Imagine experimentar um perfume usando o seu celular ou tablet.
Imaginou? Pois a Cláudia Galvão pensou nisso antes de você.
Cláudia é a CEO e fundadora da Noar, que se define como uma scent tech — uma startup de tecnologia olfativa.
Batizado de Multiscent 20, seu primeiro produto é uma espécie de tablet sem tela, que pode ser acionado por meio de aplicativo para reproduzir fragrâncias com fidelidade, permitindo testar perfumes sem borrifar a pele — ou remover a máscara.
APÓS DEZ ANOS DE CARREIRA E UM SABÁTICO, ELA DECIDIU EMPREENDER
Engenheira de formação, Cláudia, 47, é natural de Pará de Minas (MG), mas desde os 18 vive em São Paulo. Por dez anos, trabalhou na Rust, que produz revestimentos anticorrosivos para a indústria pesada. Até que a ficha caiu…
“Percebi que não era aquilo que eu queria da minha vida, não tinha vocação para ser executiva. Assim, tirei quatro anos ‘meio sabáticos’ e fui estudar moda, design, criação… Quando o dinheiro acabou, voltei para o mercado — mas queria um negócio que tivesse mais a ver com o que eu tinha estudado”
Com a cabeça fervilhando, Cláudia queria empreender.
Os antigos chefes se propuseram entrar como investidores-anjo, e assim, em 2011, ela fundou a Ananse, sua primeira empresa, que se posiciona como um “delivery de fragrâncias” por meio de nanotecnologia.
A ANANSE VIROU FORNECEDORA PARA OS CATÁLOGOS DA AVON
Um dos negócios da Ananse é o fornecimento de microcápsulas de perfume para catálogos impressos de grandes marcas de cosméticos, que atuam com o modelo de venda direta.
Sabe aquelas revistas da Avon que você raspa e sente o cheiro de um perfume?
“Essas tecnologias já existiam fora do país, mas só havia uma empresa alemã e uma americana que faziam — e a gente conseguiu desenvolver no Brasil. Tivemos oportunidade de fazer um teste com a Avon e as nossas cápsulas performavam melhor do que a que eles importavam”
A Avon virou cliente e o foco da Ananse, que antes estava concentrado em soluções voltadas à indústria têxtil, acabou pendendo mais para o setor de cosméticos.
CLÁUDIA VIU QUE TERIA DE CRIAR UMA FORMA DIGITAL DE VENDER PERFUME
Até que a empreendedora se deparou com um desafio: a digitalização do mercado editorial.
Começou a ficar claro para ela que os catálogos impressos não iriam durar para sempre. Seu business iria mudar, mais cedo ou mais tarde.
“Eu pensei: acabei de criar uma tecnologia maravilhosa e mesmo assim o meu negócio vai morrer… Entendi que eu precisava desenvolver uma solução para vender perfume de forma digital”
Mais do que um “aparelhinho”, a ideia era chegar a um dispositivo que trouxesse uma transformação para o mercado de venda direta.
Esse universo é vasto. Segundo Cláudia, só Brasil, Estados Unidos e Europa somam 15 milhões de representantes de venda, como são conhecidos os revendedores — e sobretudo revendedoras — que comercializam os produtos.
“O mercado da venda direta já era feito da forma atual há mais de 100 anos, nunca teve uma grande inovação… O próprio mercado de perfumaria é muito antigo.”
O PROTÓTIPO FOI CRIADO INTERNAMENTE COM UM TIME DE ENGENHEIROS
Foi assim, em 2015, que a Noar começou a ser gestada, como um spin-off da Ananse.
Investigando o mercado, Cláudia viu que quando se falava em “cheiro digital”, o que havia eram fragrâncias meio genéricas, por exemplo, um despertador que soltava um “cheiro de café”…
“E eu queria trabalhar com amostragem: que a revendedora tivesse, por meio de um dispositivo, aquele mesmo perfume da empresa, assim como consigo com as minhas microcápsulas”
Ela convenceu seus sócios na Ananse — uma empresa química, afinal — a montar uma equipe interna de quatro engenheiros atrás de uma solução disruptiva.
Hardware e software foram desenvolvidos internamente, com o protótipo sendo produzido em uma oficina com impressora 3D em Pará de Minas, a cidade-natal de Cláudia (“porque lá era mais barato”, admite).
O DISPOSITIVO EMITE A FRAGRÂNCIA EM FORMA DE “AR SECO”, SEM GOTÍCULAS
O Multiscent 20, o produto da Noar, parece um tablet sem tela (ao ser escaneado, um QR Code no verso dá acesso ao catálogo de perfumes). Um cartucho inserido no aparelho permite até 100 disparos de uma determinada fragrância, que sai na forma de um “ar seco”, sem gotículas.
No mundo da venda direta, normalmente a revendedora visita escritórios e deixa o catálogo circulando de mão em mão entre as funcionárias. Sem saber, Cláudia estava criando uma solução mais adequada para tempos de pandemia
“Foi como se tivéssemos desenhado a solução para o pós-Covid… Imagine, você não precisa tocar na amostra do perfume, pode sentir a fragrância com a máscara, limpar o dispositivo com álcool-gel… Sem querer, veio a calhar”
Seu propósito original, diz, era apenas se antecipar à digitalização e criar uma solução mais sustentável, que simplificasse a vida das revendedoras.
