Quando Adriana Costa, 31, resolveu deixar para trás o que havia construído na carreira de Hotelaria, ela já namorava um segmento ainda mais difícil e competitivo: a moda. O flerte com esse universo, no entanto, começou quando, aos 15 anos, em vez de optar por uma festa de debutante, ela pediu aos pais de presente uma máquina de costura.
Avance 15 anos na linha do tempo, permeada por dificuldades da jovem para conquistar um diploma universitário e experiências bastante difíceis como hoteleira, e chegamos ao seu negócio hoje, a Agama, marca de bolsas e acessórios produzidos a partir de tecidos que seriam descartados pela indústria. Hoje, depois de quatro anos como empreendedora, Adriana se orgulha de uma trajetória intensa e cheia de transformações. “Nunca tive conhecimento deste universo e demorei muito para entender sobre administração, mas sempre tive muita vontade”, diz.
Adriana sempre foi apaixonada pelo universo da criação e do fazer manual. O impedimento para que se arriscasse na área logo após o ensino médio foi a ideia comum de que “fazer moda” é para um público restrito. A empreendedora nasceu e cresceu na periferia de São Paulo e as experiências que teve com as faculdades de moda, na época de estudante, a fizeram entender que aquele universo “não era para ela”.
Com uma forcinha da mãe, viu na Hotelaria um possível espaço de maior identificação, mas já no terceiro ano da faculdade, o que era empolgação se transformou na certeza de que aquela carreira não a faria feliz. Mesmo assim, a jovem terminou o curso e entrou na área por meio de um estágio obrigatório.
Foram os ganhos financeiros com este trabalho que permitiram que Adriana partisse para a Irlanda em um intercâmbio de um ano. Lá, ela fez de tudo, de faxinar banheiro de balada a arrumar quartos de hotel.
Na volta, sem muitas perspectivas em outra área, voltou para o Turismo. Hoje, carrega não só a experiência de ter trabalhado com administração e eventos (o que sem dúvida a ajuda nos bastidores da Agama), mas também de quase ter tido um colapso mental por extrapolar os próprios limites do quanto é possível suportar algo pelo trabalho, como relembra:
“Percebi que estava me deixando levar pela vida sem muita atitude. Era hora de resgatar quem eu era e do que eu gostava”
Ela prossegue: “Comecei a revisitar minhas memórias e lembrei que o tecido sempre esteve presente, desde a minha infância quando minha mãe fazia roupas para nós”. Antes da Agama assumir o perfil atual, Adriana costurava por demanda. O que pediam, ela fazia.
NÃO BASTA SÓ FAZER O QUE OS OUTROS FAZEM
Foi assistindo a uma palestra sobre foco que Adriana entendeu que, para se diferenciar ou ter um negócio relevante, era preciso construir um portfólio de produtos e trabalhar em cima deles. Com pouquíssimo investimento e aproveitando a estrutura de sua casa, ela começou a confeccionar bolsas e acessórios para vender em feiras de artesanato.
Mas o estalo maior veio quando Adriana presenciou uma representante têxtil jogando tecidos novos no lixo. Ali ela enxergou matéria-prima gratuita, que poderia ganhar vida nova com um pouco de criatividade. Hoje, usar os tecidos recuperados tornou-se muito mais do que uma estratégia para diminuir custos: é o coração da Agama.
Adriana tinha encontrado um caminho. Mas sabia que seu pouco conhecimento sobre planejamento de coleção, administração financeira, comunicação e marketing de moda, por exemplo, seria uma pedra no sapato. Sem poder investir muito nem contratar pessoas com esses expertises, Adriana começou a correr atrás e aprender, ela mesma, um pouco sobre tudo. Inscreveu-se em cursos, mentorias e foi uma das selecionadas para o Escola Brilhante, um projeto promovido pela Unilever para fortalecer mulheres empreendedoras.
