Para eles, os candidatos, o uso das ferramentas da Jobecam é gratuito. “Ainda não somos um marketplace de candidatos, mas além do perfil e da entrevista gravada, oferecemos a possibilidade de gravar um vídeo currículo — e ensinamos como fazer esse vídeo.”

Segundo ela, mais de 50 mil pessoas em busca de trabalho já gravaram entrevistas pela Jobecam. “Só no último mês foram 10 mil participando de processos seletivos.”

Cammila Yochabell, fundadora da Jobecam: o próprio sotaque a despertou para a questão do viés inconsciente.

A empresa monetiza a partir das empresas que buscam novos colaboradores, por meio de planos mensais. O básico custa 199 reais por mês e dá direito a 60 “Jobcoins” — 60 entrevistas gravadas –, cinco horas de sala de entrevista online e um recrutador. Em média, diz Cammila, com esse número de entrevistas é possível preencher duas vagas. 

Demais pacotes incluem um número crescente de entrevistas e benefícios, com valores entre 790 reais até 3 290 reais por mês (este inclui 500 entrevistas gravadas). “Mas se a empresa tiver uma demanda muito maior, a gente customiza um plano.” Hoje, há 630 clientes na base, e 60 deles recorrentes.

A SELEÇÃO ÀS CEGAS É COMO UMA VERSÃO “THE VOICE” DAS ENTREVISTAS

Na opção do recrutamento às cegas, o entrevistador não vê o candidato, e sim um avatar que responde com uma voz distorcida, “robotizada”. Ele tem acesso também a um ranking e às notas recebidas conforme as competências e o “fit” daquela pessoa com a vaga.

Cammila compara a modalidade a um famoso show de calouros em que os juízes só giram suas cadeiras quando gostam do que ouvem: 

“É como se fosse o ‘The Voice das entrevistas’. Vamos supor que eu, recrutadora, gostei desse candidato. Quando clico e aprovo, aí sim a tela ‘vira’ e eu conheço a pessoa. Assim, garantimos mais diversidade, o recrutador se foca nas reais experiências do candidato”

Hoje, lamenta, a maioria dos recrutamentos pela Jobecam ainda não é às cegas. Mas a empreendedora cita alguns clientes que já optaram sim por processos nessa modalidade, entre eles Oracle, Raízen, Bayer e People+Strategy.

“Tem também um grande banco e uma rede de varejo que viraram nossos clientes recentemente, e por isso não posso ainda divulgar”, diz. “E estamos agora com um processo às cegas com a Arco Educação, esse projeto está sendo incrível…” 

DESDE O COMEÇO DA CRISE DA COVID-19, A EMPRESA JÁ CRESCEU 132%

O time da Jobecam tem dez pessoas, incluindo freelancers fixos. Com a Covid-19, cada um está em seu home office. 

“Tínhamos um escritório lindo, no Centro de São Paulo. Agora foi cada um para sua cidade, mas é engraçado que está tendo muito mais engajamento.”

A previsão é faturar 2,1 milhões de reais em 2020. Ela conta que a pandemia vem acelerando a empresa, que já cresceu 132% desde o começo da crise. E vê a evolução do negócio num resumo-relâmpago:

“A gente vem falando sobre vídeo recrutamento desde 2016. Na época, não fui muito ouvida. Em 2017, me diziam: “Ah, deixa eu ver o que essa ‘menina’ está falando…”. Em 2018 foi ficando mais forte, em 2019 deslanchamos… E em 2020 virou ‘obrigatório’”

No mundo pós-pandemia, as ferramentas de recrutamento digital vieram definitivamente para ficar. E podem, por meio da seleção às cegas, tornar o processo mais justo:

“Não que é que o recrutador seja ‘preconceituoso’. O viés é do ser humano. Precisamos entender onde estão nossos vieses e combatê-los. E a Jobecam entra para ajudar.”

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Jobecam
  • O que faz: Plataforma de vídeo recrutamento
  • Sócio(s): Cammila Yochabell
  • Funcionários: 10
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2016
  • Investimento inicial: R$ 600 mil
  • Faturamento: R$ 2,1 milhões (previsão para 2020)
  • Contato: [email protected]
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