Em inglês, nudge é um “cutucão” positivo, um lembrete projetado para estimular novos hábitos. O conceito, usado na teoria da economia comportamental de Richard Thaler (Prêmio Nobel em 2017), parte do princípio de que as pessoas deixam com frequência a racionalidade de lado em suas decisões, influenciadas por aspectos subjetivos e culturais. Daí a necessidade de um “empurrãozinho” na direção certa.
Essa ideia embasa o negócio da startup paulista Movva. O trio de sócios Guilherme Lichand, Rafael Vivolo e Marcos Lopes fundiu o conceito aos chatbots, programas de computador que simulam uma comunicação humana, e criaram os nudgebots para tocar projetos como o Eduq+, que visa melhorar indicadores como evasão escolar, notas e repetência ao “cutucar”, com jeitinho e por SMS, pais de alunos de escolas públicas. Rafael, 37, CEO da Movva, explica:
“Enviamos conteúdo socioemocional para que o pai se aproxime do filho. Ao ver que o pai está interessado, o filho aumenta a autoestima, vai mais para a escola, acaba aprendendo mais e não repete de ano”
As mensagens têm uns 160 caracteres, ou menos até. A ideia é inspirar a reflexão e propor mudanças de atitude. Um exemplo: “A convivência familiar é importante para o desenvolvimento da criança. Como vocês vêm construindo essa relação familiar?”.
A MOVVA NASCEU COMO MGOV, COM FOCO NO MODELO B2G
Fundada em 2012, a Movva nasceu com outro nome e proposta: MGov, uma consultoria que desenvolvia projetos de impacto social para o poder público, usando soluções mobile.
Na época, o foco estava em ouvir os cidadãos e gerar dados para que o poder público pudesse tomar alguma atitude. Com esse primeiro formato, eles ganharam alguma projeção e chegaram, em 2015, a representar o Brasil na etapa global do The Venture, campeonato de empreendedorismo social promovido por Chivas.
Segundo Rafael, porém, aquele primeiro modelo, voltado à coleta de dados para fomentar políticas públicas, esbarrava em dificuldades como burocracia e falta de dinheiro.
“A MGov foi uma empresa que deu certo, mas não era escalável. Reconhecemos isso e mudamos”
Do segundo para o terceiro ano de operação, os sócios começaram a trabalhar com fundações, institutos e com a iniciativa privada (para fazer avaliação de impacto e monitoramento), sempre mantendo o foco no impacto social. Um modelo que já flertava com o atual, em que as empresas financiam um trabalho que beneficia escolas públicas.
UM TESTE EM SP AUMENTOU EM 15% A FREQUÊNCIA NAS SALAS DE AULA
O nudgebot começou a ser construído como ideia em 2015. O trio de empreendedores entendeu que a tecnologia poderia ser mais efetiva se usada para ajudar a mudar o comportamento para a formação de hábitos positivos.
Na época, a Movva (ainda como MGov) se inscreveu em um edital que buscava soluções para aumentar o engajamento dos pais na educação dos filhos. Assim, em 2015, foi feito um piloto, em parceria com a Fundação Lemann, envolvendo 2 mil pais de alunos nas cidades de São Paulo, Fortaleza e Rio de Janeiro.
Este piloto confirmou que os pais gostaram de receber as mensagens e os professores reportaram um melhor comportamento. “Mas precisávamos fazer um teste mais grandioso”, diz Rafael.
Então, em 2016, os nudgebots chegaram a 20 mil pais de alunos do 9º ano de 286 escolas públicas do estado de São Paulo, numa iniciativa financiada pela Universidade Stanford e pelo Itaú BBA. Depois de 23 semanas, o resultado foi um aumento de 15% da frequência em sala de aula, aumento da aprendizagem em português e matemática e redução da reprovação em 33%.
“O Eduq+ tem potencial de aumentar o Ideb em 0.4 ao mesmo tempo em que economiza recursos das Secretarias de Educação ao reduzir a repetência, ou seja, uma economia estimada em mais de 12 reais para cada real investido no nudgebot”, afirma Guilherme.
NA COSTA DO MARFIM, A MOVVA TENTA REDUZIR OS CASTIGOS CORPORAIS
Em novembro de 2018, o programa foi levado para a Costa do Marfim, onde mais de 40% das crianças do primeiro ciclo do Ensino Fundamental (a partir dos 7 anos) trabalham no campo (principalmente na produção de cacau), a evasão escolar é de mais de 10% ao ano e a repetência fica em torno de 15% ao ano.
A Movva chegou ao país africano numa parceria com a Fundação Jacobs e o Ministério da Educação local. A ideia foi testar o produto em um contexto diferente do brasileiro. Na Costa do Marfim, dizem os empreendedores, é comum disciplinar as crianças por meio da punição física, o que também prejudica a aprendizagem.
Pais de 5 690 alunos das cidades de Aboisso e Bouaflé receberam as mensagens. Depois de dez meses, segundo os pesquisadores, esses estudantes faltaram apenas metade das vezes na comparação com aqueles que não receberam os “cutucões”, na região onde a colheita de cacau se estendeu durante o ano escolar.
