Imagine entrar em um quarto sem circulação de ar ocupado há dias por um paciente contaminado com o novo coronavírus.
“O profissional de saúde que entra ali está numa zona muito contagiosa, numa ‘nuvem de corona’”, diz José Claudio Terra, diretor de Inovação e Transformação Digital do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Qualquer vacilo ele se contamina.”
Para reduzir as chances de que médicos, enfermeiros e outros pacientes sejam infectados por doenças pulmonares contagiosas, hospitais costumam dispor de alguns quartos de isolamento respiratório, equipados com sistemas de pressão negativa do ar. Assim, evita-se que o vírus saia “passeando” pelos corredores.
O problema é que esse tipo de solução demanda projetos de engenharia, implementados durante a construção do prédio ou em uma reforma. Segundo Cláudio:
“No caso da Covid-19, não dava tempo de quebrar parede, fazer uma tubulação específica… A beleza desse [novo] equipamento é que basta você plugar na tomada, colocar a tubulação para fora da janela e ele começa a funcionar”
O equipamento em questão é o ATMUS, um sistema portátil de exaustão e filtragem do ar que vem sendo usado pelo Einstein para evitar ou diminuir a propagação do coronavírus dentro do ambiente hospitalar.
A solução surgiu a partir de um contato entre a gerência de manutenção do hospital e sua fornecedora de ar-condicionado, a Enebras — uma empresa até então “tradicional” que vem sendo transformada por essa inovação.
SEMANAS ATRÁS, O APARELHO NEM EXISTIA. HOJE, HÁ UMAS 200 UNIDADES INSTALADAS
Na ativa desde 2007, a Enebras sempre teve como foco serviços de instalação e manutenção de sistemas de ar-condicionado na rede hospitalar.
“Atuamos em diversos hospitais de grande porte no estado de São Paulo, executando obras desde pequenas até as grandes”, diz Fabio José de Sousa, o fundador.
Fabio é engenheiro mecânico de formação. Antes de empreender, trabalhou por quase nove anos no Einstein. Ele conta que, lá atrás, em 2002, a equipe de manutenção do hospital tentara desenvolver uma solução similar ao que viria a ser o ATMUS. “Porém, na época a tecnologia disponível não possibilitava um baixo nível de ruído e tamanho adequado.”
Um dos trunfos do ATMUS é justamente sua portabilidade, que simplifica a instalação — o aparelho é basicamente um cubo com 80 centímetros de lado. Fabio explica o funcionamento:
“O sistema faz a exaustão controlada do ambiente contaminado, descartando o ar ao ambiente externo esterilizado por ação de um filtro HEPA e de uma luz ultravioleta. Pode ser ajustado conforme com o tamanho do local, o que reduz o consumo elétrico e de filtros”
Semanas atrás, esse aparelho nem sequer existia. Hoje, já há cerca de 200 unidades instaladas no hospital, no Morumbi, e em dois hospitais municipais gerenciados pelo Einstein: o Dr. Moysés Deutsch (M’Boi Mirim) e o Vila Santa Catarina, ambos na Zona Sul da capital paulista.
O EINSTEIN ENTROU COM APOIO LOGÍSTICO, CONTATOS E PEDIDOS DE COMPRAS
A partir dessa demanda do Einstein, a Enebras se pôs a desenvolver o protótipo do ATMUS, o que levou 15 dias.
“Nesse período, fizemos testes para montar um atenuador de ruído, avaliar o melhor formato do equipamento e como fazer algo simples a ser adaptado na janela, possibilitando o descarte do ar com o mínimo de intervenção na estrutura dos leitos”, diz Fabio.
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Claudio, diretor de Inovação do Einstein, se envolveu com o projeto na primeira semana de março. O protótipo já estava pronto: o desafio passou a ser serializar a produção desse aparelho — o que exigiu uma “operação de guerra”, nas suas palavras:
“Foi um processo em tempo recorde, de quatro ou cinco semanas. Envolveu todo um redesenho, uma mudança de local físico para a criação de uma planta de produção seriada, estabelecer toda a cadeia de suprimentos…”
O Einstein entrou com apoio logístico, contato com fornecedores, emprestando um “olhar de cliente” para o desenvolvimento do produto e ajudando a organizar a linha de produção e os processos internos da Enebras — além de dar uma força para o capital de giro, por meio dos pedidos de compras.
