Chocolate com brownie, cacau com creme de avelã e baunilha com castanhas caramelizadas. O que esses três sabores de sorvete têm em comum? Nenhuma gota de leite — pelo menos não de leite de vaca.
A curitibana Nice Foods produz sorvetes veganos, à base de leite extraído da castanha de caju. A proposta é simples: entregar a mesma experiência do produto tradicional em termos de sabor, textura e cremosidade, mas sem um traço de ingredientes de origem animal na composição.
Recém-lançada, em outubro de 2019, a empresa em tese estaria engatinhando, mas já mostra fome de gente grande: está presente em 50 pontos de venda na capital paranaense, dois em Balneário Camboriú (SC), e agora almeja chegar a Rio e São Paulo.
A DIFICULDADE DE ACHAR PRODUTOS DE ORIGEM VEGETAL INSPIROU OS SÓCIOS
A percepção de que faltava algo assim no mercado veio da experiência dos sócios. Casados há pouco mais de um ano, Paola Stier, 25, e Thiago Lorusso, 32, decidiram — juntos — abandonar o consumo de produtos de origem animal.
Decisão tomada, eles depararam com a dificuldade de se encontrar substitutos à altura. Paola lembra:
“A gente ia no mercado e não conseguia comprar coisas simples, como um sorvete, ou ingredientes como leite condensado ou creme de leite… Não havia versões de origem vegetal para fazer uma sobremesa”
Dona de um perfil no Instagram em que compartilha dicas sobre alimentação vegetariana na cidade, Paola via crescer a cada dia o público interessado nessas opções, fosse por escolha pessoal ou restrição alimentar.
Foi pelo Insta, aliás, que eles conheceram o terceiro sócio da Nice Foods: o administrador Marco Bindé, 26, dono do Ugami, um mini mercado de produtos saudáveis em Curitiba.
FORAM DEZ MESES E 500 TESTES PARA APRIMORAR A RECEITA, SEMPRE À NOITE
Diante da falta de disponibilidade de sorvetes no mercado, o casal resolveu criar a própria receita em casa. Nas primeiras versões, a base era coco.
“Ficou muito gostoso, a família e os amigos sem restrição alimentar também gostaram”, diz Paola. “Mas ainda tinha aquele retrogosto do coco no final.”
Abraçaram então a missão de aprimorar a receita. E precisaram encarar uma trabalheira braçal na cozinha. Thiago conta:
“A gente não tinha dinheiro para comprar maquinário, então batíamos o sorvete na mão… Um processo exaustivo de bater, levar ao freezer, bater de novo… Depois de um tempo, conseguimos comprar uma máquina de fazer sorvete profissional. Não era um maquinário industrial ainda, mas ajudou bastante”
Ao todo, foram dez meses aprimorando as receitas, e mais de 500 testes — sempre à noite, em dupla jornada pós-expediente.
Nessa época, eles ainda mantinham seus empregos diurnos: Paola na área de microbiologia, Thiago numa startup de entregas e Marco à frente do empório.
O LOTE PRODUZIDO COM UMA INDÚSTRIA DEU ERRADO — E O SORVETE FOI PARA O LIXO
Eles já tinham tentado achar uma indústria parceira, sem sucesso. “Fomos atrás de inúmeras fábricas, mas nenhuma quis fazer o desenvolvimento conosco.”
Quando finalmente ouviram um “sim” e uma indústria topou produzir um lote, veio a decepção: a receita desandou e os 300 litros de sorvete fermentaram. Foi tudo para o lixo. Thiago lembra:
“Isso nos desanimou muito, perdemos dinheiro. Mas foi aí que vimos que a gente precisava de uma estrutura melhor, de uma cozinha industrial mesmo, e então alugamos um espaço. Compramos maquinário usado e parcelamos a perder de vista”
Juntos, os três investiram uns 150 mil reais do próprio bolso no negócio. Além do baque de perder o lote, eles ainda amargaram mais uma frustração.
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Os sócios já tinham um nome separadinho para batizar a empresa: Do Futuro.
Acabou, porém, que outra startup (sim, a Fazenda Futuro, dos hambúrgueres vegetais) foi mais rápida e chegou antes ao mercado…
“A gente até tentou manter o nome, mas percebemos que haveria muita confusão”, diz Paola. E assim vinha à luz a Nice Foods.