“Eu queria melhorar as condições dessas empresárias — porque cada representante de vendas é uma pequena empresária — para que elas não precisem mais carregar tanta amostra, tanta revista…”
TECNOLÓGICO DEMAIS PARA REVENDEDORAS? NADA DISSO, DIZ CLÁUDIA
Para desenvolver a solução, foram três anos e 4 milhões de reais investidos, de capital próprio da Ananse.
Nesse intervalo, buscando investidores, Cláudia ouviu muitas vezes que a solução seria “tecnológica demais” para revendedores de perfumaria.
“Ouvimos comentários de que pessoas que vendem perfumaria não são jovens, teriam dificuldade com a tecnologia… Mas não é verdade: vimos vários vendedores acima de 50 anos que adoraram, acharam ‘muito chique’. Não esperávamos que eles tivessem tanta facilidade”
Cláudia diz que já acompanhou vários testes de pessoas experimentando o Multiscent — e afirma que a receptividade é sempre interessante.
“No começo as pessoas têm curiosidade, quase medo: nossa, vai sair um cheiro daí de dentro…?. Depois, ficam encantadas, é uma coisa meio mágica.”
ELA ESTAVA QUASE DESISTINDO QUANDO ENCONTROU UM INVESTIDOR
Encontrar alguém que apostasse na solução foi dureza, diz Cláudia.
Numa reunião de captação de recursos, ela conta que chegou a ouvir de um candidato a investidor que o fato de ser uma empresa de tecnologia comandada por uma mulher era um ponto negativo, não passava confiança. “Sinto muito, sou a sócia-majoritária e isso não vai mudar…”, respondeu.
Ainda assim, sem injeção de capital o negócio não iria para a frente.
“Sabíamos que não iríamos ter fôlego para escalar o negócio. Estávamos quase desistindo quando encontramos a Wheaton. Tivemos uma conversa e rolou uma sinergia superbacana, eles entenderam que a gente precisava de capital antes de fechar contratos”
Fabricante de embalagens de vidro para perfumes e cosméticos, a Wheaton está fazendo um aporte por estágios. Segundo Cláudia, serão 30 milhões de reais investidos na Noar ao longo de cinco anos.
“A chegada da Wheaton nos possibilitou uma virada do negócio, nos deu fôlego para irmos ao mercado atrás de clientes grandes.
UM LOTE DE MULTISCENTS ESTÁ SENDO FABRICADO PARA A NATURA
O primeiro grande cliente é a Natura. Antes de acessar a empresa, a Noar chegou a realizar provas de conceito com outras duas concorrentes.
“Vimos que a solução de cheiro digital era algo que todo mundo queria”, diz Cláudia. “Mas percebemos que a Natura estava mais avançada na questão da digitalização. Então, quando chegarmos na empresa, foi mais fácil alavancar a ideia lá dentro.”
O primeiro lote está em produção. Por acordo de confidencialidade, Cláudia diz que não pode revelar o número de unidades (ou o custo unitário) dessa primeira venda, mas dá uma pista:
“O mundo da venda direta é muito grande. A Natura tem 1 milhão de representantes, a Avon [adquirida pela Natura] tem 6 milhões… Nosso primeiro teste com público foi na loja-conceito da Natura na Malásia, a empresa pretende implementar [em escala] global, então serão quantidades relevantes”
O dispositivo pode ser configurado para coletar dados dos consumidores, permitindo às empresas conhecer melhor o seu público.
“Por exemplo, dá para saber quantas vezes aquela pessoa experimentou um perfume, se reverteu em vendas, qual o perfume preferido…”, diz Cláudia. “Deixamos à escolha da empresa quais dados ela vai querer coletar.”
NO FUTURO, ELA QUER LEVAR O CHEIRO DIGITAL EM PRODUTOS B2C
Por ora, o modelo de negócio é focado no B2B, vendendo os dispositivos e garantindo recorrência por meio da venda dos cartuchos, ou refis (são 20 fragrâncias disponíveis).
Cláudia diz que há testes em andamento com clientes potenciais na Europa e nos Estados Unidos. E a receptividade tem sido boa:
“Eles dizem que temos a solução mais segura de experimentação atualmente. O pessoal chega na loja de perfume e não quer pegar naquela fita [com a amostra], não quer tirar a máscara….”
Enquanto isso, a empreendedora bola outras criações para o portfólio. Uma delas será uma versão com tela do Multiscent, dispensando o uso do app pelo celular. Outra terá uma finalidade mais lúdica, voltada ao B2C:
“Por exemplo, queremos criar um chaveiro que vai soltar um cheirinho quando a sua namorada mandar um emoji específico”, diz Cláudia. “Não faremos só ferramentas de vendas, vamos fazer mais produtos que entreguem o cheiro digital.”
A venda direta ainda engaja milhões de pessoas no Brasil, sobretudo mulheres. Com um aplicativo e centenas de produtos no catálogo, a Vendah fornece uma alternativa para quem busca complementar sua renda sem precisar sair de casa.
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