Um empréstimo bancário de 3 mil reais, em 215, a ajudou a investir no aprimoramento das bolsas e, também, a aumentar a produção com a aquisição de uma máquina industrial. Também possibilitou que comprasse a própria máquina de cartão de crédito e débito. Após estes ajustes, no ano passado, Adriana resolveu apostar no atacado. No entanto, a estratégia se mostrou uma cilada e fez com que perdesse dinheiro, atrasando o desenvolvimento do negócio.
ESTAVA TUDO BEM, AÍ DEU QUASE TUDO ERRADO
Adriana considera que estar sempre aberta a aprimorar o próprio negócio e a absorver conhecimento são características que a ajudaram no empreendedorismo. Quando viu que vender no atacado não funcionava, ela usou o momento ruim para reformular o posicionamento de todo o negócio e se encontrar: em vez de dar um passo atrás, escolheu dar um passo além. A ideia que veio foi melhorar o produto e se lançar como “uma marca de moda artesanal e única”.
Mudou, então, a comunicação e os produtos. Aos poucos, viu seu faturamento passar de 9 mil reais, em 2016, para 13 mil reais, em 2017. Ela conta o sucesso não só pelo caixa, mas também por ter contribuído para a recuperação de alguns milhares de quilos de tecido que seriam jogados em aterros sanitários.
Ela reconhece ainda estar só o começo e afirma que sua trajetória foi construída na base da resiliência. Não que ela nunca tenha pensado em desistir. Isso “aconteceu várias vezes”, mas cada pensamento negativo era acompanhado de um novo acontecimento, que mostrava à empreendedora estar no caminho certo.
Se um dia Adriana acreditou que o universo da moda não era para ela, hoje, quando a Agama é vetada em círculos criativos, como as badaladas feiras de produtores locais organizada por e para os millennials (que, em sua visão, muitas vezes mantêm a mesma lógica de exclusão da moda), ela não desanima e aposta no poder da internet para ir mais longe.
Também busca, como pode, agregar outras pessoas normalmente excluídas da cadeia da moda. Um exemplo são as modelos que usa em seus editoriais e fotos de divulgação: são pessoas plurais, como mulheres trans, consideradas acima do peso ou com algum tipo de deficiência. Mas a inclusão vai além e Adriana busca também maneiras de transformar a Agama em um condutor de inclusão social. Ela já deu, de forma voluntária e gratuita, cursos sobre criação de bolsas e acessórios para idosas e está tentando encontrar um jeito de fazer a capacitação se tornar outro braço social de seu negócio.
ALÉM DE RESILIÊNCIA, COLABORAÇÃO É ESSENCIAL
Recursos limitados somados à vontade de fazer acontecer permitiram com que Adriana experimentasse, na prática, o modelo econômico da colaboração, no qual a moeda mais valiosa é o saber de cada um dos envolvidos. É assim que grande parte do trabalho da Agama acontece: os editoriais, as mídias sociais, a assessoria financeira e o planejamento são materializados na base da troca.
Entrar neste universo, ela conta, nem sempre é fácil, mas tem permitido à empreendedora crescer não só o seu negócio, mas também sua rede de relacionamentos. Para Adriana, o intercâmbio de conhecimentos e serviços sem dinheiro envolvido pode até ter um “quê” do passado, quando as pessoas trocavam o que plantavam e faziam, mas também retrata o que há de mais atual na economia, que faz com que a população “se vire como pode”. Ela fala a respeito:
“É incrível quando as pessoas entendem que escambo e permuta são caminhos reais para se ter um negócio.”
O tempo de maturação e desenvolvimento da Agama e da própria Adriana vai na contramão do mundo de algumas startups, com investimento e faturamento muito mais expressivos, em que tudo nasce e morre em uma velocidade impressionante. Sob a lógica do resistir, insistir e persistir, ao olhar para trás, ela olha para o que aprendeu até aqui e considera sua trajetória uma prova de que, muitas vezes, o que o empreendedor precisa é um pouco de paciência e estar sempre aberto a se transformar para alcançar seus objetivos.
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