A QUARENTENA DIFICULTOU O ACESSO A ALGUNS COMPONENTES DO APARELHO
Entre março e abril, a Enebras mergulhou numa metamorfose-relâmpago.
“Nossa experiência anterior era bem diferente de uma linha de produção”, diz Fabio. “A montagem de componentes, logística de entregas, formas de faturamento e diversidade de materiais exigem uma série de novos processos administrativos.”
Para abrigar a produção seriada, a empresa arranjou um galpão na Lapa, Zona Oeste de São Paulo. “Corremos para montar uma estrutura mínima e isso nos deu mais facilidade de armazenagem e espaço para a montagem.”
Matéria-prima foi um problema. Foi preciso diversificar, improvisar nas compras (apelando até a lojas de varejo) e encontrar novos fornecedores de motores, lâmpadas UV e de acústica.
“Recorremos a vários fornecedores na cadeia para conseguir atender a demanda inicial gerada. A própria quarentena dificultou o acesso a alguns componentes e tivemos de fazer ajustes no projeto inicial”
Claudio entrou em campo e fez a ponte com o pessoal da Embraer, que embarcou no projeto e deu suporte na elaboração de desenhos, na avaliação do conceito do ATMUS e também no desenvolvimento de novos fornecedores nacionais para alguns componentes. “A Embraer está nos auxiliando em busca de alternativas de prazo e custo”, diz Fabio.
O EMPREENDEDOR LICENCIA A TECNOLOGIA A CUSTO ZERO DURANTE A PANDEMIA
Hoje, a capacidade de produção da Enebras é de 15 aparelhos por dia, a um custo unitário aproximado de 14 mil reais. Além das vendas para o Einstein, há negociações em andamento com outros hospitais. “Estamos também avaliando o uso deste sistema em áreas administrativas de escritórios, visando melhorar a qualidade de filtragem.”
A inovação gerou um pedido de patente internacional (com apoio do Einstein, por meio do seu escritório de advocacia). Gerou, também, uma mostra de generosidade do fundador da Enebras.
“O Fabio é uma pessoa com uma consciência coletiva muito grande”, diz Claudio, do Einstein. “Como empreendedor, ele precisa sobreviver à crise. Mesmo assim, anunciou uma transferência de tecnologia sem custo para qualquer empresa do Brasil que queira produzir o equipamento durante a pandemia.”
O empreendedor explica a decisão: “Não temos a capacidade de atender o país inteiro no prazo necessário. Em regiões como Norte e Nordeste, muitas cidades têm carência de salas de isolamento. Nosso sistema pode ser feito lá por quem queira entender e produzir.”
No site da Enebras, um botão (“Saiba como produzir”) convida ao contato com a empresa; um “asterisco” avisa que a tecnologia é protegida por patente, mas pode ser licenciada a custo zero durante a crise da Covid-19.
Por enquanto não houve procura. “Acredito que o mercado ainda está assimilando a necessidade.”
REPOSICIONADA COMO STARTUP, A ENEBRAS AGORA É INCUBADA PELO EINSTEIN
O ATMUS não é, ainda, responsável pelo principal volume de faturamento da empresa, mas Fabio diz que sua ideia é criar uma divisão específica relacionada à solução. Hoje, dos cerca de 80 funcionários, uns 20 estão envolvidos com o projeto.
A jornada de reinvenção da fabricante de ar-condicionado está só começando: ela acaba de se incorporar ao portfólio da Eretz.Bio, a incubadora de startups do Einstein. “A Enebras tem agora essa vertente de empresa de base tecnológica que pode crescer muito e ajudar o Brasil”, explica Claudio.
Fabio, o empreendedor à frente da Enebras, vê essa guinada de forma positiva.
“Queremos inovar em outras soluções para isolamento com produtos derivados do ATMUS. Num ambiente como uma incubadora, facilita — até pelo contato com outras empresas voltadas à inovação na área de saúde”
Ele diz que, desde a fundação, o crescimento foi “gradual, mas lento”. A ideia agora é deslanchar:
“Nossa expectativa é aprender novos conceitos de administração para crescer ainda mais e a empresa ser reconhecida como uma das melhores no mercado de sistemas de climatização hospitalar.”
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