Segundo os empreendedores, no primeiro ciclo dos anos iniciais do Ensino Fundamental, as mensagens de texto para as famílias melhoraram a aprendizagem em leitura e matemática – como se as crianças cujos pais receberam os nudges estivessem um bimestre à frente das demais. A evasão escolar diminuiu em todas as séries em cerca de 50%, chegando à redução de 70% no primeiro ciclo dos anos finais do Ensino Fundamental, ciclo em que a repetência caiu em um terço.
Antes do experimento, 23% dos pais no CP2 (correspondente ao nosso segundo ano) e 21% no CE2 (que equivale ao quarto ano) usava alguma forma de punição física em casa e/ou acreditava que os castigos são necessários para uma boa educação. Ao final, esses indicadores caíram para 18% e 11%, respectivamente.
UM CONTRATO COM O INSTITUTO NATURA REFORÇOU A CAPILARIDADE
Os empreendedores não divulgam quanto foi gasto para levar o Eduq+ até a Costa do Marfim, mas dizem que já estão em negociação para uma segunda fase em 2020 e que trabalham para que o produto custe em torno de US$ 6,50 por participante ao ano. No Brasil, o custo médio por aluno fica em torno de R$ 1,25.
A experiência foi importante para validar a efetividade dos nudgebots, mas, segundo Rafael, o foco da empresa é ampliar a atuação no Brasil. Hoje, os nudgebots já chegam a 200 mil pais em 3 890 cidades de todo o país. Muito dessa capilaridade vem de um contrato firmado com o Instituto Natura, pelo qual as consultoras da marca com filhos em escolas públicas são cadastradas e recebem as mensagens.
Atuar em empresas dispostas a ajudar seus colaboradores a melhorar a educação dos filhos é um dos modelos de atuação. Outro são contratos firmados diretamente com o poder público (menos frequentes, por falta de verba) ou com empresas e isntituições que financiam o programa e doam para as secretarias de educação, como aconteceu em 2016 — ou como faz a Livo, marca de óculos artesanais, que a cada óculos vendido inscreve uma família na plataforma da Eduq+ por um mês.
GANHA-GANHA: EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA REDUZIR A INADIMPLÊNCIA
Lançado em 2016, o Poupe+ funciona como o Eduq+, com mensagens enviadas duas vezes por semana aos usuários cadastrados — atualmente, são cerca de 16 mil pessoas. A diferença é o objetivo. Neste modelo, empresas (como Mercado Pago e SumUp) contratam o serviço para reduzir os atrasos de pagamentos de seus clientes promovendo a educação financeira.
“Este é um formato em que confiamos muito porque é um ganha-ganha. Por um lado, melhora a gestão financeira de colaboradores ou clientes das empresas que nos contratam e, por outro, reduz a inadimplência”
Assim, usuários cadastrados recebem mensagens como: “É importante que você mantenha o orçamento pessoal organizado para conseguir pagar suas contas em dia e até formar uma reserva ao final do mês”; e “Escolha um caderno para organizar seu orçamento. Nele você fará várias anotações e ao final de cada mês conhecerá melhor a sua vida financeira”.
Uma avaliação de impacto validada pela Universidade de Zurich com mais de 15 mil consultoras da Natura usuárias do serviço verificou diminuição da inadimplência em 5% e retorno de R$ 5,89 por cada real investido.
Os indicadores são definidos com cada cliente. Os serviços são contratados por períodos diferentes. O Eduq+ corresponde a 40 semanas, ou um ano letivo; os contratos do Poupe+ duram cerca de seis meses.
A FALTA DE INTERNET DE QUALIDADE TORNA O SMS MAIS EFETIVO
Entre fevereiro e julho, uma participação na Estação Hack, programa de aceleração do Facebook em parceria com a Artemisia, ajudou a empresa a evoluir a carteira de clientes e a fazer o branding da nova marca — desde maio, a empresa atende por Movva. “Matamos todos os negócios que tínhamos como consultoria e refundamos a empresa”. A previsão é faturar entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões em 2019.
Por trás da simplicidade das mensagens existe uma engenharia de conhecimento. Além do trabalho com os bots, que envolve Inteligência Artificial, a Movva tem um time de pedagogos, economistas, estatísticos e cientistas de dados, que se baseiam em pesquisa e literatura para desenvolver um conteúdo efetivo. Segundo Rafael:
“O nosso sistema trabalha para que a mensagem chegue de algum jeito customizada e mais aderente na ponta, inclusive considerando a questão regional”
Em tempos de WhatsApp, a Movva optou por trabalhar com SMS porque é mais barato — e, segundo os empreendedores, mais efetivo. Os sócios se baseiam em um dado do PNAD (Programa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE), pelo qual 94% da população brasileira tem um celular em seu domicílio, mas metade não tem internet de qualidade.
“Já temos tecnologia para trabalhar com Facebook Messenger e outros aplicativos, mas a grande escala ainda é com SMS”, diz Rafael.
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