A ESTRATÉGIA: LANÇAR O PRODUTO LOGO E IR AJUSTANDO AOS POUCOS
Perrengues fazem parte da rotina de quem empreende. A moça e os dois rapazes aprenderam na prática que resiliência e persistência são importantes.
Descobriram, também, que com um MVP debaixo do braço talvez já seja a hora de experimentar a temperatura do mercado. Thiago afirma:
“A gente poderia ter esperado para conseguir baratear os ingredientes, para conseguir lançar direto na embalagem de papel [hoje é vidro], ou uma série de melhorias que ainda queremos fazer… Mas achamos que a melhor estratégia era lançar logo e ir aprimorando aos poucos, com a operação rodando”
O lançamento foi em outubro de 2019, no Ugami. Eles dizem que havia umas 2 mil pessoas no evento; rolou sorvete de graça, e isso ajudou a cativar clientes.
A Nice Foods faturou 60 mil reais nos dois primeiros meses. Segundo os empreendedores, a empresa vem crescendo cerca de 95% ao mês. Hoje o produto já está disponível em 50 pontos de varejo e cerca de 10 restaurantes.
DIVERSIFICAR O PORTFÓLIO PARA TORNAR O PRODUTO MAIS ACESSÍVEL
Com o sorvete no mercado, eles já identificaram alguns pontos de melhoria.
“Queremos baratear e tornar o produto mais acessível”, diz Thiago. “Para isso vamos lançar uma linha mais simples, com sabores mais puros, só chocolate, só baunilha, só morango.”
Na linha premium (que corresponde aos oito sabores atuais), a meta é retirar o açúcar das opções mescladas. Segundo o empreendedor:
“A ideia é diversificar o portfólio e dar opção para perfis diferentes, seja o vegano, o intolerante à lactose ou quem tem restrição de açúcar ou glúten. O que a gente quer é unir essas pessoas, ter produtos que atendam a todos esses públicos diversos”
O preço é um ponto de atenção. Hoje, os sorvetes são vendidos, em média, por 30 reais a unidade (de 600 ml); a expectativa é baixar para um valor mais próximo de 20 reais.
E para baratear, os sócios querem alcançar volume. O que, no caso, significa transferir a produção da estrutura da empresa para outro endereço — outro estado, na verdade.
COM A PRODUÇÃO EM ESCALA, A META É FECHAR 2020 FATURANDO R$ 1 MILHÃO
Prestes a abrir sua primeira rodada de investimentos, a Nice Foods também se prepara para passar a produzir seus sorvetes em uma indústria em São Paulo.
Uma consultoria foi contratada para ajudar na estruturação da operação. Com a mudança, a capacidade de produção vai decolar dos atuais 2 500 litros mensais para 150 mil litros por mês.
“Produzindo em escala, vamos distribuir para São Paulo e Rio de Janeiro”, diz Paola. “Com isso, nossa expectativa é estar presente nas principais redes varejistas e chegar ao fim do ano com um faturamento de 1 milhão de reais.”
O plano inclui ainda dominar o foodservice curitibano, atingindo 100 pontos até o fim de 2020. Recentemente, três funcionários foram contratados para tocar o comercial e o marketing (outros três trabalham na cozinha de teste).
E além do sorvete, o que o trio projeta para o futuro? “A gente tem algumas pesquisas [de produtos em andamento]”, diz Paola. “Queremos desenvolver creme de leite e leite condensado.”
Breno Oliveira perdeu o emprego de instrutor de Libras e decidiu empreender. Hoje está à frente da Il Sordo, rede de sorveterias (ou “gelaterias”) que contrata pessoas com deficiência auditiva e estimula os pedidos na linguagem de sinais.
Os irmãos Bruno e Thiago Rosolem queriam levar mais brasilidade ao mercado plant-based, mas não sabiam como. Até que um hit de Alceu Valença trouxe a resposta: aproveitar uma matéria-prima desprezada pela indústria, a fibra do caju.
Robert Montgomery consumia tigelas e mais tigelas de cereal, mas cresceu e largou o “vício”. De olho na memória afetiva dos adultos, ele criou a Abra Cadabra, versão proteica (e sem cereal!) endossada por um ícone da TV brasileira.